Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

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1º de abril de 1973 

Briguinha, requinte do "bluff" 

O "camarada" Enrico Berlinguer, secretário-geral do Partido Comunista Italiano, esteve na Rússia há duas semanas. Essa viagem se destinava a normalizar as relações entre os partidos comunistas russo e italiano, estremecidas há tempos por um sério problema.

Em termos diretos e sem os rodeios com que o velam certos noticiários, tal problema assim se enuncia: qual o grau de independência do PCI em face do PC russo?

Esta questão implica em outra, de âmbito mais vasto: qual é, hoje em dia, o grau de independência dos partidos comunistas do mundo inteiro, em relação à Rússia? Ou seja, a Rússia continua ou não a chefiar a revolução comunista mundial?

O alcance da interrogação é óbvio.

Se o movimento comunista internacional continua uno como sempre foi, os diversos partidos comunistas não passam de mero setores de uma só organização, cuja direção suprema está em Moscou. Portanto, desde que um partido comunista suba ao poder em algum outro país, o governo a que ele der origem obedecerá inteiramente a Moscou. Isto equivale a dizer que tal país terá perdido ipso facto sua soberania, para se converter em uma simples província russa.

Se, pelo contrário, o Partido Comunista russo não detém mais a direção dos vários partidos comunistas, um país pode ser governado pelo respectivo PC sem por isso se transformar em colônia da Rússia.

Compreende-se, pois, que os observadores de bom quilate tenham concentrado sua atenção na viagem em que Berlinguer foi por o assunto em pratos limpos, em Moscou.

* * *

Qual das soluções – autonomia ou sujeição dos PCs – é mais coerente com a doutrina do comunismo? – Certamente esta última. A Revolução mundial sendo una, segundo os autores clássicos do comunismo, o Partido também deve ser uno no mundo inteiro e – em suprema instância – a autoridade propulsora deste também deve ser uma só. E assim tem sido até há pouco.

Entretanto, a notoriedade universal dessa unidade tem trazido, para a expansão comunista no mundo, graves tropeços.

Os PCs costumam ser acusados pelos anticomunistas, de simples fantoches na mão de Moscou. Tal acusação impede muitos simpatizantes da doutrina comunista de aderir ao comunismo.

Acresce que, segundo se sabe, na Rússia está em vigor uma ditadura férrea. Se um partido comunista de um país do Ocidente tem que obedecer à autoridade russa, nos países onde ele se estabeleça, ele poderá ser levado, pela sua própria situação subordinada, a implantar cedo ou tarde no respectivo país, uma ditadura. O sonho acalentado por tanta gente, de um regime comunista, dirigista no plano econômico mas liberal no plano político, se evidencia assim como utópico.

De maneira que se torna inatingível a meta atual dos comunistas, de granjear o poder com o apoio dos semicomunistas, e até de não comunistas, atraídos pela fórmula aliciante da "Revolução na Liberdade", e da miragem da independência em relação a Moscou.

O comunismo tem, portanto, o maior interesse em dar a idéia de que ele rompeu a sua unidade mundial.

* * *

Isto posto, entendemos a fundo o que se passou nas duas últimas semanas, no que diz respeito às relações entre o PCI e Moscou.

A personalidade mais graduada do PC Italiano, Enrico Berlinguer, foi a Moscou para confabulações, das quais se originou um comunicado conjunto dos dois PCs, no qual o soviético reconhecia a autonomia do seu congênere itálico.

Entretanto, esse documento não seria suficiente, só por si, para tranqüilizar os semicomunistas ou os comunistas mais cautos.

A estranha e surpreendente cordura do PC russo ao renunciar em concreto à direção do PC Italiano, e em tese à direção de todos os outros PCs pelo mundo a fora, dá inevitavelmente a impressão de mera jogada.

Era preciso algo mais, para que o bluff fosse convincente.

* * *

Como era de esperar – ou antes de recear - este "algo mais" não faltou. Consistiu ele numa bem organizada briguinha entre os dois PCs.

O secretário-geral do PCI voltou à Itália, e fez declarações. De seu lado, o Kremlin também publicou uma declaração. E tudo parecia perfeitamente combinado e arranjado. Eis senão quando, saiu no "Pravda" uma notícia que atribuía ao PCI uma posição inteiramente alinhada com a política soviética e ao mesmo tempo omitia o trecho da declaração conjunta em que se afirmava a autonomia dos dois PCs. O PC itálico se declarou então indignado, e asseverou que, contra a vontade de Moscou, ele mantinha inteira sua independência.

Esta briguinha, com ares de tão espontânea, não podia deixar de iludir os observadores menos atilados. E a fortiori o homem da rua, que há de ter dito para si mesmo: "Desta vez eles brigaram de verdade. Esses comunistas italianos são homens! Eles romperam com Moscou de fato; e um governo comunista não fará da Itália uma colônia russa!" Em outros termos, o bluff ficou perfeitamente montado.

O que é da maior vantagem para o comunismo no mundo inteiro, e especialmente na Itália, provavelmente a próxima vítima na alça de mira de Moscou.


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