Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

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Folha de S. Paulo, 19 de novembro de 1972 

Silenciosos do Ocidente 

Falando a toda a nação pouco antes de encerrar sua campanha, Nixon expôs em dez pontos o seu programa.

Resumo-o aqui. Imagine o leitor o efeito de cada um dos itens dessa síntese sobre o eleitorado centrista e conservador:

1- Paz com o mundo, num mundo de paz. Instauração de uma era de amizade e cooperação entre todos os povos. União da humanidade numa nova aliança contra os seus inimigos comuns: a miséria, a adversidade e a enfermidade; 2- Abolição da discriminação entre raças, sexos e religiões; 3- Saúde: eliminação da fome, das enfermidades e do abuso de drogas; 4- Boas escolas; 5- Prosperidade: impostos equitativos, pleno emprego sem inflação; 6- Restauração e proteção das cidades e do meio ambiente; 7- Abolição progressiva da criminalidade e da corrupção; 8- Liberdade e autodeterminação; governo mais próximo do povo; 9- Pluralismo e abertura; 10- Família forte e patriotismo desinibido.

Esse elenco de metas parece feito para deslumbrar o conservantismo centrista. Um "staff" de exímios especialistas da propaganda não poderia imaginar nada de mais capaz de atrair.

A um tal programa, o presidente-candidato somava todo o prestígio inerente ao seu alto cargo, e as facilidades que o Poder confere naturalmente a quem o tem em mãos.

Era, pois, natural que ele levasse às urnas todos ou quase todos os eleitores da corrente cujos votos procurava conquistar.

* * *

Nos Estados Unidos, o que se poderia chamar de direita tem pouco peso eleitoral. Além do centro, como grande força política, existe só a esquerda.

Ora, em matéria de esquerda, McGovern era um candidato absolutamente tão atraente quanto o era Nixon para o centro. Dispenso-me de reproduzir aqui o seu programa, mesmo porque para os esquerdistas, aventureiros quase por definição, os programas têm muito menos importância do que para a sisudez centrista. A votação do eleitorado esquerdista é atraída na medida da dosagem de comunismo que ele fareja em um candidato. Grosso modo, McGovern calculara bem essa dosagem, pois - se é verdade que ela foi um pouco intensa demais para atrair centristas incautos - tinha entretanto suficiente densidade para empolgar os esquerdistas. Seria, pois, natural que McGovern tivesse levado às urnas a esquerda inteira.

* * *

Em síntese, quase todo o corpo eleitoral deveria ter votado.

Isto era tanto mais plausível quanto a última campanha eleitoral foi a mais cara da história americana: custou 400 milhões de cruzeiros. A propaganda foi, pois, espetacular.

Enfim, nada faltou para arrastar para o grande e pacífico prélio, a nação inteira.

Nada, realmente, exceto o interesse da massa eleitoral.

Ora, sendo de cerca de 110 milhões o total dos eleitores inscritos, e dado que só 77 milhões deles votaram (estes dados foram obtidos no Serviço de informações dos Estados Unidos, USIS). Conclui-se que aproximadamente 30% dos eleitores deixaram de votar!

Mais ainda, sendo de 140 milhões, segundo a imprensa o número de americanos em idade de votar, e havendo só 110 milhões de eleitores inscritos, deduz-se que 30 milhões de americanos nem sequer se inscreveram. Ainda que as causas desta abstenção tenham sido múltiplas, a diferença indica uma quota apreciável de desinteresse.

Isto posto, pergunto ao meu leitor: como explicar essa dupla faixa de desinteresse?

* * *

Obviamente porque nas camadas profundas e silenciosas da grande massa americana se foi processando uma transformação que os políticos e os técnicos não conseguiram perceber ou interpretar corretamente. A propaganda se vai desgastando. A medida que se torna omnipresente, ininterrupta e super excitante. Os políticos se desgastaram ainda mais do que a propaganda. Um exemplo: quando a campanha eleitoral atingia o auge, emissoras de televisão da Califórnia interromperam sua programação normal para projetar uma entrevista de Kissinger sobre a guerra do Vietnã. Os protestos telefônicos mostraram tanto desinteresse, que as emissoras tiveram de cortar ato contínuo a entrevista: nem Kissinger interessa mais!

* * *

No âmago da sociedade norte-americana, agitada, ruidosa e caótica, se vai formando um bolsão de desinteresse. Bolsão imenso, que já afastou das urnas impressionante massa de eleitores. Desinteresse silencioso, que só pela omissão revelou sua força.

Qual a causa desse fenômeno? Digamos, antes de mais nada, que ele não constitui um fenômeno exclusivamente norte-americano. Seu porte é universal. Também no Brasil pode-se senti-lo.

Por isso mesmo, seria vão procurar para ele uma explicação local. Só uma causa universal poderia engendrá-lo.

Auscultando esse silêncio apático como ele se apresenta em nosso País, e tomando-o como uma amostra do silencio universal, julgo poder alinhar aqui alguns fatores explicativos.

Antes de tudo, um imenso cansaço. A todo momento, o homem recebe hoje novidades que o deslumbram ou o assustam, mas em todo caso o fazem vibrar. A todo momento, também, se lhe mete ouvido a dentro, uma música ou um slogan. A qualquer propósito ele se defronta com uma estatística ou um questionário, que lhe revela a existência de um problema novo, e sobre o qual se lhe pede que opine. A todo custo quer-se obrigá-lo a "participar" de tudo. O homem moderno é assim solicitado para uma vida coletiva intensíssima. Dócil, ele vibra com todas as notícias, ouve todas as musicas, ingere os slogans, examina todas as estatísticas e se preocupa com todos os problemas.

Mas das profundidades de sua alma nasce, pari passu, uma sensação de inadaptação, de angústia e de vazio. É que, antes de ser matéria-prima para propaganda, sociológica ou política, o homem é um ente racional e livre, que leva em si um mundo interior. Este mundo interior, ou ele o cultiva com amor e cuidado, ou se transforma numa jungle interna, da qual saltam os mais inesperados fantasmas. Privado, pela excessiva "participação", de seu centro de gravidade interior e pessoal, o homem entra em desvario.

Para defender-se, ele se desinteressa de tudo. Entra em silêncio. E se abstém.

Em seu conjunto, esses silenciosos são, na sociedade do Ocidente, algo de vagamente parecido com a Igreja do Silêncio no mundo comunista. Não porque sejam reduzidos ao silêncio pela violência policial, mas porque ninguém os percebe, ninguém os entende, ninguém os representa. Só o bulício tem cidadania. Postos à margem, eles se calam.

Porém não é só. nos silenciosos do Ocidente uma imensa perplexidade. A farândola das ideologias enlouquecidas, a dança endiabrada das contradições estrondosas, do despudor agressivo, das indumentárias delirantes, tudo isto suscita em numerosas pessoas uma pergunta, que, por não ser "moderna", poucos ousam externar, mas que atormenta a muitos: no que dará tudo isto? A que cataclismos vamos sendo arrastados?

O silencioso não é apenas um cansado. Ele é um perplexo. Ele é um desnorteado.

- Está ele à margem da vida?

- Opino que não. Ele representa o que resta de bom senso na humanidade. É a vida que está à margem do bom senso.

Tal é, a meu ver, o significado mais profundo deste tão marcante avanço do silêncio no Ocidente...


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