Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

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Folha de S. Paulo, 3 de dezembro de 1972 

A Pastoral sobre os Cursilhos 

Por certo, D. Antônio de Castro Mayer passará para a História da Igreja em nosso século. Sua inteligência e sua cultura, seu arrojo em circunstâncias críticas da boa causa, lho asseguram de sobejo. – Haverá alguma faceta que, predominando sobre as demais, defina, para os contemporâneos e para a posteridade, a figura do Bispo de Campos? – Provavelmente. Uma delas poderia ser: "o Bispo das grandes Pastorais".

Com efeito, vários dos trabalhos publicados por aquele Prelado têm sido autênticos acontecimentos na vida interna da Igreja. A recente coletânea "Por um Cristianismo Autêntico" (Editora Vera Cruz, São Paulo) em que ele enfeixou suas onze principais obras deixa inteiramente esclarecido a este respeito qualquer estudioso.

Mal esgotada a primeira edição dessa coletânea, já se acha ela – sob certo ponto de vista – superada. Pois o Bispo de Campos acaba de publicar nova Carta Pastoral fadada a igualar ou até exceder em repercussão as mais importantes dentre as anteriores. Trata-se da "Carta Pastoral sobre Cursilhos de Cristandade", também dada a lume pela Editora Vera Cruz.

Não pretendo aqui dar uma síntese do documento. Acho que ele deve ser lido e estudado diretamente em seu texto integral. Limito-me, assim, a dizer sobre a Carta Pastoral o suficiente para incitar o meu leitor a que a leia.

* * *

Os Cursilhos de Cristandade estão muito difundidos entre nós. Quem deseje estar ao corrente da atualidade brasileira não pode deixar de interessar-se por esse movimento.

Ora, diz D. Mayer, as tendências doutrinárias que nele se fazem sentir são heterogêneas: verdade e erro, bem e mal têm livre curso nas publicações oficiais do movimento. Como é natural, ponderáveis setores deste estão seriamente afetados pelo fato.

O Bispo de Campos cita, em sua Pastoral, farta documentação.

O que encontrou nessa ampla massa de documentos o lúcido teólogo? Dou aqui alguns textos cursilhistas citados por D. Mayer. O leitor poderá assim medir o verdadeiro alcance das tendências e dos erros que serpeiam em certas áreas dos Cursilhos. E com isto se sentirá mais atraído a ler a momentosa Pastoral.

* * *

Quando se encontra diante de uma imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo, de um crucifixo por exemplo, ou de uma réplica do Santo Sudário de Turim, qual o seu impulso, prezado leitor? Quando se acha diante de um tabernáculo onde está o Ssmo. Sacramento, que movimentos de alma lhe inspira sua Fé em Jesus Cristo, nosso Divino Redentor?

Obviamente, de adoração, de gratidão, de confiança sem limites e de humildade profunda. Por isto, jamais lhe passará pela cabeça dirigir-se a Ele como um homem de pouca compostura o faria a um indivíduo qualquer que encontrasse pela rua. De O chamar de "Chefão" por exemplo. Pois o II Encontro nacional de Secretariados Diocesanos de Cursilhos de Cristandade no Brasil recomendou que nas visitas ao Santíssimo Sacramento os cursilhistas vejam no Divino Salvador "o Cristo, nosso "Chefão", nosso irmão mais velho, nosso grande amigo e companheiro"  (Pastoral, pág. 73). Em suma, um camaradão.

Que lhe parece isto, leitor?

Objetará alguém, benevolamente, que talvez se trate apenas de uma expressão infeliz, saída por acaso de alguma pena açodada. Então leia o seguinte tópico do artigo "Meu papo com Cristo", escrito por um cursilhista (Pastoral, págs. 73-74):

"Hoje quero bater um papo com Cristo. Mas, um papo que não exija "cuca", que não exija esforço maior do que o descanso absoluto que espero encontrar, hoje e sempre, na minha própria fé N’Ele.

"Cristo está aqui ao meu lado, sentado na minha cama. Sua figura me agrada logo: "super pra frente", calça lee azul marinho e túnica azul clara. Nos pés, um par de tênis também azul e, ao redor do pescoço, uma corrente dourada, onde vejo pendurada uma cruz. Da cabeça saltam, pacificamente, cabelos claros e lisos que vão até os ombros. Como o meu cristo é bárbaro! (...) Começo a falar.

"Olha, Cristo, fiz um montão de descobertas ultimamente, e a maior de todas foi esta: amo Você (...). Você precisa ver a minha alegria ao perceber que o meu "pecadão" se torna um "pecadinho" diante da potência de perdão que Você é. E o que eu acho mais fabuloso nisso é que Você não exige que a gente peça perdão: pelo arrependimento, basta a gente sentir que errou e já se sente, também aceito por Você".

O que mais?

Este trato com Cristo não importa numa verdadeira subversão no domínio transcendental e delicado da piedade?

* * *

Esse sentido subversivo não se encontra só no terreno da piedade. Ele aflora também no campo econômico-social. Das mais importantes na Pastoral de D. Mayer é a Parte III, que trata de "Cursilhos e a subversão".

Limito-me a transcrever aqui, ligeiramente comentados, alguns dos tópicos citados a tal propósito pela Carta Pastoral de D. Mayer.

As "mudanças estruturais na América Latina devem ser rápidas, urgentes, totais". A afirmação é do Pe. Edgar Beltran na importante revista cursilhista “Trípode” (Pastoral, pág. 81). Ora, uma mudança total implica na substituição de tudo. Assim, deveremos ter estruturas novas, nas quais não sobreviva qualquer elemento das atuais. Dado que a propriedade privada é um desses elementos, e dos mais marcantes, não deve ela existir na ordem nova sonhada pelo referido sacerdote e endossada pela revista cursilhista.

No mesmo sentido se exprime o Sr. José Maria de Llanos em artigo da "Trípode" intitulado "En que coinciden marxistas y cristianos?" (Pastoral, pág. 90). Para ele, a doutrina católica e a marxista coincidem em quatro pontos: 1) O fundamento de uma nova estrutura, de uma nova humanidade, é de ordem econômica; 2) A paz exige essa nova ordem, e passa pela revolução; 3) A revolução poderá ser violenta, se não puder realizar-se pacificamente; 4) "O regime de propriedade deverá ser transformado por uma intervenção enérgica da autoridade pública, nacional e internacional". Assim se aparentam a transformação marxista da propriedade e a transformação desejada pelos cursilhistas...

Esses textos são suficientes para despertar no leitor perspicaz a convicção de que estranhas e perigosas tendências se fazem sentir em importantes publicações cursilhistas. "Pelo dedo se conhece o gigante", sabem-no bem as pessoas atiladas.

Qual a amplitude real dessas tendências em Cursilhos? É uma pergunta que os atilados não poderão deixar de querer esclarecer. Aconselho-os: leiam o texto integral de D. Mayer e sua justa curiosidade será amplamente satisfeita.

Mas o mundo não é só dos atilados. Há também os que julgam parcialidade e precipitação conhecer o gigante simplesmente pelo dedo. Precisam vê-lo de corpo inteiro. Estes dirão, provavelmente, que as poucas citações que aqui faço não bastam senão para demonstrar a existência de erros muito esporádicos e excepcionais em Cursilhos. Para provar que esses erros circulam em largas áreas do movimento seria preciso aduzir muito mais documentos.

Claro está que não posso, a esses documentos, transcrevê-los todos aqui. Mas quem deseja ser verdadeiramente imparcial deve informar-se a fundo. Leia pois a Carta Pastoral de D. Mayer e será esclarecido.

* * *

Para um cursilhista, como agir diante do documento de D. Mayer? Se ele não é solidário com os erros apontados pelo Bispo de Campos, deve ser muito grato a este último, que veio esclarecê-lo.

Se é solidário com esses erros, deve entrar em diálogo com o autor da Carta Pastoral, dando argumentos por onde tente provar que o que D. Mayer qualifica de erro é, pelo contrário, verdadeira doutrina católica.

Fora disso, não vejo, para um cursilhista, qualquer saída.

A não ser, naturalmente, que recorra ao diz-que-diz, a invectivas pessoais contra o grande prelado, ou a detrações contra a TFP, que lhe está difundindo a obra. Longe de mim dizer que cheguem até lá. Aliás, tal tática nem lhes seria útil. Pois não poderia deixar de ser vista como uma tentativa de fugir aos incômodos do diálogo doutrinário sereno, a que a natureza do tema convida.


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