Folha de S. Paulo,
7 de janeiro de 1973
Dos
georgianos bigodudos até os Cursilhos
É meu
propósito comentar hoje um punhado de notícias diversas. Nisto
não seguirei o fio continuo de uma exposição rigorosamente lógica, mas
antes os rumos cambiantes de uma conversa despreocupada.
* * *
Segundo o "New York Times", as donas de casa de Moscou dão
preferência, no mercado central, às tendas dirigidas por georgianos,
caracterizados por seus bigodes famosos. E que estes são os melhores
fornecedores de frutas e verduras fora de estação.
O
pequeno fato, tão banal em si, apresenta, entretanto, real interesse.
Entre os georgianos - integrantes embora do bloco soviético – subsistem
lotes rurais cultivados ainda pelos respectivos proprietários. Estes,
estimulados pela legítima e saudável apetência do lucro individual,
trabalham mais e com maior cuidados do que os colonos – funcionários
públicos – empregados nas explorações estatais. De onde a excelência e a
abundância dos produtos apresentados pelos georgianos no mercado da
capital soviética.
Torna-se, assim, patente que a iniciativa privada, estimulando o
trabalho, aumenta a produção, e reduz a pobreza – ao passo que o
trabalho coletivizado desestimula o trabalhador, reduz a produção e
estende a pobreza. O que sempre vale a pena lembrar, para deixar
sem face nem voz os que entre nós propugnam a coletivização como
o meio de multiplicar melhor as riquezas.
* * *
Não
julgue o leitor que, com esta enérgica afirmação, eu me mostro
totalmente retrógrado. A nova vaga comunista vai deixando cair o
coletivismo como uma velheira.
Em
1889,
adotamos para o Estado brasileiro, um modelo positivista que
imaginávamos estar na última moda em Paris.
Na
realidade, aquela escola filosófica já de algum tempo começara a decair
na França. De sorte que fizemos o pífio papel de quem manda fazer uma
roupa nova segundo os padrões do ano passado. Ou de quem bebe
gostosamente champagne aberta na véspera.
Temo que os socialistas brasileiros nos façam repetir o mesmo
procedimento ridículo.
Imaginam eles que a coletivização é o que há de mais moderno. E por isto
ostentam um coletivismo flamante.
Na
Europa de aquém e além cortina de ferro, entretanto, o coletivismo vai
caindo de podre. São cada vez mais numerosos os que dele nada mais
esperam.
Veja-se disto um exemplo, entre os muitos outros que haveria a contar.
Ainda
há pouco, um matutino carioca publicou as declarações de um alto
dirigente do PC italiano, Carlo Galuzzi, sobre o que seria, em nossos
dias, um regime comunista "à italiana".
O
"new look" do comunismo peninsular comporta a aceitação do espírito de
lucro, da lei da oferta e da procura e dos princípios da economia de
mercado. Paralelamente rejeita as nacionalizações sistemáticas e a
planificação centralizada.
Por
essas afoitas declarações, Carlo Galuzzi não foi "excomungado" e nem
sequer repreendido por sua grei. Antes, pelo contrário, continua na
crista dos acontecimentos, com o apoio do PCI.
Note-se que este último é a mais importante agremiação política
comunista de aquém cortina de ferro. O que dá à impunidade de Galuzzi
particular relevo.
Talvez suponha um leitor que essa espetacular "virada" do dirigente
comunista não passe de mero artifício para conquistar mais amplos
círculos do eleitorado. Entretanto, ainda que assim seja, a própria
necessidade desse artifício está a provar quanto as reivindicações
coletivistas deixam fria e desconfiada a massa... que dela seria,
entretanto, a beneficiária. Pois o líder comunista julga necessário
ocultar essas reivindicações, como condição para ganhar eleitores. – Não
está aí a prova de que, para a sensibilidade contemporânea, o
coletivismo vai parecendo cada vez mais uma velheira, que vem acumulando
– desde que Marx o engendrou – mais de 120 anos de poeira?
* * *
Essas
considerações me fazem lembrar o Chile, sobre o qual o coletivismo
vai estendendo, cada vez mais, seu negro manto de miséria.
Apesar de certas aparências democráticas do modo de governar de Allende,
o Kremlin teme pela sobrevivência do governo da União Popular. E por
isto procura estaqueá-lo pela força.
Em
meados do mês passado, a imprensa diária noticiou haver a Rússia
oferecido ao governo chileno 50 milhões de dólares a juros de 1% e a
prazo de 50 anos, para a aquisição de equipamento militar soviético.
Até
então, só Cuba havia aceito armamentos de procedência russa. Menos para
se defender de uma agressão americana – altamente improvável de uns anos
para cá – do que para manter no cabresto a infeliz população.
Isso
faz ver quanto é precária a estabilidade dos governos comunistas
implantados em nosso continente. E qual a razão dessa
instabilidade, senão o obstinado repúdio da maioria ao
coletivismo socialista?
Pelo
menos a Rússia é bastante rica para emprestar tão generosamente seu
dinheiro: logo, o socialismo é rendoso – pensará algum comunista. Não
será fácil desiludi-lo, lembrando-o de que sem os empréstimos e
benefícios de toda ordem prestados pelo governo americano aos
soviéticos, estes nem teriam ganho a guerra, nem teriam escapado ao
cataclismo de miséria de que os ameaçava o colapso agrícola do ano de
1972.
Em
síntese, é a superabundância, pessimamente empregada, das riquezas
produzidas pelo regime atualmente em vigor nas nações ocidentais que dá
base para estas perigosas "generosidades" soviéticas.
* * *
E,
por fim, uma rápida palavra sobre outro assunto. Constou-me que o
presidente dos Cursilhos de Burgos desautorou a carta escrita por "unos
cursillistas", a respeito da qual fiz comentários
em meu último artigo. Espero o texto do surpreendente
desmentido, para comentá-lo aqui com os leitores.
E, já
que falo de Cursilhos, permita-me o Sr. Bispo de Sorocaba, D. José
Melhado de Campos, uma retificação.
Li há
dias, neste jornal, uma carta altamente apologética dos Cursilhos, por
ele dirigida a D. Antônio de Castro Mayer, Bispo de Campos. Afirma o
missivista – à maneira de prova de que os Cursilhos são imaculados – que
tal movimento existe em quase todos os países da Europa, exceto nos de
além cortina de ferro.
A
afirmação é bonita, pois dá uma impressão de que os Cursilhos não são
tolerados pelos regimes comunistas. Mas me parece que D. Melhado está
mal informado.
Com
efeito, a julgar pelo jornal "Ideal" de Granada, de 12-7-72, os
Cursilhos existem na Rússia e em duas outras nações da cortina de
ferro, a Hungria e a Iugoslávia. O "De Colores"
até já está traduzido para o croata.
Essa
penetração se deve ao padre Cascales, natural de Granada, o qual se
naturalizou austríaco para ter acesso aos países do leste. Segundo tudo
indica, o Pe. Cascales não faz nenhum mistério dessa ação. Pois o jornal
de sua terra publicou o fato com muito destaque, emoldurando uma vistosa
fotografia do sacerdote.
Isto
leva a crer que os Cursilhos não temem a repressão da parte dos
comunistas. Ou – em outros termos – que os Cursilhos são bem vistos
por estes.
O
que aconteceria,
leitor, se a TFP implantasse uma seção num país comunista? Contaria
com análoga tolerância? Bastaria a um dos nossos naturalizar-se
austríaco para levar impunemente a TFP além da cortina de ferro?
Por
este contraste, pode o leitor aquilatar quanto são profundos,
entre os Cursilhos e os regimes comunistas, os pontos de afinidade e
simpatia.