Folha de S. Paulo,
8 de outubro de 1972
Nossa
grande aliança
A
realidade está patente aos olhos de todos: dois eixos possantes
Washington-Moscou e Pequim-Tóquio, tentam monopolizar a direção do mundo
moderno.
A
palavra "monopolizar" sugere a idéia de que, neste afã, os dois eixos
executam em comum uma manobra imperialista de envergadura mundial, para
lhe desfrutar, também em comum, as vantagens eventuais. Ora, tantas e
tão flagrantes são as fricções que entre eles - apenas constituídos os
eixos - se delineiam, que parecem contrariar frontalmente a idéia de uma
mancomunação de eixos para o domínio do mundo.
Não
nego que, em sua maioria, tais fricções resultam de causas autênticas.
Há, não obstante, algo de básico, de essencial que ambos os eixos vão
tentando realizar em comum. É a simplificação da política internacional
que, de poligonal e complexa, vai sendo reduzida a duas zonas de
influência girando cada qual em torno do respectivo eixo.
Ultimado esse processo de bipartição, ficarão os dois grandes cúmplices
aptos a se entredevorarem.
* * *
Esse
processo está na natureza das coisas. A formação da dupla
Washington-Moscou acarretaria quase forçosamente a da dupla
Pequim-Tóquio, sob pena de os Estados amarelos aceitarem uma posição de
nítida inferioridade.
Por
sua vez, a formação dos dois eixos acarreta a constituição de uma larga
área de influência em torno de cada qual.
Isto
conduz, por sua vez, e quase automaticamente a que cada eixo tema, para
o dia de amanhã, o poderio do outro. E daí se prepare para o aniquilar.
É
este o jogo natural das competições e das cumplicidades, neste nosso
século XX.
* * *
Claro
está que "natural" não quer dizer aqui que assim seja a ordem natural
criada por Deus. Esta não conduz a situações tão aberrantes.
Na
realidade, a situação a que vai chegando, em seu último quartel, esse
nosso século poluído, sangrento, neurótico e caótico, resulta dos
defeitos dos homens.
Mas,
deformada assim a ordem natural no convívio humano dela podem nascer
naturalmente tais eixos.
* * *
Isto
posto, o essencial para as nações - e sobretudo para as grandes nações à
margem de ambos os eixos - consiste em defender-se.
Sim,
porque é o acumpliciamento de dois grandes objetivando explorar e
dominar a tudo e a todos. Face a um eixo, só há duas atitudes
possíveis: resignar-se ou defender-se. Quem possui brio e força, se
defende. Quem não possui nem uma nem outra coisa, tem de se submeter.
Daí concluo que ao Brasil, à América Latina, cabe a missão de se
defender.
* * *
Temos brio. Em nossas veias corre o sangue latino, revigorado em sua
pugnacidade pelas nobres tradições Ibéricas da Reconquista, bem como
pela epopéia do desbravamento e povoamento das vastidões em que hoje
vivemos soberanos. Somos católicos, e como tais resolvidos a enfrentar
as peripécias da História com o que Camões chamava "Cristãos
atrevimentos".
Mas
temos também força?
* * *
Não
pergunto aqui se estamos em condições de constituir um terceiro eixo. O
eixo só tem dois pólos. E o agrupamento das nações que constituem a
Ibero-América daria num polígono com facetas demais para ser reduzido a
um eixo.
Além
disso, aos povos ibero-americanos não interessa constituir-se num todo
para devorar outras partes do mundo. O que temos nos basta largamente.
Não precisamos meter a mão no bolso dos outros para conservar nosso
atual padrão de vida, nem para o melhorar. Além do mais, não nô-lo
consentiria nossa formação genuinamente cristã.
O
que devemos formar é uma família de nações estruturada por firmes
alianças de legítima defesa, contra quantos queiram nos dividir,
atirar-nos uns contra os outros e, por fim, nos impor a escolha entre um
dos eixos.
Falo
aqui em tese, sem considerar a tristíssima realidade de que pelo menos
duas nações de nosso continente - Cuba e Chile - já estão disputadas por
ambos os eixos. Pois Moscou e Pequim lutam por absorver os governos
comunistas de Havana e Santiago.
* * *
Dir-se-ia, à primeira vista, que a unidade do bloco ibero-americano tem
algo de ilusório, pois marca a grande fenda que divide os
hispano-americanos dos luso-americanos.
Na
realidade, a Hispano-América está dividida em tantas nações, e se estira
ao longo de uma extensão geográfica tão imensa, que dificilmente
constituiria um grupo imperialista coeso contra um Brasil pacifico. De
nossa parte, formamos um todo político e geograficamente muito mais
compacto. Isto nos habilita - a fortiori nesta fase de
desenvolvimento - a aspirar, num futuro indefinido, uma liderança
imperialista. Mas tal perigo de nenhum modo existe, na ordem concreta
dos fatos. Somos o povo de índole mais branda, de feitio mais
pacifico que se possa imaginar. Valentes guerreiros em defesa própria,
carecemos totalmente de sentido imperialista. E graças a Deus!
Assim, o imperialismo não é um risco neste continente ibero-americano,
em que as nações são irmãs, e assim querem continuar.
* * *
Quanto à força da Ibero-América, não vejo realmente porque a
considerarmos insuficientes para disputarmos, à luz do sol, um lugar
absolutamente independente dos dois eixos.
Somadas as extensões territoriais do Japão e da China comunista, temos
9.980.000 Km2. A Ibero-América mede 20.500.000 Km2.
As
populações do Japão e da China atingem o total de 850 milhões de
habitantes. As da América Latina chegam a 280 milhões.
Estes
dados, mesmo tomados em bruto, permitem afirmar que a grande aliança
ibero-americana terá trunfos sérios para, com auxilio de uma política
internacional avisada e solerte, escolher para si um caminho que não
seja, nem o da formação de um bloco imperialista, nem o da resignação ao
imperialismo dos eixos.
* * *
- Mas
e na perspectiva de um China inteiramente industrializada pelo Japão? -
A pergunta parece acachapante para nós. Pois onde está um Japão que nos
industrialize? - Sem nos deixarmos absorver pela América do Norte,
podemos manter com ela relações cordiais que ajudem nossa progressiva
industrialização. O fundamento dessas relações está na tradicional
cordialidade pan-americana, e também no fato de que precisamos da
América do Norte... e ela cada vez mais de nós. Pois a medida que a
política entreguista de Nixon for encolhendo as alianças americanas no
mundo, tanto mais aos americanos do Norte se irá tornando preciosa a
simpatia da grande família autônoma dos povos ibero-americanos.
É
tudo questão, para nós, de tino e jeito:
qualidades em que é rico o gênio.