Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

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Folha de S. Paulo, 29 de outubro de 1972 

Piparote salvador 

Infelizmente não foram muito claras as notícias dadas pela imprensa diária sobre recente debate na ONU. Mas, em síntese, parece tratar-se do seguinte:

a) como se sabe, utilizando os satélites para a transmissão de matérias televisionadas, pode um Estado fazer chegar noticiários ou comentários a qualquer parte da terra. E não existem meios técnicos para que outro país se defenda contra a transmissão.

b) a Rússia propôs aos demais participantes das Nações Unidas uma regulamentação internacional do uso dos satélites para efeitos de TV. Pois do contrário ela destruiria o satélite para impedir que servisse de instrumento de propaganda ideológica anticomunista em território dela. Este gesto, diga-se de passagem, não porá mal à vontade os filocomunistas que apregoam por todo o mundo a necessidade de derrubar as barreiras ideológicas.

À vista dessa atitude insólita do Kremlin, os EUA protestaram, defendendo o princípio da liberdade total das comunicações. E o assunto, depois de percorrer as comissões competentes, irá ter no plenário da ONU.

* * *

Como se vê, há no episódio uma confrontação entre duas ideologias opostas. Segundo a doutrina liberal, qualquer limitação da expressão do pensamento é contrária aos direitos do homem. Segundo a doutrina marxista, nenhuma liberdade é lícita se prejudica os interesses da revolução proletária.

Naturalmente, sobre o importante assunto terão de opinar outras nações, e entre elas o Brasil. - Que esperar de nossa diplomacia a tal respeito?

- Que tomasse posição inteiramente concorde com a dos EUA? Tal me pareceria insustentável. Bem entendida e judiciosamente utilizada, a liberdade é um dom inestimável de Deus. Porém, a liberdade absoluta, que inclui o direito de difundir tudo, e até a pornografia, é absurda.

Pelas notícias, nosso embaixador na ONU, Sr. Sérgio Armando Frazão, não aceitou a atitude norte-americana, e concordou, neste sentido, com a posição russa, segundo a qual - pelo menos em princípio - a liberdade de TV via satélite deve ser regulamentada.

Até aí, em tese, nada a estranhar.

O que, entretanto, os despachos telegráficos não deixam claro, é se o Brasil já indicou segundo que princípio deve ser feita a regulamentação.

A matéria é extremamente melindrosa, e pelo noticiário parece mais provável que nosso país ainda não se haja pronunciado a respeito.

Por isso mesmo, parece-me importante lembrar um aspecto que deve ser tomado em toda a consideração quando nosso País tiver que emitir seu pensamento e dar seu voto.

O regime comunista - enquanto ateu - é incompatível com as instituições da família e da propriedade privada e ipso facto contrário a toda a ordem natural. Imposta por uma camarilha heterogênea de fanáticos e de oportunistas, leva ele todos os povos das assim chamadas repúblicas soviéticas a um regime de verdadeira catástrofe material e moral.

Quanto à catástrofe material, ela é hoje em dia evidente, e se apresenta como um corolário inevitável da estatização. Basta pensar no insucesso agrícola espetacular da Rússia, na fome crônica dos países comunistas, nas panelas vazias que tinem no Chile, e no malogro agrário de Cuba. Tenho em mãos - é mais um exemplo - uma notícia da revista francesa "Catacombes", de agosto de 72, sobre a regressão da economia estatizada da Argélia. À era florescente do tempo da "dominação" francesa, vai sucedendo a penúria...

Quanto à catástrofe moral, é notório que um sismo de inconformidade ideológica sacode de ponta a ponta o imenso território soviético. Depois de 55 anos de esforço para persuadir o povo, este se manifesta mais infenso do que nunca à ideologia do Kremlin.

Está na natureza das coisas que a camarilha no poder, não podendo então manter-se senão pela violência, necessite cada vez mais apoiar-se na violência. A chamada União Soviética irá sendo cada vez mais uma prisão sombria, um inferno em vida.

Ora, o mundo não pode assistir indiferente a essa trágica evolução. No século XIX as nações européias intervieram legitimamente nos Estados do Oriente para impor a abolição de leis contrárias à ordem natural - a queima das viúvas por exemplo. Não pode o século XX desinteressar-se diante do fato de que no imenso Império comunista, que vai do Elba até as portas de Saigon, se pratiquem crimes indiscutivelmente mais numerosos e de maior gravidade. Pois impor a povos inteiros, pela violência, uma estrutura aberrante em tudo da ordem natural é crime muito mais grave do que os praticados outrora por caciques, sultões ou rajás, em suas respectivas dominações.

- Será que no século XX, o poder da civilização decaiu tanto que tem de renunciar hoje à tarefa vitoriosamente realizada no século XIX? - Não parece.

É bem verdade que o Ocidente está em declínio: ainda mais o está o mundo comunista. Bem ou mal, nosso regime vai sobrevivendo. Quanto ao regime soviético, um piparote dado com jeito e força o pode derrubar. Dar esse piparote é para o mundo livre um indeclinável dever.

* * *

Ora, tal piparote salvador bem pode ser a livre transmissão de notícias e comentários de televisão via satélite. Imaginemos que as massas sob dominação soviética, trabalhadas por profundo descontentamento, sejam informadas amplamente sobre o contraste entre as condições de vida no Oriente e no Ocidente. Admitamos que elas sejam sobretudo atendidas na sua imensa fome de Deus por um serviço de televisão que lhes apresente adequadamente as verdades da Religião. Tudo leva a crer que nesse caso, um imenso movimento de opinião só pode delinear, diante de cuja valia os carrascos do Kremlin desapareçam, pura e simplesmente do cenário político.

Temos o direito de recuar diante de tal tarefa?

Não é aqui o momento de fixar a fórmula pela qual sem cair na aceitação da absoluta liberdade de televisão o Ocidente também não aceite a proposta russa, que tornaria impraticável o piparote salvador.

Entretanto, uma reflexão me vem à mente.

Tem-se dito que está raiando na História a era da América Latina e, pois, também de nosso Brasil. Têm-se dito ademais que essa era deve inaugurar um novo estilo de grandeza no campo internacional. Uma grandeza cristã que não importe em agressão, nem domínio, mas na primazia de todos os bens do espírito e da matéria, larga e generosamente participados pelos demais povos da terra.

Seria bem esta uma ocasião para iniciar tal estilo de grandeza. Tudo faz recear que o desacordo entre as potências do eixo Washington - Moscou sobre o controle da TV Satélite passará pelo processo já clássico de exigências russas e concessões americanas, desfechando numa capitulação de Washington. Ou seja, no cerceamento tal da liberdade de televisão, que os povos comunistas não cheguem a se beneficiar do piparote salvador.

Será então o momento de nos opormos ao desalmado arranjo. Qual a fórmula que a família latino-americana (excetuados o Chile e Cuba) devem apresentar?

Volto a dizer, de um modo inteiramente preciso não sei, mas ao Itamaraty não faltam tradição, classe, lucidez e cultura para a elaborar em termos de ser aceito pelas nações irmãs.

A apresentação de tal fórmula abrirá, para além da cortina de ferro, uma nova era. Ela será pois uma linda clarinada anunciando a presença vitoriosa da América Latina nos assuntos mundiais. E dará a prova de nossa grandeza.

Grandeza corajosa. Grandeza benfazeja. Grandeza cristã!


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