Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

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13 de maio de 1973 

"Deus o ajude" 

Vai se tornando frequente, hoje em dia, que precisamente as notícias mais importantes sejam as menos comentadas. Assim, é normal que tenha passado sem maiores análises, na imprensa diária – ao menos que eu saiba – um recente e importantíssimo discurso pronunciado por Brejnev, em sessão da Comissão Central do PC russo. O fato foi noticiado com certa abundância de pormenores, mas sem o destaque jornalístico correspondente. E parece não ter chamado a atenção do grande público.

Cuidemos, pois, dele, nesta nota de hoje.

* * *

Como se sabe, Nixon está fazendo suceder ao regime da guerra fria, o da franca colaboração entre o mundo comunista e o mundo livre. Colaboração quase inteiramente unilateral, aliás. Pois, se de um lado os Estados Unidos e as nações livres estão cumulando a Rússia de fornecimentos a crédito, de outro lado, esta última quase nada tem a dar em troca. Obviamente, a solução do caso estará na chantagem atômica. Na hora de pagar, a Rússia ameaçará – talvez um pouco veladamente – entrar em guerra, caso não sejam "compreensivos" seus credores. E estes, tendo em vista que uma guerra sai sempre mais caro do que qualquer prejuízo comercial, concederão reduções e prazos que praticamente importarão em renunciarem ao pagamento...

É fácil paralisar pelo pânico a característica poltronice burguesa!

* * *

Este é só um dos aspectos da situação da qual incumbia a Brejnev tratar ante os dirigentes do PC Russo. Aqui, precisamente, começa a complicação. Como é óbvio, o capitalismo ocidental está salvando da ruína a economia comunista, pois sem o auxílio dele, os "tzares vermelhos" não se manteriam no poder. O inconformismo heróico da Igreja do Silêncio, a contestação em marcha ascensional, os movimentos separatistas dentro da assim chamada União Soviética, os pruridos autonomistas das nações satélites, agravados pelo cataclismo econômico iminente, já teriam levado o comunismo russo à garra, se não fosse o auxílio das grandes nações do Ocidente e das superempresas do capitalismo privado.

Por mais que o fato seja vantajoso para o comunismo, ele é de molde a deixar na mais funda perplexidade quantos tomem a sério a doutrina de Marx.

Segundo este, a transformação dos métodos de trabalho própria à era industrial deslocou para as mãos do operariado o poder resolutório mundial. Mal pago, faminto, tratado com injustiça, o operariado onipotente se atiraria pela força contra os capitalistas detentores de um poder apenas ilusório. Estes se defenderiam egoísticamente até o último alento. Eclodiria, assim, em escala mundial, a luta de classes. E ao cabo desta, o operariado imporia sua ditadura. Começaria, então, a era de ouro para o povo libertado.

Ora, a situação se apresenta inteiramente outra. Sob a ditadura do operariado, o operário vive incomparavelmente pior do que sob o regime da propriedade privada. As massas no Ocidente se mostram pouco revolucionárias. E quem salva o comunismo da debacle são... os capitalistas!

Como salvar, diante deste quadro, a concepção marxista, que atribui aos métodos de trabalho o papel determinante no equilíbrio de forças de uma sociedade, e concebe a História à maneira de uma imensa sucessão de luta de classes? Os dirigentes russos, que aceitam tratar com o Ocidente em bases tão opostas à concepção marxista, ainda tomam a sério a ideologia comunista?

A esta pergunta doutrinária de inegável gravidade, outra se acrescenta de natureza essencialmente prática. Se o Kremlin não compensou ao Ocidente, nem compensará em termos de dinheiro, retribuir-lhe-á quiçá as liberalidades, renunciando à expansão mundial do comunismo, e até permitindo em território russo, certa liberdade de Religião e de propaganda anticomunista? Os líderes vermelhos se teriam então, vendido aos capitalistas do Ocidente?

A hipótese constituiria talvez uma justificativa para Nixon e seus asseclas. Mas leva os comunistas a verem em Brejnev um novo Judas.

É principalmente sobre este ponto delicado, que Brejnev teve que se explicar ante seus "correligionários" de irreligião.

* * *

Começou ele por afirmar que a melhora das relações entre os grandes não importará numa diminuição da vigilância soviética contra um possível ataque norte-americano. O eufemismo implica em asseverar que em caso nenhum a Rússia diminuirá sua posição armamentista.

Acrescentou o líder vermelho que também não haverá qualquer relaxamento no empenho com o qual estão sendo combatidas as "ideologias estranhas ao comunismo". Outro eufemismo, para não dizer claramente que a perseguição religiosa e a repressão política continuarão em seu atual auge atrás da cortina de ferro. Os fatos confirmam, aliás, os dizeres de Brejnev. É de ontem o esmagamento brutal dos protestos religiosos na Lituânia. Como o é também a ameaça soviética de destruição do satélite artificial que fosse utilizado pelo Ocidente para a transmissão de propaganda anticomunista para o Oriente. Ou ainda, o equipamento da cortina de ferro com metralhadoras automáticas para conter a fuga dos que não se conformam com o regime comunista.

Brejnev acrescentou que utilizará a distensão para ampliar a propaganda comunista no Ocidente, e conquistar assim – as expressões são dele – "as mentes e os corações de milhões de pessoas em todo o mundo". Tarefa fácil, já que no Ocidente não há mais barreiras ideológicas, e a maioria dos Bispos não combate mais o comunismo.

Encerrou ele seu discurso fazendo notar que a aproximação com os Estados Unidos criou condições para um melhor entendimento entre a Rússia e os satélites. Também esta informação é cheia de sentido. "Onde falta o pão, todos brigam e ninguém tem razão" diz um velho adágio. Dentro da miséria, os satélites não se entendiam com a metrópole. Com a penetração do ouro, do trigo e da técnica americana, faz-se a paz na família soviética...

* * *

O que pensar de tudo isto?

Proponho ao leitor uma alternativa. Ou Brejnev mentiu para tranquilizar os comunistas da Comissão Central, ou disse a verdade.

Se disse a verdade, então é impossível negar que a política de Nixon faz o jogo do comunismo internacional, por salvá-lo da ruína. Ademais, porque o chefe ianque apoia os responsáveis pelas terríveis repressões na Rússia e lhes garante livre expansão ideológica no mundo ocidental.

Admitamos que Brejnev tenha mentido. Disto não há nenhuma prova, e se se supõe aqui uma mentira dele, por que não supor que ele mentiu dando a Nixon seguranças de pagamento e de paz? Pois, a se admitir que o personagem é mentiroso, hipótese da mentira, deve pesar sobre tudo quanto ele diz, e não só sobre o discurso que ele fez à CC do PCUS.

Mas, a se admitir a hipótese da mentira, é o caso de perguntar se Nixon não embarcou sua pátria e todo o Ocidente numa imensa e temerária aventura.

* * *

Enfim, a quem mentiu Brejnev?

Leitor, se o Sr. é antiprogressista, faça essas perguntas a seus amigos progressistas, e veja se eles encontram para elas alguma saída.

Se o Sr. é progressista, faça-as a si mesmo. E não encontrando saída para elas, abandone o progressismo. Que nisto Deus o ajude.


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