Folha de S. Paulo,
17 de dezembro de 1972
Nunca
tantos sofreram tanto de um só
Durante a semana passada, uma série de desmoronamentos se operou no que
fora a linha da resistência do mundo civilizado contra a dominação do
Pacífico pelos russos e chineses.
O
elemento capital dessa linha era o arquipélago japonês. Como se
sabe, Tanaka imprimiu uma rotação fundamental na política exterior de
sua pátria, em virtude do que esta começa a passar, de nação
anticomunista, a satélite comercial e político de Pequim. Nas recentes
eleições realizadas no Japão, o eleitorado aprovou maciçamente essa
desastrosa mudança. O partido de Tanaka elegeu uma cômoda maioria. E
essa maioria só não foi mais durável porque uma parte do eleitorado
resolveu abandonar as hostes conservadoras, para votar em favor dos
Partidos Socialista e Comunista. Assim, enquanto o partido governamental
perdeu 17 cadeiras, o PC, que contava no Parlamento anterior com 14
cadeiras, passará a dispor agora de 38, e o PS, que tinha 90 cadeiras,
passará a ter 118.
Bem
entendido, ainda não se trata de uma catástrofe integral. A nação ainda
não está no abismo. Mas caminha inteira para ele, tendo na vanguarda
dessa marcha os comunistas!
* * *
Há
dias a imprensa noticiava que na Coréia do Sul - até há pouco
baluarte heróico da luta anticomunista - uma consulta eleitoral mostrou
que 92,3 % do povo é a favor de um entendimento com a Coréia do Norte.
Um arranjo entreguista do gênero Willy Brandt, com a correlata vantagem
para os comunistas.
Na
Nova Zelândia, o governo trabalhista anunciou sua intenção de
retirar os expedicionários que mantém no Vietnã do Sul, e de
paralelamente abandonar a Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEATO),
bloco de nações anticomunistas do gênero da NATO.
Apenas não se percebem sinais de desalento e entreguismo em Formosa e
nas Filipinas. - Quanto tempo durará a atitude corajosa dessas
duas nações? É preciso reconhecer que, de momento, tudo conspira para
lhes abalar a firmeza de propósito. De nossa parte, pedimos a Deus
onipotente que lhes dê valentia, força e vitória. E aos ocidentais,
clarividência e valor, para os ajudarmos em toda a medida de nossas
forças.
* * *
Essa
prece é especialmente necessária considerando-se as profundas
preocupações inspiradas pela situação no Vietnã do Sul. A paz que
está sendo imposta ao governo de Saigon ameaça ser, muito provavelmente,
uma capitulação ante o comunismo. Os valentes sul-vietnamitas continuam
a reagir. - Mas o que poderão alcançar contra as três superpotências
conluiadas, EUA, Rússia e China? Também aqui nos compete rezar
segundo as intenções que há pouco enunciei.
* * *
Significação ainda maior tem a vitória esquerdista na Austrália.
Em princípios deste mês, o Partido Trabalhista venceu, por maioria
esmagadora, as eleições parlamentares, reconquistando o poder do qual
estava afastado há 23 anos. Os comentadores políticos conjeturam que os
esquerdistas australianos diminuirão ou suprimirão o empenho das tropas
de seu país no Vietnã do Sul e desligarão a Austrália da SEATO. A maior
potência da Oceania deixará de ter assim um papel de baluarte
anticomunista, e se disporá a seguir, por sua vez, a triste trilha do
Japão.
* * *
Não se pense que esta série de catástrofes,
umas já realizadas, outras em vias de realização, correspondem a uma
tendência esquerdista das populações do Extremo Oriente. Estas
continuam nitidamente anticomunistas, em sua esmagadora maioria. A
verdadeira causa desse deslizamento para a esquerda está na política de
Nixon em relação à Rússia e à China. Uma vez que a América do Norte
se desinteressa da defesa de todos esses povos contra as duas potências
marxistas do Pacífico, a conseqüência é que, para elas, só há uma
alternativa: o heroísmo ou a finlandização.
Infelizmente, são poucos, no mundo de hoje, os que escolhem o
heroísmo...
* * *
Comentando em artigo nesse jornal, a visita de Nixon a Moscou
(cfr.
"A agenda”, 21-5-72), predisse, nos seguintes termos, o que
iria acontecer: "É preciso ser cego para não perceber que a Rússia
quer assenhorear-se, a todo custo, da Indochina. (...) Se (Nixon) não
resistir, entregará à Rússia uma posição-chave no mundo. Neste caso.
Formosa e a Coréia do Sul hoje, o Japão e a Austrália amanhã,
sentindo-se abandonadas pelos EUA, serão arrastados a colocar no governo
homens de esquerda que conduzam uma política de aproximação com a
Rússia".
Pois bem: aconteceu.
Toda
essa derrocada, como disse, se deu no Extremo Oriente.
A par
disso, na Europa se vão desenrolando lenta, complicada, mas
inexoravelmente, os preparativos para a conferência de segurança
pan-européia. E os comentaristas internacionais mais penetrantes
acentuam o firme propósito da Rússia de impor ao Ocidente a
finlandização da Europa no momento oportuno.
Tratei disto em meu último artigo. O mais grave, o mais
espantoso do assunto, não está em que a Rússia pleiteie essas vantagens.
Está em que a opinião pública ocidental se manifeste tão entorpecida,
tão deteriorada, tão impotente que não se ergue numa recusa unânime e
indignada contra as novas metas soviéticas. Por exemplo, certo
jornalista norte-americano - aliás de grande prestígio - comentando os
êxitos recentes da atuação de Moscou, concluiu suas reflexões com a
lacônica afirmação de que "O Kremlin deve ser cumprimentado por sua
paciente e perspicaz diplomacia". É o vencido a felicitar o vencedor!
* * *
Em
todos estes desastres, é preciso reconhecer os efeitos da ação de Nixon.
A sua ida a Pequim e Moscou, as fabulosas vantagens econômicas que sob o
impulso dele a Rússia tem recebido da iniciativa privada norte-americana
e européia e a afirmação, repetida ad nauseam, de que cessou a
guerra fria por obra do presidente americano, tudo isto lançou a
opinião pública do Ocidente num marasmo. Por sua vez, este marasmo,
feito de apreensões e esperanças que mutuamente se neutralizam,
desalenta para a reflexão e para a luta. E assim o Ocidente vai
sendo preparado para aceitar - entre otimista e estupefato - tudo o que
possa sobrevir.
* * *
Considerando em seu conjunto o panorama do Ocidente e do Oriente,
nota-se entre um e outro um denominador comum: é a queda de todas as
barreiras ante a investida do comunismo.
E a
causa dessa série de catástrofes é a política do presidente
Richard Nixon.
Dele a História dirá um dia,
parodiando amargamente o dito de Churchill, que nunca tantos sofreram
tanto mal de um homem só!
* * *
Neste
panorama dramático, uma nota cômica e alvissareira se define,
entretanto. Perón, segundo tudo indica, vai voltar brevemente
para sua toca madrilenha. O mito da popularidade do velho demagogo
morreu. Placidamente, firmemente, o grande povo argentino virou as
costas ao ex-ditador. E ele sai do palco, melancólico e desapontado,
como um ator que encontrou o teatro vazio.
Mais uma vez,
nesta época de geral decadência, é da América Latina que parte uma
lição para o mundo.
A
História mostra que o futuro pertence aos povos que sabem dar as lições
salutares.
Oxalá
a grandeza das nações da América Latina valha para abrir um caminho que
conduza o mundo inteiro a uma saída da crise atual.
Para
tanto, temos três fatores inapreciáveis: somos latinos, somos
americanos e acima de tudo somos católicos.