Folha de S. Paulo,
10 de dezembro de 1972
A
águia prosternada ante o camundongo de açúcar
A
contradição não poderia ser mais flagrante.
De
um lado,
se acumulam no horizonte os sinais da deterioração dos regimes
comunistas em todo o mundo.
Ainda
há poucos meses, por exemplo, a Rússia aspirava conquistar todo o
velho Continente. Para tanto, o estratagema já estava escolhido
e era uma federação pan-européia que fosse dos Urais à foz do Tejo,
com sede do respectivo poder de decisão na cidade de Moscou. Bem
entendido, esse plano ambicioso não seria tão difícil de realizar. A
maior parte dos governos europeus é imediatista e mole. Assim,
faltam-lhes condições para discernir o que há de falacioso no projeto de
Federação Européia e resistir às mil pressões propagandistas que o
favorecem. A verdadeira dificuldade consistiria em - uma vez
formada a Federação - criar hábitos de submissão, pobreza e
irreligião nas populações da Europa Ocidental sobre as quais o
comunismo se iria estendendo como um manto de insegurança, fome e
materialismo crasso. Mas essa difícil perspectiva parecia não preocupar
os déspotas do Kremlin.
Ora,
há dias órgãos da imprensa diária comentavam que Moscou está em vias de
abandonar seu plano de federalização pan-européia. De momento, o que ela
parece esperar das potências ocidentais, na próxima conferencia
pan-européia de Helsinque, cifra-se tão somente (tão somente!...) no
reconhecimento da "doutrina Brejnev!..." e na conseqüente aceitação da
cortina de ferro como um fato consumado. Em suma, na legalização - do
ponto de vista do direito internacional - do statu quo. No que
diz respeito à conquista da Europa Ocidental, passaria esta a depender
do emprego de métodos mais subtis, em dias mais propícios.
- A
razão desta enorme mudança de metas? Sempre segundo os noticiários
internacionais, está no fato de que as dificuldades políticas e
econômicas se vão avolumando a tal ponto por detrás da cortina de ferro,
que o Kremlin se dará por satisfeito se conseguir manter o regime
comunista e a coesão das nações satélites com a metrópole moscovita. E
por isso já não sente forças para estender a novos países sua área de
poder.
Não é
menos desfavorável para o comunismo a situação no Ocidente. Está
patente que as grandes massas são profundamente conservadoras e
não se deixam impressionar pela propaganda marxista. Por isto, nos
arraiais comunistas o tom dogmático e agressivo vai sendo substituído
por outro melífluo e conciliador. Ainda há dias o saliente líder do
PC no parlamento italiano, Carlo Galuzzi, afirmou de público que seu
partido está transformado e admite hoje (em que medida, ao que parece o
líder vermelho não disse) o espírito de lucro, a lei da oferta e da
procura e a alternância no poder com outros grupos, e é contrário à
nacionalização sistemática dos meios de produção. Não tenho a menor
dúvida de que se trata no caso de mera manobra eleitoral. Mas a que
ponto um líder partidário precisa estar consciente da impopularidade da
ideologia de seu partido para ostentar um programa marcadamente
discrepante desta como meio de recrutar adeptos!
* * *
Outros sinais de fraqueza poderiam ser somados a este. E não só na
Rússia. Desviemos nossas vistas da Europa para a Ásia e consideremos
a China Vermelha. Reclama esta com instância a saída das tropas
americanas que lutam no Vietnã. Por que então não exige ela também a
retirada da esquadra norte-americana que patrulha o trecho de mar entre
Formosa e o Continente? Que eu saiba essa esquadra continua sempre lá.
Sua missão é impedir que as duas Chinas se entre ataquem. Agora que os
Estados Unidos reconhecem Formosa como território sujeito de jure
não de facto a Pequim, caberia a Mao exigir liberdade de
movimentos em relação à província rebelde e dizer aos seus amigos de
Washington o clássico "go home". Por que não o faz o líder amarelo?
Por que usa pesos e medidas diferentes em relação ao Vietnã e a Formosa?
É que os comunistas chineses receiam que Formosa, uma vez liberta do
entrave que é a esquadra ianque, opere um desembarque em território
continental. E sabem perfeitamente que a população aderiria em massa à
investida nacionalista contra os déspotas de Pequim.
* * *
Para
que alongar-me ainda mais sobre a instabilidade dos regimes comunistas
em nossos dias? Não está a dois passos de nós o Chile faminto e
agitado, que o General Prats segura implacavelmente pelo gasnate,
enquanto Allende faz propaganda no Exterior?
* * *
E
aqui está a contradição gritante, escandalosa, a que eu me referia no
início do artigo.
Se
a fraqueza do regime comunista é patente na Rússia e na China, o é ainda
mais em Cuba.
No campo da produção açucareira, Fidel Castro fracassou estrondosamente.
Sua demagogia gasta está em recesso. Suas arengas intérminas cessaram e
até sua barba perdeu o simbolismo terrorista que a tornou célebre em
dias que já vão longe.
Por que então não libertar Cuba? Haveria aplicação mais linda dos
princípios de fraternidade continental do que uma ação conjunta das três
Américas para destronar o ridículo tiranete de Havana?
Kennedy pode alegar o risco de uma guerra mundial para justificar sua
política pacifista face a Cuba.
Mas a
Rússia de 1972 nada mais pode em favor de sua pequena e longínqua
colônia antilhana. Da China então nem se fale, falta-lhe absolutamente o
poder militar para se expor a nova guerra.
Insisto: por que então as três Américas não dão inicio a um bloqueio
econômico total de Cuba passando depois a uma pressão política e se
necessário mandando por fim para a infeliz Ilha uma pequena expedição
militar - tanto melhor se de voluntários - que a liberte?
Creio
que sem expedição militar alguma já se conseguiria um resultado pleno.
Se entretanto fosse preciso derramar um pouco de sangue de carrascos
comunistas penso que valeria largamente a pena. Os vínculos de raça, de
tradição, de cultura e sobretudo de Religião que unem o Brasil e Cuba
fazem estuar em minha alma mil anelos por essa rápida e nobre solução.
Entretanto o que se passa?
Precisamente o contrário. A águia americana depois de ceder campo ao
urso de papel, ao tigre de papel parece disposta a se inclinar dócil e
intimidada ante o camundongo cubano. É este o sentido das
negociações Washington-Havana que acabam de se abrir.
Nada
mais contraditório com o ocaso do comunismo do que esta humilhação
americana.
Mas
parece que no governo Nixon a fome de humilhações é insaciável.