Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 16 de julho de 1972 

Dois elementos afins a um terceiro... 

Os acontecimentos que se vão desenrolando na Argentina obrigam todos os sul-americanos a voltar detidamente a atenção para o que se passa no grande e querido país platino.

Com efeito, através de toda uma série de decretos, Lanusse de há muito vem abatendo as numerosas barreiras levantadas por seus antecessores para vedar a Perón o acesso à Presidência da República. - Combinação entre ambos? - A pergunta tem seu cabimento, à vista de quanto Lanusse tem feito para favorecer a ressurreição política do velho demagogo.

 

       

À esquerda, Alejandro Agustín Lanusse (Presidente da Argentina de 26-3-1971 a 25-5-1973); à direita Juan Perón (Presidente da Argentina de 12-10-1973 a 1°-7-1974)

 

Salvador Allende (Presidente marxista do Chile de 3-11-1970 a 11-9-1973)

    

Castro, o ex-Presidente do Brasil Lula e Frei Betto (em 2005)

 

Contra essa hipótese, firmada em tão impressionante argumento, podem ser levantadas três objeções. Porém nenhuma delas, se analisada a fundo, resulta inteiramente convincente.

Assim, é verdade que, pari passu com as medidas pró-peronistas de Lanusse, as objurgatórias deste contra o exilado de Madrid têm sido freqüentes. E vice-versa. Porém, um observador desconfiado poderia perguntar se essa mútua descomponenda não serve de cortina de fumaça para ocultar, aos olhos do público a conveniência entre os dois solertes parceiros.

Não é menos verdade que, em favor de Lanusse, se poderia objetar o recente decreto de congelamento dos opulentos fundos bancários do justicialismo. Esse golpe contra a candidatura de Perón parece mortal, pois sem dinheiro não há vitória eleitoral possível. Ainda mais para um demagogo como ele. Assim, Lanusse teria demonstrado irretorquivelmente que não deseja a vitória de Perón.

À primeira vista, o argumento parece esmagador. Mas em rigor de lógica não prova grande coisa. Pois, ou o governo manterá esse decreto ou não o manterá. Se não o mantiver, o argumento ruirá. Se o mantiver, e apesar disso Perón alcançar grande votação, a conclusão será que o ex-ditador - cujos misteriosos recursos econômicos parecem inesgotáveis - tinha com que disputar o pleito eleitoral sem lançar mão dos fundos justicialistas. De sorte que o decreto de Lanusse terá sido tão inócuo quanto um golpe de espada dentro d’água.

Resta, como argumento a favor do general Lanusse, o decreto obrigando à residência na Argentina, a todos os candidatos à presidência da República nas próximas eleições. A hora em que escrevo, a imprensa brasileira dá como provável a promulgação de tal decreto, e acrescenta que ele resultará num veto implícito à candidatura do caudilho.

É possível que, quando sair a lume este artigo, o decreto já tenha sido publicado. - Neste caso, provará ele grande coisa? - Não me parece.

Com efeito, uma vez que o general Lanusse afastou, por sucessivos decretos, todos os obstáculos, legais a que Perón volte à sua pátria não consigo ver na obstinação deste em ficar em Madrid, senão um artificio para criar um hábil “suspense” propagandístico. Esse “suspense”, o velho demagogo o poderá fazer cessar logo que entenda oportuno.

Assim, até o momento nada há de decisivo - para os que não se contentam com fáceis aparências publicitárias - contra a hipótese de que Lanusse é de fato o principal artífice da candidatura de Perón.

 - Mas com que fito, perguntará alguém, se até há pouco ambos eram inimigos irredutíveis? - Se Lanusse também quer candidatar-se, talvez lhe seja útil levantar o espantalho Perón, para depois beneficiar-se do apoio da grande maioria eleitoral, que é antiperonista. Mas, ainda que Lanusse não se candidate, resta para sua ação pró-Perón, uma explicação.

A deplorável política de “queda das barreiras ideológicas”, inaugurada por Lanusse em benefício do governo comunista do Chile sugere a impressão de que entre o presidente argentino e o líder justicialista, há hoje em dia uma real afinidade ideológica. Com efeito, segundo fizemos observar em artigo anterior, a “queda das barreiras ideológicas” só serviu para prestigiar o comunista Allende, e enfraquecer a situação dos anticomunistas chilenos.

Ademais, no plano da política internacional latino-americana, a “queda de barreiras” debilitou a frente única anticastrista. Com sua habitual esperteza, o ditador cubano soube tirar partido da vantagem que assim lhe proporcionava o ditador argentino. Viajou para Santiago, e no caminho visitou os presidentes do Equador e do Peru. Este último país acaba de reatar suas relações com Cuba...

Assim, analisado Lanusse do ponto de vista ideológico, ele aparece, não como um comunista, mas como o que, no jargão comunista, se intitula um “companheiro de viagem” do PC. Precisamente o que é Perón...

*    *    *

Creio, aliás, que Perón é para Allende e Fidel um “companheiro de viagem” muito mais durável e amigo do que Lanusse. É precisamente o que credencia o esquerdista Lanusse a se beneficiar - se candidato - dos votos da imensa maioria eleitoral anticomunista.

Provar essa afinidade de Perón com Fidel e Allende não parece fácil, pelo menos aos olhos ingênuos. Pois Perón foi sem dúvida um demagogo igualitário, porém não chegou até onde estão Allende ou Fidel. - Como então sustentar a existência de uma estreita semelhança entre estes e aquele?

Disto se incumbiu o próprio Perón, em recentes declarações feitas ao hebdomadário italiano “L’Espresso”. Disse ele: “Estou ao corrente da situação no Chile, e me sinto em condições de afirmar que se passa agora com Allende precisamente o que ocorreu comigo entre 1946 e 1955”.

A tirada vale por uma confissão. Perón sente em Allende um como que sósia político. Ele vê, na bandeira conduzida por Allende, a sua própria bandeira. Na luta de Allende a sua própria luta. Nos inimigos de Allende, o símile de seus próprios inimigos.

Quer dizer, para Perón, Allende realiza em 1972 - com a inevitável decalagem dos tempos - uma obra igual à que ele, Perón, começou a executar na Argentina, e teria levado a cabo, se o povo conservador não lhe tivesse obstado. O mesmo povo conservador de sua pátria análogo ao povo conservador do Chile, que tenta agora barrar o caminho de Allende.

Quer isto dizer que, eleito o velho Perón procurará levar a Argentina para onde Allende está levando o Chile... e Castro já levou Cuba.

Para concluir lembro o velho princípio de que duas quantidades iguais a uma terceira são iguais entre si. Ele vale, não só para a igualdade como para a afinidade. Dois elementos afins entre si: “amigo de meu amigo, meu amigo é” diz o provérbio.

Perón se proclama afim com Allende. Este é afim com Castro. Ora, por sua vez Lanusse é afim com Perón...

Para onde pode levar tudo isto?

*    *    *

Não me venha algum formalista dizer que sou por demais livre nas minhas apreciações sobre Lanusse. Muito e muito mais do que digo, diz contra ele a própria imprensa Argentina, cuja liberdade ele respeita escrupulosamente: é aliás, este, um traço simpático do Presidente da Argentina de hoje!


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