Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

  Bookmark and Share

Folha de S. Paulo, 31 de dezembro de 1972 

Na própria Espanha, os Cursilhos são caso 

Causou-me viva sensação a leitura de quatro recortes da prestigiosa revista espanhola “Vida Nueva", alusivos a Cursilhos de Cristandade. Em que situação deixarão tais recortes aos que, em nosso País, sustentam serem fruto da mera imaginação as inculpações feitas a esse movimento por D. Antônio de Castro Mayer, Bispo de Campos?

Como todos sabem, o cursilhismo nasceu na Espanha e ali tem sua direção central e suprema. Pois precisamente daquele país nos chega a notícia de que os Cursilhos vão dando ocasião - no plano doutrinário – a dúvidas, discussões e polêmicas entre católicos. - Será que também na Espanha os Cursilhos encontraram meios de ser injustamente atacados? - É muita coincidência...

Sirva isto de razão para sofrear, aqui no Brasil, alguns amigos superardorosos dos Cursilhos, que protestam contra as argutas e bem documentadas observações de D. Mayer como se fossem absurdos inaceitáveis, verdadeiras blasfêmias. Em outros termos, enquanto na própria pátria dos Cursilhos eles são frontalmente controvertidos, neste nosso Brasil há quem os veja como animais sagrados em que não é lícito tocar.

Penso que uma apresentação aos leitores, do que publica a tal respeito "Vida Nueva" servirá para pôr água na fervura dos ambientes arditi do cursilhismo.

* * *

O recorte que tenho em mãos divulga uma carta à redação da revista, assinada por "unos cursilhistas" anônimos da grande Arquidiocese de Burgos.

Deixa a missiva entrever, antes de tudo, que existem "tensões" em Burgos, resultantes do propósito (de quem? do Arcebispo, Mons. Segundo Garcia de Sierra y Méndez? - a carta não o diz, mas insinua) de estabelecer a "prevalência da chamada linha tradicional" sobre a corrente inovadora.

Daí resultaram - segundo os missivistas - "numerosas transformações na Diocese, as quais parecem ter sido dirigidas em sentido tradicional, com o ânimo aparente de apaziguar uma determinada linha doutrinária". Do meio desta linguagem, cheia de subentendidos confusos, parece emergir a afirmação de que o Arcebispo deu ouvidos às preocupações de teólogos ou leigos fiéis à doutrina tradicional da Igreja, e em conseqüência tomou providências para exterminar nos Cursilhos uns tantos abusos contrários à boa tradição católica.

O que segue confirma esta impressão. Com efeito, os autores da missiva narram que os Cursilhos foram atingidos a fundo por várias medidas saneadoras tomadas pelo Arcebispo. Dizem eles que a renovação ordenada na Arquidiocese "custou primeiro, ao Movimento de Cursilhos, a eliminação, por sucessivas transferências, de parte de sua equipe sacerdotal (por coincidência, os mais notórios por sua tendência renovadora, segundo as diretrizes do Vaticano II). E, por fim, de seu Diretor". E continuam, gemendo, os missivistas: "Desde há dois meses esperamos em vão a nomeação de quem o substitua".

O Sr. Arcebispo de Burgos não julgou suficientes essas graves medidas. Os cursilhistas prosseguem em sua narração: "Sobreveio depois a suspensão das Escolas e Ultreyas, com grande desconcerto para esta cristandade; por último, a proibição, pelo delegado episcopal, da celebração da Eucaristia, por ser considerada ato coletivo e terem ficado suspensos tais atos, não sabemos até quando".

O mais grave está dito apenas de passagem, no fim da frase: a Arquidiocese de Burgos julgou necessário suspender todos os atos coletivos do movimento cursilhista...

Bem entendido, o grupo de “unos cursilhistas” não aceita ser governado com tão firme autoridade. Depois de afirmar que "foi grande o desconcerto entre os cursilhistas ao se sentirem manejados desta maneira", eles exclamam: "Não se toma em nenhuma conta o povo de Deus na hora dessas decisões? Quando começaremos a viver a Igreja pós-conciliar, ou será que isto é privilégio de algumas Dioceses?"

A carta termina grosseiramente com a insinuação de que eventualmente o Sr. Arcebispo de Burgos e a corrente tradicionalista que lhe dá apoio, optaram por essas medidas com o intuito - que não poderia ser qualificado senão de diabólico - de fazer o mal pelo mal. Dizem os missivistas: "[...] estamos vivendo dias muito amargos. Vejo desilusão, abandonos, e as crises de consciência, inclusive de fé. "Ferirei o Pastor e se dispersarão as ovelhas". É isto que se pretendia? Suponho que não. Porém, neste caso, é concebível que não se tenham previsto as conseqüências? Por que negar-nos, e com que fim, uma liberdade de reunião à qual temos direito como cristãos?"

Como se vê, os missivistas "supõem" apenas que não se pretende trucidá-los espiritualmente. Logo, consideram como admissível, em rigor de lógica, que se queira fazê-lo! Pois uma suposição tem sempre caráter condicional e admite implicitamente - se bem que com menor probabilidade - a hipótese oposta.

Antes de passar a outro comentário, permita-me o leitor uma pequena observação de passagem. Uma das frases que acabei de citar diz: "Vejo desilusão, etc.". O verbo ver está aí na primeira pessoa do singular. - Mas então é um só cursilhista que escreveu a carta, assinando entretanto "unos cursilhistas"? Por que esse manejo dentro da zona obscura do anonimato?

Mas a observação mais importante vem agora.

* * *

Chamo a atenção dos meus leitores para uma peculiaridade singular da argumentação destes (ou deste?), depois de uma série de lamentações destinadas a atrair a compaixão dos leitores de "Vida Nueva" e de se apresentar implicitamente o sr. Arcebispo de Burgos e os que o apoiam como reacionários inquisidores no sentido mais pejorativo que o anticlericalismo deu ao termo, a missiva desfechou, como vimos com uma grave acusação contra o Prelado. A mais grave que se pode fazer. Pastor que extermina suas ovelhas.

Porém, no seu longo e prolixo arrazoado a missiva deixou cautelosamente de lado o ponto essencial.

Toda pessoa acusada injustamente deve informar-se sobre o conteúdo da acusação e mostrar que ela carece de provas; o mais é conversa fiada.

No caso concreto, o Arcebispo parece considerar os Cursilhos como gravemente infectados de erros. Ou ele tem razão ou não a tem. Se tem razão os cursilhistas que efetivamente hajam sido conquistados para a Igreja pelo famoso impacto cursilhista devem submeter-se filialmente, em lugar de entrar em estranhas e censuráveis dúvidas sobre a Fé. Se o Prelado não tem razão assiste-lhes o direito sagrado à legitima defesa. Mas nesse caso estão absolutamente obrigados a esclarecer o público sobre as acusações de que foram vitimas e o tornar patente que tais acusações carecem de provas.

Precisamente isto os tais cursilhistas evitaram ruidosamente de fazer. E para agir de modo tão singular devem ter lá suas razões.

O fato é que neste espécime de apologética cursilhista notamos três características:

a) pânico de discutir o mérito do assunto;

b) empenho em aliciar a simpatia da opinião pública colocando o movimento cursilhista como vítima;

c) contra-ofensiva arbitrária e difamatória, dirigida aos que ousam apontar os erros do movimento.

* * *

E encerro o artigo. No Brasil a contra-ofensiva dos pró-cursilhistas tem tido exatamente as mesmas características:

a) foge cuidadosamente de refutar os documentos citados por D. Antônio de Castro Mayer em sua carta pastoral;

b) apresenta o movimento como injustamente perseguido pelo Bispo de Campos;

c) e implicitamente o aponta como um ferrabrás da ortodoxia pronto a todo momento a tomar uma nuvem por Juno.

Digo que esta é a atitude dos pró-cursilhistas porque os cursilhistas propriamente ditos tem sido tão supercautos que quase nada disseram sobre a matéria. É ao menos o que tem acontecido até esta tarde de quinta-feira em que estou concluindo meu artigo.

Pelo interior do País, nas caravanas da TFP, os jovens militantes estão impressionados com a mesma ausência de argumentação dos cursilhistas. Por vezes nossos militantes ouvem tão somente uma ameaça à guisa de estribilho: "Vocês vão se arrepender".

- Essa ameaça é um bluff? Ou mera explosão de mau humor? Ou talvez constitui referência a alguma contra-campanha visando a TFP pelo aliás já gasto sistema do estrondo publicitário?

Parece-me cedo para dar qualquer resposta a essas perguntas.


Home