Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

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27 de maio de 1973 

Sobre o decreto anti-TFP de D. Isnard 

Teve tal ou qual repercussão em nossa imprensa a publicação de um decreto em que D. Clemente Isnard, Bispo de Nova Friburgo, proíbe a seu clero que dê a Comunhão a membros da TFP, quando se apresentarem incorporados ou com insígnias. Para fundamentar sua atitude, aquele prelado alega contra a TFP três razões: difamação dos Cursilhos de Cristandade, desacato à autoridade e pessoa dele, e o apoio a um livro "cismático" sobre o novo "Ordo Missae".

Proponho-me a tratar dos três pontos, a começar pelo terceiro, por certo o mais importante. E digo desde logo que a alegação de D. Isnard não me causa o menor embaraço.

Explico-me.

* * *

Antes de tudo, o documento do sr. Bispo de Nova Friburgo me dá ocasião – e que decisiva ocasião! – para mostrar quão infundada é uma recente acusação de D. Lorscheiter, secretário-geral da CNBB, contra a TFP.

Para serem entendidos os fatos, é necessário remontar um pouco atrás. Quando da reunião do Episcopado, realizada em São Paulo, no mês de fevereiro, determinados setores da opinião católica anelavam, sôfregos, tanto por uma condenação rotunda de nossa entidade, quanto por uma aprovação promocional dos Cursilhos de Cristandade. Com isto – esperavam – diminuir-se-ia sensivelmente a repercussão da grande campanha promovida pela TFP para a difusão da recente e já célebre Pastoral de D. Antônio de Castro Mayer.

Essa "torcida" era de uma incorreção flagrante. Se os membros ou simpatizantes dos Cursilhos queriam acobertar a estes do prejuízo que a Pastoral lhes acarretava, o único caminho leal e nobre que tinham diante de si era refutar o impressionante documento do sr. Bispo de Campos. Calar-se, e apelar para a "mão do gato" – no caso a mão da CNBB – com o intuito de esmagar a temida campanha, era procedimento flagrantemente sinuoso e deselegante.

Seja como for, o fato é que durante a reunião da CNBB, foi proposta, por uma Comissão dos Srs. Bispos, uma resolução, nos termos do qual pareceria ser necessário, mas ao mesmo tempo inútil, dirigir uma palavra de censura ou de orientação à TFP. Uma das razões para essa alegada inutilidade era que "texto de explicação doutrinária significaria abertura de polêmica, tão a gosto do Grupo" (isto é, de nossa entidade).

Ora, esta moção, manifestamente desairosa para a TFP não foi aceita pelo plenário dos Srs. Bispos. Assim, por faz e por nefas, o nome da TFP não figura no comunicado final da Assembléia. Neste comunicado, os Cursilhos são objeto de uma polida referência que está bem longe do elogio rubicundo que esperavam.

Afirmo estes fatos com toda a segurança, bem certo de que ninguém os contestará.

Para atenuar o desapontamento dos cursilhistas, D. Lorscheiter, terminada a Assembléia, declarou muito contraditoriamente à imprensa, que a CNBB não se referia a nós (censurando-nos, como ele deixa entrever), pois o que desejávamos era precisamente que o Episcopado falasse de nós. Claro está que não o desejamos para ficarmos quietos, mas para termos uma ocasião de polemizar, concluo eu. D. Lorscheiter tentava reviver assim, em termos diversos, a acusação que o plenário da CNBB rejeitara.

Pois bem. Vou provar agora, a D. Lorscheiter, quanto a TFP está longe de gostar da polêmica pela polêmica, e sabe evitar controvérsias, quando não as julga conformes ao bem da Igreja e do País. É o violento decreto de D. Isnard que me dá azo a tal.

* * *

É bem verdade que um dos diretores da TFP, Sr. Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira, escreveu em 1970 um estudo profundo, e baseado em sólida documentação, a respeito do novo "Ordo Missae". E que com ele se solidarizou a TFP.

Tal estudo, por certas implicações doutrinárias do delicado tema sobre o qual versa, é de molde a suscitar uma série de questões teológicas e canônicas com as quais não está familiarizado o público brasileiro. A publicação do livro poderia introduzir graves fatores de divisão e perturbação no já tão conturbado e dividido horizonte religioso do País.

Se gostássemos que se falasse de nós a todo custo, e para polemizar a qualquer propósito como imagina D. Lorscheiter, desde logo teríamos atirado o livro a público. Preferimos não fazer assim. E por isto distribuímos apenas certa quantidade de exemplares do trabalho a um número limitado de personalidades de escol, pedindo-lhes reservadamente a opinião.

Um dos destinatários do estudo do sr. Arnaldo V. Xavier da Silveira – altíssima personalidade eclesiástica que mais de uma vez tem divergido de nós – de tal maneira se impressionou com os possíveis reflexos do livro na opinião pública, que escreveu a um amigo comum pedindo "de joelhos, se necessário fosse" que a TFP não publicasse o trabalho. E por tudo isto temos mantido, de junho de 1970 até aqui, o mais escrupuloso silêncio sobre o mesmo.

Habent sua fata libelli - cada livro tem sua História, dir-se-ia chãmente em português. De lá para cá, o livro do brilhante diretor da TFP tem caminhado. Mas sobre este caminhar discreto temos guardado o mais perseverante silêncio.

Enquanto isto, em grande número de igrejas, sacerdotes que provavelmente ignoravam todos estes fatos não se têm cansado de sujeitar nossos sócios e militantes a invectivas e humilhações públicas de toda ordem, a propósito de nossa atitude face ao novo "Ordo Missae". E ninguém das nossas fileiras abriu a boca para defender-se alegando os argumentos contidos no livro. É que continuamos a considerar sempre fundado o pedido "de joelhos", daquela altíssima personagem eclesiástica. E optamos por silenciar, com toda a humildade e paciência.

Prefiro supor que D. Lorscheiter – que nos imagina tão propensos ao vedetismo e à discussão – não sabia de boa parte desses fatos, e por isto ignorava até que ponto era carecedora de fundamento aquela acusação.

Agora vem a público D. Isnard e num documento eclesiástico oficial fulmina penas canônicas contra a TFP, pela adesão que dá ao livro, que acusa de "cismático", do Sr. Arnaldo V. Xavier da Silveira. Dir-se-ia que muito mais do que a gota de água que faz transbordar o copo.

Pois bem. Ainda neste passo, não sairemos com a matéria do livro a público. É o que está assente pela TFP, com plena concordância do autor do livro. Isto porque não pensamos que o dano que nos faz o decreto do sr. Bispo de Nova Friburgo seja considerável. Só mudaremos de rumo se outros fatos se produzirem, que nos forcem absolutamente a falar.

Em outros termos, se algo suceder que deva ser considerado um dano verdadeiramente grave para o renome da TFP, sairemos a público com o assunto todo. Não por amor próprio, mas porque um dano grave para a reputação da TFP favoreceria de tal maneira as esquerdas, que o bem comum espiritual e temporal exigiria que rompêssemos o silêncio.

Se isto suceder, a responsabilidade será então inteiramente – note-se bem – de quem nos tenha forçado a tal.

No seu livro, o Sr. Arnaldo V. Xavier da Silveira afirma expressamente sua fidelidade inquebrantável à doutrina e disciplina da Igreja. E se levanta certos problemas delicados de Teologia ou Direito Canônico, fá-lo declarando de antemão que acata em toda a medida preceituada pelo Direito Canônico o que a própria Igreja decidir. É precisamente esta a posição da TFP. Temos pois a consciência inteiramente tranqüila no que diz respeito à nossa perfeita união com a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Na Igreja, e pela Igreja, temos vivido toda a nossa existência. Nela pretendemos morrer. E, por Ela, se assim aprouver à Providência.

A acusação de cisma, de D. Isnard, não nos perturba.

* * *

Os restantes pontos do comunicado de D. Isnard, analisá-los-ei, Deo volente, no próximo artigo, por falta de espaço neste, que já vai longo...


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