Plinio Corrêa de Oliveira
Artigos na "Folha de S. Paulo"
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16 de
setembro de 1973 "Magnificat" pelo Chile No momento em que escrevo – sexta-feira pela manhã – o Chile parece estar acabando de fumegar. Os boatos irradiados sobretudo de Buenos Aires, Havana e Moscou não logram persuadir o grande público. E o noticiário dos jornais vai apresentando um quadro contraditório, do ponto de vista sentimental. Os gestos de alegria pela vitória se mesclam com a tristeza ou até a cólera pelo sangue vertido. O momento da reflexão fria e lúcida já chegou. E se patenteia assim, com nitidez, a linha geral dos acontecimentos. Poucas palavras bastam para defini-la. O Governo de uma grande nação sul-americana caíra nas mãos de uma seita de fanáticos, isto é, do Partido socialista-marxista. Essa seita resolvera aplicar ao Chile – custasse o que custasse – sua doutrina materialista, igualitária, dirigista e anticristã. A partir deste fato ideológico, desdobraram-se múltiplas conseqüências políticas e econômicas. Uma série de leis socialistas e confiscatórias se foram aplicando sucessivamente ao país, sem atender ao descontentamento da maioria da opinião pública. Em conseqüência, uma crise política começou a abalar os próprios fundamentos do Estado. Também a partir do fato ideológico se desenrolou, paralelamente à crise política, uma crise econômica. O pior dos patrões é o Poder Público. Sentiram-no bem os operários das cidades e dos campos, que pouco depois de "beneficiados" pela socialização, começaram a revoltar-se contra a miséria que sobre eles ia baixando. Porque mau patrão, o Estado é mau produtor. A pobreza foi se estendendo por toda a nação como uma gangrena. As crises política e econômica somaram seus efeitos e produziram um caos. Greves imensas paralisaram o país. Ele estava à beira de uma aniquilação total. Sobrevieram então as Forças Armadas, destituíram do poder os sectários, e estão repondo o país em condições de salvar-se. Esta é a linha geral dos fatos, e diante dela, a única atitude que cabe é aplaudir. Pois, se é verdade que o bem comum é a suprema lei, o fato puro e simples da salvação de um país que afundava, não pode deixar de ser apoiado. A serem coerentes consigo mesmos, os esquerdistas do mundo inteiro – que vivem a apregoar a supremacia total do bem comum – ficariam sem resposta. Mas ei-los que se transformam bruscamente em defensores dos direitos individuais, e, fechando os olhos para a salvação pública, começam a entoar pelo mundo inteiro seu De profundis laico e melado, a propósito do sangue que correu. Sangue dos esquerdistas é claro. Não dos soldados! * * * Esse sangue vertido, também nós o deploramos. Em outros termos, quanto preferiríamos que a trajetória ideológico-política e ideológico-econômica do Chile não tivesse conduzido o país à verdadeira catástrofe que foi a ascensão da seita marxista ao poder. Quanto fez a TFP chilena para alertar os seus conterrâneos para o perigo do progressismo "católico" e do demo-cristianismo, os quais iam empurrando sorrateiramente a nação para o precipício de onde agora ela se reergue tinta de sangue. Quanto atuaram as TFPs de todo o continente sul-americano para criar condições internacionais desfavoráveis a uma colaboração com esse processo de ruína e morte. Basta lembrar, neste sentido, a enorme difusão – que vale por uma epopéia – do best-seller de Fábio Vidigal Xavier da Silveira, "Frei, o Kerensky chileno". Nada foi capaz de obstar a que a "saparia" chilena, conluiada com o clero esquerdista, entregasse o país a Allende. Junto cantaram, na Catedral de Santiago, com rabinos, pastores protestantes, comunistas e terroristas, o Te Deum da vitória. E em seguida a tragédia começou. Desde logo se podia prever que, como um marxista nunca entrega voluntariamente o poder, ou ela terminaria no sangue, ou liquidaria o Chile. De fato, ela terminou em sangue, com o Chile quase liquidado. Os primeiros culpados por isto, não é difícil encontrá-los. Foram os que cantaram o estranho Te Deum ecumênico. * * * Libertada assim de entraves, e com o supremo poder em mãos, a seita comunista era no Chile como um leão solto. Pôs-se a devorar, com furioso ímpeto, os membros da nação. Diante de ameaças dos defensores do país, nem deixou o poder, nem cessou suas devastações. Foi indispensável, para salvar o Chile, derramar sangue do leão. Pergunto: a não ser isto, o que se deveria ter feito? Deixar o país ir à garra? – Esta pergunta só pode ter como resposta um "sim" ou um "não". Peço aos melados cantores do laico De profundis que me digam se sua resposta é "sim". Mas, dir-se-á, deposto o governo marxista, era absolutamente indispensável atirar sobre os redutos comunistas que ainda resistiam de armas na mão? – A resposta pressupõe o conhecimento de uma série de pormenores que a imprensa não noticiou ainda, e de considerações morais que não há espaço para desenvolver aqui. Entretanto, o certo é que os militantes da resistência comunista se opõem criminosamente, e de armas na mão, à salvação do país. Seu fanatismo os leva a resistir à bala quando toda resistência já é inútil. Assim, os responsáveis principais pelo sangue ora vertido no Chile, são os que intoxicaram de doutrinas marxistas e fanatizaram os resistentes. Estes, sim, a História cristãmente imparcial os tachará sempre de criminosos. Se do lado dos restauradores da nação houve ou está havendo excessos, a História também o dirá. E com imparcialidade igualmente cristã os censurará. Aguardemos. Mas o fato é que a História cristãmente imparcial jamais considerará em igual plano o sangue dos fanáticos que morrem agredindo o país, e o dos heróis que tombaram na defesa deste. * * * Perón, dotado de meios de informação presumivelmente excelentes, admitiu como certo que a morte de Allende tenha sido por suicídio. E não hesitou em qualificar o ato desesperado do malogrado presidente, como "atitude valente”, de um homem que tem vergonha e por isso se "suicida". Seria o caso de perguntar ao octogenário apologista do suicida se lhe faltaram valentia e vergonha quando, deposto em 1955, em lugar de se suicidar, foi viver no seu opulento exílio de Madrid. De minha parte, como católico, só posso censurar o suicídio do teimoso chefe comunista. E lamentar que lhe tenha sido de tão pouco socorro espiritual a Bíblia pressurosamente ofertada pelo cardeal Silva Henriquez. * * * Em síntese, expulso do Chile o comunismo, ipso facto perdeu ele terreno no continente sul-americano. Como brasileiro e amigo do Chile alegro-me. E, sem prejulgar em minha alma pormenores que possivelmente Deus e a História não aprovem, entôo interiormente o Magnificat. Sim, o Magnificat que o cardeal Silva Henriquez por certo não estará cantando. |