Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

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Folha de S. Paulo, 7 de janeiro de 1973 

Dos georgianos bigodudos até os Cursilhos 

É meu propósito comentar hoje um punhado de notícias diversas. Nisto não seguirei o fio continuo de uma exposição rigorosamente lógica, mas antes os rumos cambiantes de uma conversa despreocupada.

* * *

Segundo o "New York Times", as donas de casa de Moscou dão preferência, no mercado central, às tendas dirigidas por georgianos, caracterizados por seus bigodes famosos. E que estes são os melhores fornecedores de frutas e verduras fora de estação.

O pequeno fato, tão banal em si, apresenta, entretanto, real interesse. Entre os georgianos - integrantes embora do bloco soviético – subsistem lotes rurais cultivados ainda pelos respectivos proprietários. Estes, estimulados pela legítima e saudável apetência do lucro individual, trabalham mais e com maior cuidados do que os colonos – funcionários públicos – empregados nas explorações estatais. De onde a excelência e a abundância dos produtos apresentados pelos georgianos no mercado da capital soviética.

Torna-se, assim, patente que a iniciativa privada, estimulando o trabalho, aumenta a produção, e reduz a pobreza – ao passo que o trabalho coletivizado desestimula o trabalhador, reduz a produção e estende a pobreza. O que sempre vale a pena lembrar, para deixar sem face nem voz os que entre nós propugnam a coletivização como o meio de multiplicar melhor as riquezas.

* * *

Não julgue o leitor que, com esta enérgica afirmação, eu me mostro totalmente retrógrado. A nova vaga comunista vai deixando cair o coletivismo como uma velheira.

Em 1889, adotamos para o Estado brasileiro, um modelo positivista que imaginávamos estar na última moda em Paris.

Na realidade, aquela escola filosófica já de algum tempo começara a decair na França. De sorte que fizemos o pífio papel de quem manda fazer uma roupa nova segundo os padrões do ano passado. Ou de quem bebe gostosamente champagne aberta na véspera.

Temo que os socialistas brasileiros nos façam repetir o mesmo procedimento ridículo. Imaginam eles que a coletivização é o que há de mais moderno. E por isto ostentam um coletivismo flamante.

Na Europa de aquém e além cortina de ferro, entretanto, o coletivismo vai caindo de podre. São cada vez mais numerosos os que dele nada mais esperam.

Veja-se disto um exemplo, entre os muitos outros que haveria a contar.

Ainda há pouco, um matutino carioca publicou as declarações de um alto dirigente do PC italiano, Carlo Galuzzi, sobre o que seria, em nossos dias, um regime comunista "à italiana".

O "new look" do comunismo peninsular comporta a aceitação do espírito de lucro, da lei da oferta e da procura e dos princípios da economia de mercado. Paralelamente rejeita as nacionalizações sistemáticas e a planificação centralizada.

Por essas afoitas declarações, Carlo Galuzzi não foi "excomungado" e nem sequer repreendido por sua grei. Antes, pelo contrário, continua na crista dos acontecimentos, com o apoio do PCI.

Note-se que este último é a mais importante agremiação política comunista de aquém cortina de ferro. O que dá à impunidade de Galuzzi particular relevo.

Talvez suponha um leitor que essa espetacular "virada" do dirigente comunista não passe de mero artifício para conquistar mais amplos círculos do eleitorado. Entretanto, ainda que assim seja, a própria necessidade desse artifício está a provar quanto as reivindicações coletivistas deixam fria e desconfiada a massa... que dela seria, entretanto, a beneficiária. Pois o líder comunista julga necessário ocultar essas reivindicações, como condição para ganhar eleitores. – Não está aí a prova de que, para a sensibilidade contemporânea, o coletivismo vai parecendo cada vez mais uma velheira, que vem acumulando – desde que Marx o engendrou – mais de 120 anos de poeira?

* * *

Essas considerações me fazem lembrar o Chile, sobre o qual o coletivismo vai estendendo, cada vez mais, seu negro manto de miséria.

Apesar de certas aparências democráticas do modo de governar de Allende, o Kremlin teme pela sobrevivência do governo da União Popular. E por isto procura estaqueá-lo pela força.

Em meados do mês passado, a imprensa diária noticiou haver a Rússia oferecido ao governo chileno 50 milhões de dólares a juros de 1% e a prazo de 50 anos, para a aquisição de equipamento militar soviético.

Até então, só Cuba havia aceito armamentos de procedência russa. Menos para se defender de uma agressão americana – altamente improvável de uns anos para cá – do que para manter no cabresto a infeliz população.

Isso faz ver quanto é precária a estabilidade dos governos comunistas implantados em nosso continente. E qual a razão dessa instabilidade, senão o obstinado repúdio da maioria ao coletivismo socialista?

Pelo menos a Rússia é bastante rica para emprestar tão generosamente seu dinheiro: logo, o socialismo é rendoso – pensará algum comunista. Não será fácil desiludi-lo, lembrando-o de que sem os empréstimos e benefícios de toda ordem prestados pelo governo americano aos soviéticos, estes nem teriam ganho a guerra, nem teriam escapado ao cataclismo de miséria de que os ameaçava o colapso agrícola do ano de 1972.

Em síntese, é a superabundância, pessimamente empregada, das riquezas produzidas pelo regime atualmente em vigor nas nações ocidentais que dá base para estas perigosas "generosidades" soviéticas.

* * *

E, por fim, uma rápida palavra sobre outro assunto. Constou-me que o presidente dos Cursilhos de Burgos desautorou a carta escrita por "unos cursillistas", a respeito da qual fiz comentários em meu último artigo. Espero o texto do surpreendente desmentido, para comentá-lo aqui com os leitores.

E, já que falo de Cursilhos, permita-me o Sr. Bispo de Sorocaba, D. José Melhado de Campos, uma retificação.

Li há dias, neste jornal, uma carta altamente apologética dos Cursilhos, por ele dirigida a D. Antônio de Castro Mayer, Bispo de Campos. Afirma o missivista – à maneira de prova de que os Cursilhos são imaculados – que tal movimento existe em quase todos os países da Europa, exceto nos de além cortina de ferro.

A afirmação é bonita, pois dá uma impressão de que os Cursilhos não são tolerados pelos regimes comunistas. Mas me parece que D. Melhado está mal informado.

Com efeito, a julgar pelo jornal "Ideal" de Granada, de 12-7-72, os Cursilhos existem na Rússia e em duas outras nações da cortina de ferro, a Hungria e a Iugoslávia. O "De Colores" até já está traduzido para o croata.

Essa penetração se deve ao padre Cascales, natural de Granada, o qual se naturalizou austríaco para ter acesso aos países do leste. Segundo tudo indica, o Pe. Cascales não faz nenhum mistério dessa ação. Pois o jornal de sua terra publicou o fato com muito destaque, emoldurando uma vistosa fotografia do sacerdote.

Isto leva a crer que os Cursilhos não temem a repressão da parte dos comunistas. Ou – em outros termos – que os Cursilhos são bem vistos por estes.

O que aconteceria, leitor, se a TFP implantasse uma seção num país comunista? Contaria com análoga tolerância? Bastaria a um dos nossos naturalizar-se austríaco para levar impunemente a TFP além da cortina de ferro?

Por este contraste, pode o leitor aquilatar quanto são profundos, entre os Cursilhos e os regimes comunistas, os pontos de afinidade e simpatia.


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