Plinio Corrêa de Oliveira
Artigos na "Folha de S. Paulo"
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24 de junho de 1973 Enquanto Brejnev e Nixon se abraçam Remontemos a uma data em que as grandes linhas gerais do panorama internacional ainda eram claras. Consideremos, por exemplo, a situação "psico-política" do mundo há vinte anos atrás. A expressão "psico-política" pode parecer pedante. Não encontro outra, contudo, que exprima com igual precisão o que quero dizer. Isto é, uma situação decorrente, não de obscuras e arbitrárias combinações entre profissionais da política, mas de um estado psicológico muito firme e definido da opinião pública. A situação "psico-política" tem, por sua própria natureza, mais consistência e durabilidade do que as situações criadas pelas manipulações dos políticos de carreira. Estas últimas podem ser feitas e desfeitas ao sabor de interesses pessoais sempre mutáveis. Enquanto a situação psico-política só pode ser alterada – quando o pode! – por um longo trabalho de propaganda, que exige por vezes dezenas de anos e toneladas de ouro. Por isto, em matéria política sempre dei incomparavelmente mais importância aos panoramas psico-políticos do que aos que chamaria de político-politiqueiros. É, pois, deste prisma, que tentarei descrever, sumariamente embora, a situação do mundo há vinte anos atrás. * * * Encontrava-se nosso globo nitidamente dividido em duas zonas. De um lado estava o bloco de nações subjugadas pelo comunismo internacional. Ou seja, por uma seita filosófica, com implicações no campo da História, da Economia, da Sociologia e da Política. Tal seita se apoderara da Rússia em 1917, no ocaso da I Guerra Mundial. E em conseqüência da II Guerra Mundial havia estendido seu domínio sobre a Europa central, a China, parte da Coréia e da Indochina. E se preparava para conquistar, pouco depois, a ilha de Cuba, em pleno continente americano. O outro bloco era constituído pelas nações que rejeitavam a pregação da seita comunista. Esta rejeição, todos o faziam levados pelo horror instintivo que a doutrina e o regime comunistas despertam no que restava de residualmente sensato e reto nos homens das mais variadas religiões, tradições históricas e raças. Mais especificamente, as nações que formam o mundo cristão se sentiam chocadas pelo impacto comunista, pois que nenhuma doutrina constituiu mais exatamente o extremo oposto do comunismo, do que a Boa-Nova pregada por Nosso Senhor Jesus Cristo. Entre as nações cristãs, a integridade absoluta da fidelidade à Boa-Nova pertence exclusivamente às católicas. De onde, dentro do mundo cristão, ser o mundo católico a ponta de lança na luta contra o comunismo. Bem entendido, o antagonismo entre os dois grandes blocos não resultava exclusivamente num conflito ideológico de fundo religioso. Ele era alimentado também pelas rivalidades econômicas, políticas e culturais entre as duas grandes superpotências. Por outro lado, os motivos que uniam as nações de cada bloco às respectivas superpotências não eram apenas ideológicas. Consistiam também em vinculações políticas, econômicas e sociais, no Ocidente. E de algo disto no bloco vermelho, com o reforço decisivo do poder policial e militar comunista, pronto a esmagar as veleidades de autonomia de qualquer província, nação ou Estado descontente. Sem embargo, no plano psico-político, o fator essencial da oposição entre o mundo comunista e o mundo livre era ideológico. Gastando rios de dinheiro em proselitismo doutrinário, bem como na produção de agitações e distúrbios de toda espécie, o comunismo jamais conseguira vencer uma eleição no mundo livre. Ora, por toda parte a grande maioria das massas eleitorais era constituída por trabalhadores manuais. E o que levava esses trabalhadores a dizer não ao comunismo não eram complicadas razões econômicas ou sociais, que eles mal conheciam, e cujo enunciado os deixava indiferentes. Era a percepção, ao mesmo tempo possante e implícita, de que um mundo constituído da negação dos ideais da Religião, família, propriedade e pátria constituiria o auge da desordem e do infortúnio. Esta percepção levantava contra o comunismo uma barreira. Uma barreira de horror. Mais do que todos os dólares e todas as defesas militares do Ocidente, esta barreira era um obstáculo para a expansão do comunismo. Ainda que os exércitos comunistas dominassem um país anticomunista, estariam expostos ao risco de contra eles se levantarem povos inteiros, como fez a Espanha quando da invasão dos exércitos revolucionários de José Bonaparte, e já em nosso século, como fez o movimento "cristero" mexicano contra o tirano Calles, e mais tarde o povo espanhol contra a dominação comunista, que o "Alzamiento" liquidou. * * * Esse horror ao comunismo era, no espírito das grandes massas do Ocidente, reforçado pelo horror aos comunistas. "Dizei-me com quem andas, e dir-te-ei quem és", afirma o velho provérbio. "Dizei-me o que pensas, e te direi quem és", poder-se-ia afirmar com muito mais razão ainda. Intuindo esta última verdade, os povos do Ocidente bem percebiam que somente um fanatismo posto a serviço da negação de todas as verdades e todos os princípios de ordem, poderia levar alguém a dedicar sua vida à implantação do comunismo. Materialista, carrancudo, brutal, sanguinário, o comunista era visto como a própria personificação do mal. É preciso acrescentar que a figura desgrenhada de Marx, o olhar felino de Lenine, os ares de urso desleal e cruel de Stalin favoreciam muito a formação deste perfil moral do comunista, deduzido dos próprios princípios comunistas pelo bom senso universal. Fator a mais, e fator possante, da constituição da barreira de horror contra a seita que imergira a Rússia em um sem fim de perseguições religiosas e políticas sangrentas, que se estenderam gradualmente por todas as terras em que se fincava vitoriosa a bandeira vermelha. Para quebrar na opinião pública dos povos livres esta barreira de horror, era insuficiente a propaganda habilmente feita entre estes pelo Kremlin, para inculcar que, na Rússia, o progresso técnico e a prosperidade econômica estavam em vias de levar a melhor. Se isto era verdade – pensavam os povos livres – por que proibiam os soviéticos, aos ocidentais, que visitassem livremente o paraíso comunista? Por que impediam os russos de viajar livremente para o Ocidente? Por exemplo, dentro do mundo livre, nada é mais fácil do que viajar e até mudar de residência de um país para outro. Por que nossos Estados nada receiam desta plena liberdade? É que eles nada têm a esconder de seus visitantes, e nenhuma razão têm para temer que os respectivos súditos emigrem em massa para os territórios de países vizinhos. Entretanto, estamos bem certos de que não atingimos o auge de prosperidade e de ordem! Em que miserável situação deviam encontrar-se os súditos dos Estados comunistas para serem mantidos dentro das fronteiras destes à ponta de baioneta! Mas, sobretudo – jamais é suficiente insistir neste ponto – a barreira de horror contra o comunismo hauria o melhor de sua solidez na convicção de todos os povos não comunistas, de que é obviamente falsa, cabalmente antinatural, monstruosa, absolutamente ruinosa, uma ideologia feita de irreligião, de promiscuidade sexual, de comunidade de bens, e da negação de todas as soberanias nacionais. * * * O que naquele tempo a Rússia ainda conseguira ocultar, o peso do empobrecimento coletivo obrigou-o a revelar nestes dias. Ela geme de miséria e é obrigada a estender a mão ao adversário, pedindo-lhe pão, capitais, técnicos, sob pena de sucumbir à indignação popular. Neste momento em que o fracasso russo, repetido pelo fracasso cubano e pelo fracasso chileno, deveria estar reduzindo a zero o prestígio internacional dos regimes comunistas, estes se vão aproximando – paradoxalmente, e mais do que nunca – da dominação do mundo! É fácil percebê-lo no momento em que Nixon acolhe Brejnev de igual a igual, senão de tímido anfitrião em relação a um aliado prestes a se tornar suserano. Como se chegou a esta espantosa derrocada? Pelo adelgaçamento da barreira psico-política do horror. Há vinte anos atrás, a Igreja e a Norte-América eram, nos respectivos planos, as duas maiores potências anticomunistas. Hoje, cada qual está engajada num misterioso processo de autodemolição. E é porque ambas se autodemolem, que o mundo comunista, embora desunido, faminto, esfarrapado, toma ares de vencedor. Como se iniciaram ambos esses processos de autodemolição? Que parte tem neles o grande beneficiário, que é o comunismo internacional? A barreira de horror se vai liquidando no mundo livre graças a ambas estas autodemolições. Não, porém, só por causa delas. A invasão de uma bobeira egoística, otimista, e míope mina a vontade de resistência de nossos povos. Mais uma vez, quem é o responsável por este fato trágico? E que participação tem nele o grande beneficiário, jamais abobado, jamais míope, sempre egoísta, que é o comunismo internacional? Estas são perguntas de índole sobretudo psico-política, cuja resposta pode elucidar, no que ele tem de mais profundo, o declínio das nações não comunistas, e a ascensão do prestígio comunista. Pelo menos a algumas dessas perguntas, pretendo responder no próximo artigo. Tem elas, entre outros, o mérito da atualidade, no momento em que Brejnev e Nixon se abraçam... |