Folha de S. Paulo,
28 de janeiro de 1973
Ferve
o cursilhismo
Ferve
por todo o Brasil a dissensão sobre os Cursilhos. Nas mesas da TFP se
empilham os dossiers contendo manifestações pró e contra o Movimento
analisado na momentosa Pastoral de D. Antônio de Castro Mayer.
Talvez seja interessante publicar algum dia, com base nessa opulenta
documentação, uma analise do que são, entre nós, a mentalidade
cursilhista e a anticursilhista. Sem me antecipar a tal estudo, aqui
registro que a contra-ofensiva cursilhista se distingue por três
características: açodamento, padronização e vacuidade.
Açodamento:
a maior parte dos que se pronunciam a favor dos Cursilhos, fazem-no
como quem está perdendo o fôlego. Tem-se a impressão de que não
encontram palavras suficientes para exprimir sua sofreguidão, seu
pânico, sua indignação. Dir-se-ia que os conceitos, os
argumentos e as palavras se lhes atropelam na garganta, tal a pressa
com que procuram saltar sobre a Carta Pastoral... e os que a difundem.
Sob o
impulso do açodamento, cada qual se agita a seu modo. Esta asserção,
resultante da própria natureza das coisas, não vigora quando se trata
dos pró-cursilhistas. Pois de modo geral, eles dizem as
mesmas coisas, e evitam igualmente de dizer outras. Assim,
eles repetem exatamente os mesmos argumentos (os Cursilhos são bons
porque eles os conhecem por dentro, etc., etc.). E ignoram
desenvoltamente as esplendidas respostas que lhes deu o pastor campista,
em artigos e entrevistas de meados deste mês. De outro lado, eles
evitam, por exemplo, com a maior cautela, de afirmar ou negar
taxativamente serem falsos os mais de 50 documentos cursilhistas em que
D. Mayer estriba as suas críticas.
A
esse propósito, é especialmente divertida a uniformidade com que
os próprios cursilhistas repetem que quem não fez Cursilhos não pode
julgá-los. E que quem os fez só os pode julgar bem. Dir-se-ia que os
Cursilhos são algo de esotérico. Imprimem para uso externo coisas que
nem seus apologistas ousam defender. Mas dizem e fazem, dentro de quatro
paredes, coisas esplendidas, em contradição com o que publicam. Seriam
sepulcros com a caiação do lado de dentro...
Parece que os corifeus do cursilhismo argumentam todos segundo um mesmo
figurino.
* * *
Para
documentar a vacuidade da apologética cursilhista, permito-me
citar – com respeito e tristeza – um argumento alegado por não poucos
Prelados contra a campanha de difusão da Pastoral.
Esses
Prelados se proclamam entusiastas dos Cursilhos de suas respectivas
Dioceses, e concluem que difundir nestas a Pastoral de D. Mayer importa
num acinte contra eles. Pois a Pastoral ataca o que eles proclamam
ótimo!
Sem
entrar em consideração de outros aspectos desse argumento, seja-me dado
lembrar que ele peca pela base. D. Mayer não entra em contradição
com esses Prelados: e isto pura e simplesmente porque, em sua Carta
Pastoral, não cuida dos Cursilhos nas Dioceses deles.
D.
Mayer afirma simplesmente, e de modo genérico, que dentro da vasta rede
dos Cursilhos brasileiros, alguns estão infectados de erros, e outros
não. Com que fundamento aqueles Srs. Bispos pró-cursilhistas imaginam
que os Cursilhos de suas Dioceses – tão excelentes, segundo eles – estão
mencionados na Pastoral como infectados? Em que página da Pastoral está
isto afirmado? – Não poderão dizê-lo.
Por
este exemplo se vê quanto carece de conteúdo a apologética
pró-cursilhista.
* * *
Mudemos agora, algum tanto, de assunto.
As
reflexões anteriores nos levam a tratar dos Cursilhos de Burgos.
Em
artigo recente, mencionei uma carta escrita por um grupo de cursilhistas
à revista "Vida Nueva". A carta reclamava contra graves e severas
medidas tomadas pela autoridade arquidiocesana contra sacerdotes
dirigentes dos Cursilhos, e contra os próprios Cursilhos.
Posteriormente, chegou-me a informação de que o presidente do
Secretariado Diocesano dos Cursilhos de Burgos desmentira essas
informações. Por dever de lealdade, também disto dei conhecimento aos
leitores. Prometi-lhes, ao mesmo tempo, que procuraria novos informes
sobre o assunto. Passo a dá-los.
Com
efeito, o Secretariado Diocesano dos Cursilhos de Burgos redigiu uma
nota, publicada por "Vida Nueva" a 16 de dezembro p.p. Tal nota visava
ser um desmentido da carta anteriormente estampada na mesma revista. Na
realidade, muito segundo o estilo cursilhista, a nota não desmentiu
grande coisa.
Quanto à remoção de dirigentes, disse ela que um franciscano e um
jesuíta da equipe sacerdotal diretiva foram transferidos por seus
superiores para outras cidades, nas quais estão ocupando cargos
diferentes. Em si, o fato não desmente a culpabilidade dos sacerdotes,
pois a remoção de um religioso não tem, necessariamente, significado
abonador, nem desabonador. Remove-se um padre, tanto para destiná-lo a
mais alta tarefa, quanto para afastá-lo de um cargo em que sua atuação é
censurável.
A
suspensão das Escolas e Ultreyas, acrescenta o comunicado cursilhista,
foi feita pelo próprio Secretariado e não pela Arquidiocese. Com esta
informação, o comunicado visa desmentir que a medida tenha sido tomada a
título punitivo pelo Arcebispado. Também este argumento nada conclui.
Acontece freqüentemente que a autoridade diocesana, em lugar de agir
diretamente contra uma associação com a qual esteja descontente, incumbe
discretamente à própria direção da sociedade de tomar as medidas
punitivas adequadas. Para se defender, seria indispensável que o
Secretariado dos Cursilhos declarasse quais os motivos que o levaram ao
fechamento das Escolas e Ultreyas. E isto, ele evitou cautamente de o
fazer.
Bem
analisado, o comunicado mais dá motivos para desconfiar dos Cursilhos do
que para confiar.
* * *
Outro
documento que igualmente não depõe a favor dos Cursilhos é uma carta de
quatro cursilhistas, publicada na revista "Vida Nueva", no mesmo número
de 16 de dezembro. Trata-se de missivistas que dão os respectivos nomes,
e assumem assim toda a responsabilidade pelo que dizem. Solidarizam-se
eles com os cursilhistas anônimos, cuja carta "Vida Nueva" havia
publicado em 11 de novembro. E afirmam, por sua vez, que o diretor
(eclesiástico) de Cursilhos fora destituído, as Ultreyas suspensas, etc.
Ao
mesmo tempo, queixam-se os autores desta segunda carta de que a
Hierarquia da Arquidiocese só mostrava, em relação aos Cursilhos,
"indiferença ou receio", e asseveram que do mesmo modo são vistos outros
grupos católicos "vanguardeiros", como a JOC-HOAC.
Em
conseqüência, reclamam pelo fato de que as medidas contra os Cursilhos
foram tomadas sem ouvi-los, com prejuízo do princípio da
"co-responsabilidade" inerente à fase pós-conciliar. O que deixa
entrever que atribuem as medidas contrárias aos Cursilhos, não ao
Secretariado deste, mas à autoridade arquidiocesana.
Por
fim, ainda no dia 16 de dezembro, "Vida Nueva" publica uma terceira
carta, também ela assinada por quatro cursilhistas. O documento lança
uma interpelação virtual ao Arcebispo de Burgos. Por que são perseguidos
naquela Arquidiocese os sacerdotes da linha pós-conciliar? Porque a
Arquidiocese, destituído o diretor de Cursilhos, deixa por quatro meses
vago o cargo?
Tudo
isto mostra que o presidente dos Cursilhos de Burgos quis tapar o sol
com a peneira, com seu ardiloso comunicado.
* * *
O
interesse de todas essas informações sobre a crise cursilhista em Burgos
consiste, para o povo brasileiro, em mostrar que são tão verazes as
afirmações de D. Antônio de Castro Mayer sobre certos Cursilhos,
que até bem longe de nosso País este movimento desperta inquietações
análogas.