Folha de S. Paulo,
5 de novembro de 1972
Como
escapar ao vácuo
Ao
que parece, ganha corpo novamente a eventualidade de uma reabertura
política no País.
Isto
levanta naturalmente uma pergunta. - A atual ordem de coisas surgiu da
necessidade de conter a maré montante do comunismo. Se hoje - após quase
dez anos de regime especial - o povo brasileiro fosse convidado a
pronunciar-se pró ou contra o comunismo, em que sentido exerceria ele
sua opção?
Não
tenho dúvidas a este respeito. Creio que a esmagadora maioria de nosso
eleitorado se pronunciaria em favor da atual ordem de coisas.
Com
efeito, não vejo, no Brasil atual, qualquer possibilidade próxima de que
algum movimento reacionário, ou esquerdista, alcance a maioria
eleitoral. É possível que reacionários ou esquerdistas lograssem
aglutinar minorias pouco importantes por seu número, se bem que
significativas por seu entusiasmo ou sua capacidade de ação. Não vejo,
entretanto, no imenso bloco majoritário, a menor tendência a se cindir
pela atração dessas minorias opostas. Ele é conservador mesmo, e quer a
ordem atual como ela é.
É
claro que, na vida humana - considerada tanto no plano individual, como
no político - nada é absolutamente estável. Por isso, não creio que a
maioria do País seja conservadora no sentido mais estrito da palavra,
isto é, que deseje um imobilismo total. Tudo o que vive se move. E
tudo o que se move tem um rumo. Assim, no grande centro conservador, há
tendências para a direita, como os há para a esquerda. Mas tais
tendências, por paradoxal que isto seja, não são centrípetas.
Explico-me. O conservador de matiz direitista não deseja que o centro
se transforme em uma direita. Ele deseja apenas dar uma tintura
direitista à sua posição centrista. Quanto ao conservador de
esquerda, também ele não deseja que o centro caminhe para a esquerda.
Ele se contenta com dar um colorido esquerdista à sua posição centrista.
Bem
entendido, na imensa maioria conservadora, que aqui descrevo, não
incluo os esquerdistas cripto-centristas. Ou seja, os
democrata-cristãos, os progressistas, e outros tantos que
o público imagina que são centristas, por serem burgueses
confortavelmente instalados na vida. De fato, tais elementos são
esquerdistas, e na esquerda devem ser incluídos. Aliás, numericamente
são poucos, pelo que sua expressão, no presente quadro, é quase
irrelevante.
Goste-se ou não da realidade assim descrita, ela é obviamente tal.
* * *
Da
descrição, passemos agora ao comentário.
Antes
de tudo, parece-me importante ressaltar que nosso conservantismo não
é senão o reflexo nacional de um fenômeno internacional.
Nunca, no mundo inteiro, a propaganda comunista foi tão sagaz, tão
engenhosa e tão ágil. Nunca, também, ela fracassou tanto.
Um
exemplo é o malogro do imenso vagalhão guerrilheiro lançado a
partir de Cuba sobre todo o nosso Continente. Em matéria de ouro,
armas e propaganda, nada lhe faltou. Os próprios órgãos da sociedade
burguesa deram vulto ao mito do guerrilheiro heróico, que expõe a vida a
fim de conclamar as massas famintas para a destruição das desigualdades.
Sem embargo, as guerrilhas morreram, e isto não porque lhes faltasse o
apoio burguês, mas a solidariedade das massas. A mais recente prova
disso é o fracasso eleitoral dos tupamaros no Uruguai.
Outro fracasso do comunismo
está na ruína da democracia-cristã.
Excetuado - em alguma medida - o PDC alemão, no mundo inteiro a DC
funciona como um tobogã em favor do comunismo. Em alguns lugares,
ela se desacreditou inteiramente com isto. Haja vista a triste
situação de Frei no Chile. Em outros, seu desgaste chegou a tal
ponto que já não ilude nem atrai a mais ninguém, e é tida por todos como
o que é: uma linha auxiliar inexpressiva do marxismo.
Na
Itália,
a maioria do eleitorado deu crédito à DC. Mas quando ele, afinal,
começou a desconfiar que a DC não era senão um mecanismo de drenagem do
centro para a esquerda, esta teve de efetuar uma pirueta rumo à direita.
E, para não perder o poder, o PDC governa hoje a Itália num sentido
centrista... à espreita - é claro - da primeira ocasião para favorecer
novamente o comunismo.
Referi-me, de passagem, ao Chile. Não posso deixar de lembrar, a
este propósito, as convulsões enormes com que o país reage à política
de Allende: manifestação evidente do fracasso do governo marxista,
no tentame de conquistar a opinião pública.
Por
fim, Nixon, candidato do “Pravda” à presidência dos EUA,
certamente se reelegerá. Mas tal se dará, não porque os comunistas o
querem, mas porque ele arranjou jeitos de passar, no seu país, por
conservador. Sua vitória será uma grande vitória conservadora!
Assim, há uma onda conservantista no mundo. E o conservantismo
brasileiro é uma expressão local do conservantismo mundial.
-
Trata-se, no caso, de um conservantismo ideológico? Em outros termos,
toda essa avalanche conservadora resulta da solidez dos princípios em
que se baseiam as instituições atuais?
Não
creio. Estamos em presença de um fenômeno que é mais psicológico do
que ideológico. O Ocidente já passou, em nosso século, por
solavancos terríveis. É generalizada, nele, a persuasão de que novos
solavancos lhe poderão ser fatais. Por isto, a imensa maioria das
pessoas quer principalmente segurança. E assim não quer saber de
reformas nem de aventuras. É melhor parar.
* * *
O que
me desconcerta é o fato de que, tanto na Europa, como na América do
Norte (onde, entretanto, os conservadores canadenses acabam de vencer
nas eleições) quase todo o establishment parece ignorar esta fraqueza
do esquerdismo e esta pujança do conservantismo. Os políticos, Nixon
excetuado, atuam quase todos como se a tendência da opinião pública
fosse para a esquerda, e a condição do sucesso eleitoral consistisse,
para todo candidato, em criar a ilusão de que ele está caminhando com
velocidade maior ou menor, na estrada do socialismo. Alguns velhos mitos
obcecam a grande maioria dos políticos: o de que o operariado é
esquerdista, de que o são os jovens, e, de modo geral, os católicos.
Isto porque os políticos comumente tomam as direções sindicais como
expressões autenticas do operariado, uns punhadinhos de jovens
contestatários, como se exprimissem toda a mocidade, e alguns Comblins
como se fossem porta-vozes de todos os católicos.
Nos
grandes partidos políticos brasileiros foram muitos os que caíram neste
engano. Por isto é que o povo conservador, não sentindo neles um
anteparo contra a mazorca, assistiu com evidente simpatia às
transformações políticas de 64.
Se o
Brasil voltar a uma plena normalidade democrática, pergunto-me se os
nossos políticos compreenderão a grande lição dos fatos, e se portarão
daqui por diante, como resolutos mandatários de um povo declaradamente
conservador. Ou se, pelo contrário, eles não vencerão a magia dos velhos
mitos e se porão, mais uma vez, a ostentar sentimentos esquerdistas
fictícios, para preparar triunfos eleitorais ilusórios.
Se
tiverem a sabedoria de evitar, a este respeito, os erros já cometidos,
talvez readquiram o seu prestígio.
Mas
se desde os primeiros momentos da euforia política, cortejarem as
minorias esquerdistas, cairão novamente no vácuo. Neste vácuo terrível
do qual tanto estão custando a escapar.