Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

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5 de agosto de 1973 

Contradições desinibidas 

Consigno com satisfação a atitude do órgão oficioso do Vaticano "L’Osservatore della Domenica", acerca do teste nuclear francês de Mururua. Em editorial assinado pelo respectivo diretor, Federico Alessandrini, aquela folha deixa bem claro que o fabrico e posse de armas nucleares não é condenado pela Igreja: pois se, conforme alguns, as armas atômicas conduzem para a guerra, conforme outros, elas constituem instrumento de paz.

Talvez cause estranheza a hipótese admitida por Alessandrini, de que as armas atômicas podem conduzir à paz. Porém ele fundamenta bem essa possibilidade citando como plausível a opinião de muitos, segundo os quais, por vezes, o melhor meio de evitar uma guerra consiste em incutir medo aos que a querem provocar.

Por vezes! Vou além e, de minha parte, acho que quase sempre.

* * *

"Kierunki" é uma revista cultural editada em Varsóvia por um grupo de católicos progressistas. Em seu número de 22 de abril – que por óbvias razões chegou ao mundo livre com algum atraso – aquele órgão se ocupa com o problema das barreiras ideológicas.

Para entender o interesse apresentado pelos comentários do "Kierunki", é preciso ter em consideração que este adota, em tudo e por tudo, as doutrinas, o estado de espírito e as atitudes do progressismo ocidental. Aliás, se assim não fosse, jamais as autoridades comunistas lhe dariam livre curso na Polônia.

Entretanto, os progressistas do Ocidente são ferrenhos adversários das barreiras ideológicas. E por uma estranha contradição, os seus congêneres da Polônia são partidários não menos ferrenhos dessas mesmas barreiras.

Se os progressistas de cá e de lá são tão afins em tudo, como explicar que estejam em desacordo neste ponto?

* * *

Antes de responder à pergunta, vejamos o que diz a folha progressista de Varsóvia:

"Georges Luhaszewisz (secretário do PC polaco) no último número do "Novich Dróg", em artigo intitulado "Alguns problemas do front ideológico do Partido" escreve: O aumento das mutações internacionais produz grandes possibilidades de se infiltrarem em nosso país idéias estranhas ao socialismo, doutrinas sociais e modelos de cultura perniciosos. (...) Devemos, todos, por-nos de sobreaviso para imunizar adequadamente nosso front ideológico contra esse tipo de fenômeno".

Em outras palavras, o órgão comunista citado e apoiado por "Kierunki" deseja uma enérgica reação ideológica do comunismo contra a infiltração de princípios capitalistas, eventualmente decorrente dos contatos com o Ocidente.

Em sentido contrário, os progressistas do Ocidente sustentam que o corolário forçoso da aproximação diplomática e comercial entre as nações capitalistas e comunistas é a cessação de toda propaganda anticomunista nos países orientais. Assim se explica perfeitamente a contradição entre os progressistas do Oriente e do Ocidente: uns e outros querem a vantagem do comunismo. E como este lucra em manter as barreiras ideológicas no Oriente, os progressistas de lá são favoráveis a essas barreiras. Pelo contrário, o comunismo lucra em que as barreiras ideológicas sejam abolidas no Ocidente, pois assim ele pode penetrar livremente nas nações capitalistas. Isto posto, os progressistas ocidentais lideram animosamente a destruição das barreiras ideológicas desta parte do mundo.

Nada mais claro.

* * *

Não sem certo cinismo, "Kierunki", depois de ter conclamado os seus leitores a defender a muralha ideológica do comunismo polonês, explica de que maneira a coexistência pacífica pode servir à expansão do comunismo no Ocidente. Diz ele que convenientemente imunizado o front ideológico comunista na Polônia (e obviamente também na Rússia e nas demais nações por esta dominadas), "aumenta a possibilidade de influência do socialismo sobre a sociedade capitalista". E, mais adiante acrescenta: "Devemos preparar uma forma de eficaz reação (à penetração ideológica do capitalismo) para tirar proveito da possibilidade de aumento de nossa ofensiva ideológica".

Se eu estivesse na pele de um progressista, sentiria um terrível incômodo ao ler essas indiscrições do "Kierunki". O que sentirá um progressista?

* * *

A mentalidade progressista tem uma enigmática insensibilidade às contradições. Enquanto todo o mundo evita de contradizer-se, o progressista sente uma estranha apatia – ou até mesmo certo bem estar – em ostentar idéias e atitudes contraditórias. "Delicta quis intelligit? – Quem compreenderá os pecados?", indaga a Escritura (Salmo 18, 13). Quem entenderá o progressismo?

* * *

Análogo desembaraço na contradição pode ser notado no pacifismo. Este se confunde, aliás, de certo modo, com o progressismo, pois todo progressista é pacifista, e todo pacifista, quando não é progressista, tende pelo menos a sê-lo.

É preciso, naturalmente, não confundir os pacifistas com os pacíficos. A estes últimos, Nosso Senhor prometeu, no Sermão das bem-aventuranças, um prêmio admirável: "serão chamados filhos de Deus". O varão pacífico é aquele que ama a paz. E a paz verdadeira, Santo Agostinho a definiu esplendidamente como a "tranqulidade da ordem".

Pelo contrário, o pacifista tem pouco amor a qualquer tranquilidade, venha ela da ordem ou da desordem. E no fundo ele prefere a desordem. Se fala em paz, é como pretexto para iludir e imobilizar os varões pacíficos, adeptos da ordem.

Disto dá idéia bem exata uma informação recentemente publicada pelo "Diário de Notícias" do Rio de Janeiro. A Suécia aumentará de dois milhões de coroas para quatro milhões (98 milhões de cruzeiros) sua subvenção anual à organização guerrilheira FRELIMO, que atua em Moçambique. A informação foi dada pelo ministro do exterior pacifista do país escandinavo.

Assim, aquele homem público chega ao extremo de promover às escancaras a guerra em casa dos outros! Bem entendido, o governo pacifista da Suécia não gasta um real para libertar os países europeus satélites do comunismo.

É um pacifismo contraditório, e eufórico de se ostentar como tal.

* * *

Segundo a imprensa noticiou há algum tempo, o governo espanhol cortou brutalmente as relações com Formosa. A este propósito, o deputado Blás Piñar, diretor da importante revista "Fuerza Nueva", endereçou ao Sr. Yu Chi Hsueh, ex-embaixador da China em Madri, uma bela e nobre carta, na qual se refletem o fogo e o cavalheirismo da alma espanhola. Dela cito este tópico:

"O primado dos valores materiais e do lucro sobre a honra e a amizade, o espírito entreguista que se contagia por toda a parte, a capitulação sem derrota que caracteriza o tempo de hoje, a inconcebível falta de memória histórica e a ausência do escrúpulo moral nas relações internacionais, não constituem um óbice para que muitos espanhóis, entre os quais me incluo, alcem sua voz e façam ouvir seu protesto e sua desaprovação para com atitudes tais, e, naturalmente, com a que o Governo da Espanha acaba de adotar".

Por ter publicado essa missiva, o número da revista "Fuerza Nueva" foi apreendido pela polícia espanhola.

Contra esse ato arbitrário, ninguém protestou. Se a apreensão tivesse tido por objeto um órgão esquerdista qualquer, os protestos dos progressistas teriam chovido de todos os lados, tachando de tirânico o governo de Franco. Mas como o ato arbitrário foi praticado contra uma revista anticomunista, os progressistas o acham inteiramente normal.

Mais uma vez nos encontramos ante essa indiferença, essa desinibição – parece melhor dizer até essa euforia – que caracteriza o progressista, quando ele assume suas atitudes mais desconcertantemente contraditórias.


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