Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

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Folha de S. Paulo, 5 de novembro de 1972 

Como escapar ao vácuo 

Ao que parece, ganha corpo novamente a eventualidade de uma reabertura política no País.

Isto levanta naturalmente uma pergunta. - A atual ordem de coisas surgiu da necessidade de conter a maré montante do comunismo. Se hoje - após quase dez anos de regime especial - o povo brasileiro fosse convidado a pronunciar-se pró ou contra o comunismo, em que sentido exerceria ele sua opção?

Não tenho dúvidas a este respeito. Creio que a esmagadora maioria de nosso eleitorado se pronunciaria em favor da atual ordem de coisas.

Com efeito, não vejo, no Brasil atual, qualquer possibilidade próxima de que algum movimento reacionário, ou esquerdista, alcance a maioria eleitoral. É possível que reacionários ou esquerdistas lograssem aglutinar minorias pouco importantes por seu número, se bem que significativas por seu entusiasmo ou sua capacidade de ação. Não vejo, entretanto, no imenso bloco majoritário, a menor tendência a se cindir pela atração dessas minorias opostas. Ele é conservador mesmo, e quer a ordem atual como ela é.

É claro que, na vida humana - considerada tanto no plano individual, como no político - nada é absolutamente estável. Por isso, não creio que a maioria do País seja conservadora no sentido mais estrito da palavra, isto é, que deseje um imobilismo total. Tudo o que vive se move. E tudo o que se move tem um rumo. Assim, no grande centro conservador, há tendências para a direita, como os há para a esquerda. Mas tais tendências, por paradoxal que isto seja, não são centrípetas.

Explico-me. O conservador de matiz direitista não deseja que o centro se transforme em uma direita. Ele deseja apenas dar uma tintura direitista à sua posição centrista. Quanto ao conservador de esquerda, também ele não deseja que o centro caminhe para a esquerda. Ele se contenta com dar um colorido esquerdista à sua posição centrista.

Bem entendido, na imensa maioria conservadora, que aqui descrevo, não incluo os esquerdistas cripto-centristas. Ou seja, os democrata-cristãos, os progressistas, e outros tantos que o público imagina que são centristas, por serem burgueses confortavelmente instalados na vida. De fato, tais elementos são esquerdistas, e na esquerda devem ser incluídos. Aliás, numericamente são poucos, pelo que sua expressão, no presente quadro, é quase irrelevante.

Goste-se ou não da realidade assim descrita, ela é obviamente tal.

* * *

Da descrição, passemos agora ao comentário.

Antes de tudo, parece-me importante ressaltar que nosso conservantismo não é senão o reflexo nacional de um fenômeno internacional.

Nunca, no mundo inteiro, a propaganda comunista foi tão sagaz, tão engenhosa e tão ágil. Nunca, também, ela fracassou tanto.

Um exemplo é o malogro do imenso vagalhão guerrilheiro lançado a partir de Cuba sobre todo o nosso Continente. Em matéria de ouro, armas e propaganda, nada lhe faltou. Os próprios órgãos da sociedade burguesa deram vulto ao mito do guerrilheiro heróico, que expõe a vida a fim de conclamar as massas famintas para a destruição das desigualdades. Sem embargo, as guerrilhas morreram, e isto não porque lhes faltasse o apoio burguês, mas a solidariedade das massas. A mais recente prova disso é o fracasso eleitoral dos tupamaros no Uruguai.

Outro fracasso do comunismo está na ruína da democracia-cristã.

Excetuado - em alguma medida - o PDC alemão, no mundo inteiro a DC funciona como um tobogã em favor do comunismo. Em alguns lugares, ela se desacreditou inteiramente com isto. Haja vista a triste situação de Frei no Chile. Em outros, seu desgaste chegou a tal ponto que já não ilude nem atrai a mais ninguém, e é tida por todos como o que é: uma linha auxiliar inexpressiva do marxismo.

Na Itália, a maioria do eleitorado deu crédito à DC. Mas quando ele, afinal, começou a desconfiar que a DC não era senão um mecanismo de drenagem do centro para a esquerda, esta teve de efetuar uma pirueta rumo à direita. E, para não perder o poder, o PDC governa hoje a Itália num sentido centrista... à espreita - é claro - da primeira ocasião para favorecer novamente o comunismo.

Referi-me, de passagem, ao Chile. Não posso deixar de lembrar, a este propósito, as convulsões enormes com que o país reage à política de Allende: manifestação evidente do fracasso do governo marxista, no tentame de conquistar a opinião pública.

Por fim, Nixon, candidato do “Pravda” à presidência dos EUA, certamente se reelegerá. Mas tal se dará, não porque os comunistas o querem, mas porque ele arranjou jeitos de passar, no seu país, por conservador. Sua vitória será uma grande vitória conservadora!

Assim, há uma onda conservantista no mundo. E o conservantismo brasileiro é uma expressão local do conservantismo mundial.

- Trata-se, no caso, de um conservantismo ideológico? Em outros termos, toda essa avalanche conservadora resulta da solidez dos princípios em que se baseiam as instituições atuais?

Não creio. Estamos em presença de um fenômeno que é mais psicológico do que ideológico. O Ocidente já passou, em nosso século, por solavancos terríveis. É generalizada, nele, a persuasão de que novos solavancos lhe poderão ser fatais. Por isto, a imensa maioria das pessoas quer principalmente segurança. E assim não quer saber de reformas nem de aventuras. É melhor parar.

* * *

O que me desconcerta é o fato de que, tanto na Europa, como na América do Norte (onde, entretanto, os conservadores canadenses acabam de vencer nas eleições) quase todo o establishment parece ignorar esta fraqueza do esquerdismo e esta pujança do conservantismo. Os políticos, Nixon excetuado, atuam quase todos como se a tendência da opinião pública fosse para a esquerda, e a condição do sucesso eleitoral consistisse, para todo candidato, em criar a ilusão de que ele está caminhando com velocidade maior ou menor, na estrada do socialismo. Alguns velhos mitos obcecam a grande maioria dos políticos: o de que o operariado é esquerdista, de que o são os jovens, e, de modo geral, os católicos. Isto porque os políticos comumente tomam as direções sindicais como expressões autenticas do operariado, uns punhadinhos de jovens contestatários, como se exprimissem toda a mocidade, e alguns Comblins como se fossem porta-vozes de todos os católicos.

Nos grandes partidos políticos brasileiros foram muitos os que caíram neste engano. Por isto é que o povo conservador, não sentindo neles um anteparo contra a mazorca, assistiu com evidente simpatia às transformações políticas de 64.

Se o Brasil voltar a uma plena normalidade democrática, pergunto-me se os nossos políticos compreenderão a grande lição dos fatos, e se portarão daqui por diante, como resolutos mandatários de um povo declaradamente conservador. Ou se, pelo contrário, eles não vencerão a magia dos velhos mitos e se porão, mais uma vez, a ostentar sentimentos esquerdistas fictícios, para preparar triunfos eleitorais ilusórios.

Se tiverem a sabedoria de evitar, a este respeito, os erros já cometidos, talvez readquiram o seu prestígio.

Mas se desde os primeiros momentos da euforia política, cortejarem as minorias esquerdistas, cairão novamente no vácuo. Neste vácuo terrível do qual tanto estão custando a escapar.


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