Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

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Folha de S. Paulo, 8 de outubro de 1972 

Nossa grande aliança 

A realidade está patente aos olhos de todos: dois eixos possantes Washington-Moscou e Pequim-Tóquio, tentam monopolizar a direção do mundo moderno.

A palavra "monopolizar" sugere a idéia de que, neste afã, os dois eixos executam em comum uma manobra imperialista de envergadura mundial, para lhe desfrutar, também em comum, as vantagens eventuais. Ora, tantas e tão flagrantes são as fricções que entre eles - apenas constituídos os eixos - se delineiam, que parecem contrariar frontalmente a idéia de uma mancomunação de eixos para o domínio do mundo.

Não nego que, em sua maioria, tais fricções resultam de causas autênticas. Há, não obstante, algo de básico, de essencial que ambos os eixos vão tentando realizar em comum. É a simplificação da política internacional que, de poligonal e complexa, vai sendo reduzida a duas zonas de influência girando cada qual em torno do respectivo eixo.

Ultimado esse processo de bipartição, ficarão os dois grandes cúmplices aptos a se entredevorarem.

* * *

Esse processo está na natureza das coisas. A formação da dupla Washington-Moscou acarretaria quase forçosamente a da dupla Pequim-Tóquio, sob pena de os Estados amarelos aceitarem uma posição de nítida inferioridade.

Por sua vez, a formação dos dois eixos acarreta a constituição de uma larga área de influência em torno de cada qual.

Isto conduz, por sua vez, e quase automaticamente a que cada eixo tema, para o dia de amanhã, o poderio do outro. E daí se prepare para o aniquilar.

É este o jogo natural das competições e das cumplicidades, neste nosso século XX.

* * *

Claro está que "natural" não quer dizer aqui que assim seja a ordem natural criada por Deus. Esta não conduz a situações tão aberrantes.

Na realidade, a situação a que vai chegando, em seu último quartel, esse nosso século poluído, sangrento, neurótico e caótico, resulta dos defeitos dos homens.

Mas, deformada assim a ordem natural no convívio humano dela podem nascer naturalmente tais eixos.

* * *

Isto posto, o essencial para as nações - e sobretudo para as grandes nações à margem de ambos os eixos - consiste em defender-se.

Sim, porque é o acumpliciamento de dois grandes objetivando explorar e dominar a tudo e a todos. Face a um eixo, só há duas atitudes possíveis: resignar-se ou defender-se. Quem possui brio e força, se defende. Quem não possui nem uma nem outra coisa, tem de se submeter.

Daí concluo que ao Brasil, à América Latina, cabe a missão de se defender.

* * *

Temos brio. Em nossas veias corre o sangue latino, revigorado em sua pugnacidade pelas nobres tradições Ibéricas da Reconquista, bem como pela epopéia do desbravamento e povoamento das vastidões em que hoje vivemos soberanos. Somos católicos, e como tais resolvidos a enfrentar as peripécias da História com o que Camões chamava "Cristãos atrevimentos".

Mas temos também força?

* * *

Não pergunto aqui se estamos em condições de constituir um terceiro eixo. O eixo só tem dois pólos. E o agrupamento das nações que constituem a Ibero-América daria num polígono com facetas demais para ser reduzido a um eixo.

Além disso, aos povos ibero-americanos não interessa constituir-se num todo para devorar outras partes do mundo. O que temos nos basta largamente. Não precisamos meter a mão no bolso dos outros para conservar nosso atual padrão de vida, nem para o melhorar. Além do mais, não nô-lo consentiria nossa formação genuinamente cristã.

O que devemos formar é uma família de nações estruturada por firmes alianças de legítima defesa, contra quantos queiram nos dividir, atirar-nos uns contra os outros e, por fim, nos impor a escolha entre um dos eixos.

Falo aqui em tese, sem considerar a tristíssima realidade de que pelo menos duas nações de nosso continente - Cuba e Chile - já estão disputadas por ambos os eixos. Pois Moscou e Pequim lutam por absorver os governos comunistas de Havana e Santiago.

* * *

Dir-se-ia, à primeira vista, que a unidade do bloco ibero-americano tem algo de ilusório, pois marca a grande fenda que divide os hispano-americanos dos luso-americanos.

Na realidade, a Hispano-América está dividida em tantas nações, e se estira ao longo de uma extensão geográfica tão imensa, que dificilmente constituiria um grupo imperialista coeso contra um Brasil pacifico. De nossa parte, formamos um todo político e geograficamente muito mais compacto. Isto nos habilita - a fortiori nesta fase de desenvolvimento - a aspirar, num futuro indefinido, uma liderança imperialista. Mas tal perigo de nenhum modo existe, na ordem concreta dos fatos. Somos o povo de índole mais branda, de feitio mais pacifico que se possa imaginar. Valentes guerreiros em defesa própria, carecemos totalmente de sentido imperialista. E graças a Deus!

Assim, o imperialismo não é um risco neste continente ibero-americano, em que as nações são irmãs, e assim querem continuar.

* * *

Quanto à força da Ibero-América, não vejo realmente porque a considerarmos insuficientes para disputarmos, à luz do sol, um lugar absolutamente independente dos dois eixos.

Somadas as extensões territoriais do Japão e da China comunista, temos 9.980.000 Km2. A Ibero-América mede 20.500.000 Km2.

As populações do Japão e da China atingem o total de 850 milhões de habitantes. As da América Latina chegam a 280 milhões.

Estes dados, mesmo tomados em bruto, permitem afirmar que a grande aliança ibero-americana terá trunfos sérios para, com auxilio de uma política internacional avisada e solerte, escolher para si um caminho que não seja, nem o da formação de um bloco imperialista, nem o da resignação ao imperialismo dos eixos.

* * *

- Mas e na perspectiva de um China inteiramente industrializada pelo Japão? - A pergunta parece acachapante para nós. Pois onde está um Japão que nos industrialize? - Sem nos deixarmos absorver pela América do Norte, podemos manter com ela relações cordiais que ajudem nossa progressiva industrialização. O fundamento dessas relações está na tradicional cordialidade pan-americana, e também no fato de que precisamos da América do Norte... e ela cada vez mais de nós. Pois a medida que a política entreguista de Nixon for encolhendo as alianças americanas no mundo, tanto mais aos americanos do Norte se irá tornando preciosa a simpatia da grande família autônoma dos povos ibero-americanos.

É tudo questão, para nós, de tino e jeito: qualidades em que é rico o gênio.


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