Folha de S. Paulo,
20 de agosto de 1972
Atual, mais do
que
nunca
Um
eclesiástico de alto nível recomendou-me que escrevesse um artigo
esclarecendo a seguinte questão: se a subversão está virtualmente
extinta no Brasil, do que serve ainda a TFP? Bem entendido o referido
eclesiástico não tem a menor dúvida a este respeito. Mas - observa ele -
há quem levante a pergunta, de sorte que um esclarecimento se torna
oportuno.
Atendo de bom grado à autorizada sugestão.
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Levanto uma preliminar. Segundo parece, os que formulam esta pergunta
entendem por subversão tão somente o terrorismo. Pois é só deste que se
pode imaginar que esteja mais ou menos extinto no Brasil.
A ser
assim, faço notar que a subversão pouco tem que ver com a TFP. A
repressão ao terrorismo é fundamentalmente prerrogativa do Poder
Público. Os fatos provam, aliás, que ele está dotado de todos os meios
para tal. E não precisa do concurso da TFP, como de nenhuma outra
entidade privada.
De
seu lado a TFP é uma sociedade cívica de caráter apolítico e
extrapartidária, a qual tendo em vista a ofensiva desfechada pelo
socialismo e pelo comunismo para extinguir o que resta da Civilização
Cristã, contra-ataca no plano social, desmascarando os erros
doutrinários dessas correntes, à apologia da tradição, da família e da
propriedade.
Note-se que nossa atuação se desenvolve, pois, num plano que nada tem
que ver com o terror. Está na essência deste a violência material. Só
uma repressão material o pode desarticular e derrotar. E para este tipo
de atividade estamos inteiramente desaparelhados. Naturalmente, aliás,
pois como acabo de dizer, tal não é nosso fim.
Sem
dúvida, nossa atuação ideológica e social prejudica o terror na medida
em que atacando o comunismo e apontando o que há de censurável na
violência, cria obstáculos ideológicos a que o terror seja visto com
simpatia por certos setores da população, e recrute adeptos.
Por
isto, o terror não gosta da TFP. Provou-o, à saciedade, a
bomba que ele
fez explodir em nossa sede central na madrugada do dia 20 de junho de
1969.
Mas
este subsidio ideológico, que assim prestamos - e com quanta alma - à
luta contra o terror, se situa em campo distinto da ação especificamente
antiterrorista.
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De
passagem faço reservas à afirmação de que o terror está quase extinto e
fora de combate entre nós. É patente que ele está menos ativo. Mas,
creio que por pouco que se descuidassem os poderes competentes ele
renasceria com a mesma força.
Um
incêndio não pode ser tido como extinto enquanto dele restam focos que,
mercê de alguma inadvertência, podem voltar a propagar-se
indefinidamente...
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Entretanto, o de que sobretudo discrepo é a confusão entre violência e
subversão, implícita na pergunta a que venho dando resposta.
Nem
toda violência é subversão. Nem toda subversão é violência.
O
crime de homicídio é essencialmente um ato de violência. Porém ele pode
não ter caráter subversivo. É o que se dá quando um homem mata outro,
digamos por motivo de jogo. A nota subversiva só está presente no
homicídio quando o móvel do crime foi a alteração da ordem política,
social ou econômica vigente. É o caso - por exemplo - de um terrorista
que mata um militar para atacar um quartel.
-
Então, o que é subversão?
- É
todo ato violento para mudar o regime vigente, sem dúvida. - Mas é só
isto?
- Em
outros termos, se alguém usasse de meios não violentos, de meios até
mesmo legais para alterar o regime vigente, seria subversivo? Na França
ou na Itália, por exemplo, onde a lei permite o funcionamento do PC,
este pode ser tido por subversivo?
Depende. Se por “subversivo” se entende só o que a lei declara tal,
então obviamente os PCs francês e italiano não o são.
Mas a
palavra subversivo, além desta dimensão, que lhe dá a técnica jurídica
contemporânea tem outra, filosófica e religiosa. E, segundo esta, os PCs
italiano e francês são subversivos.
O
sentido de “subversão” é correlato com o de ordem.
Se
ordem é apenas a disposição das coisas segundo as leis feitas pelos
homens, o regime comunista ou socialista podem ser ordem. Basta que
sejam impostos pelas leis humanas.
Mas,
a se pensar assim, justificar-se-iam muitos dos maiores crimes
registrados pela História: as perseguições aos cristãos no Império
Romano, a imolação das crianças cartaginesas em holocausto a Moloch, a
incineração das viúvas na Índia, ou, em nossos dias, as atrocidades
cometidas nas prisões e campos de concentração comunistas. Pois todos
estes atos foram praticados pela autoridade pública com fundamento em
leis vigentes.
Mas é
evidente que isto não é conforme à ordem, e que todos estes atos foram
criminosos. - Por que?
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* *
Porque Deus existe, e é o supremo Senhor de tudo.
Deus
instituiu uma ordem natural condensada nos Dez Mandamentos por Ele mesmo
revelados. E assim, não é lícito a qualquer Estado, mandar ou permitir
(não digo “tolerar” note-se) o que Deus proibiu. Nem proibir de fazer o
que Deus mandou.
Nesta
perspectiva, que é necessariamente a de todo católico, ordem acima de
tudo é a conformidade de todos - do Estado e da sociedade inclusive -
com a lei de Deus.
Ora,
o regime comunista é, por definição, a disposição do Estado e da
sociedade de modo exatamente contrário ao que Deus mandou. Ele subverte
toda a ordem querida por Deus. Logo, comunismo é a subversão. E
subversão por excelência.
E
isto, quer ele se implante pelas armas, como em Cuba, quer se estabeleça
pelas eleições, como no Chile.
A
subversão por excelência pode, portanto, não ser violenta. De tal
maneira são distintos os conceitos de subversão e de violência.
Neste
sentido - observe-se - não é só o regime comunista que é subversivo, mas
também o socialista, na medida em que este se inspira nas máximas
daquele, e com ele se parece.
E
isto porque um regime a que seja inerente a mutilação da família e da
propriedade - instituições consagradas pelo Decálogo - é tanto mais
subversivo quanto mais graves forem essas mutilações.
Subversivo no plano filosófico e religioso. Pois subverte o Reino de
Cristo na terra.
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Digo
isto de passagem, para chegar à conclusão. O marxismo, enquanto corrente
ideológica que, por meios pacíficos, tente implantar o regime comunista,
é intrinsecamente subversivo, pelo menos no plano filosófico e
religioso.
-
Quem ousaria afirmar que o Brasil de nossos dias não está às voltas com
o proselitismo doutrinário comunista?
Qual,
aliás, o país hodierno que, em medida maior ou menor, não está no mesmo
caso?
Logo
continua atual, mais do que nunca, a ação da TFP.