Folha de S. Paulo, 9 de julho de 1972
Pobreza e tirania
A
carta que me escreveu o Sr. Carlos del Campo, Professor de Economia na
Universidade Católica de Santiago do Chile - da qual transcrevi a parte
inicial no domingo passado - despertou explicável interesse. A
mentalidade do homem contemporâneo leva o gosto pela experiência às
raias da idolatria. O que não tenha sido objeto de uma prova
experimental dificilmente lhe conquista a confiança. Ora, no Chile se
desenvolve uma trágica experiência, no que concerne ao regime comunista.
É normal que essa experiência, realizada tão perto de nós, altamente nos
interesse.
Assim, para satisfazer vários leitores, ofereço-lhes aqui mais algumas
informações sobre a situação no Chile, contidas na parte final da
referida carta, que com satisfação transcrevo.
*
* *
“Tenho em mãos, Professor, outros dados ainda sobre a situação econômica
em meu País, que confirmam os prognósticos anteriores.
A
produção de cobre (que representa 80% das exportações chilenas) sofreu
uma forte queda. “Chuquicamata”, uma das maiores minas de cobre do
mundo, com uma produção de 18 mil toneladas em dezembro de 1971 produziu
apenas 12.500 toneladas em janeiro deste ano. A produção de “El Teniente”
a segunda mina em importância, que foi de 195 mil toneladas em 1970,
caiu para 162 mil toneladas em 1971.
Cerca
de 80% do sistema bancário foi posto sob controle do Governo, por meio
de uma aquisição maciça de ações através do poder comprador do Estado.
Um dos efeitos dessa iniciativa foi que o sistema teve uma perda de 38
milhões de escudos no exercício passado.
No
Chile, a Reforma Agrária, que os esquerdistas e os “progressistas”
apresentam como uma panacéia para aumentar a produção, diminuir as
importações de gêneros alimentícios, e ao mesmo tempo elevar os salários
dos camponeses trouxe como conseqüência o caos econômico, reconhecido
pelo próprio Governo.
As
importações de gêneros alimentícios aumentaram de 80% no ano de 1971.
Nos três primeiros meses deste ano, o total das importações havia subido
de 313 milhões de dólares, dos quais 76% correspondentes a gêneros
alimentícios. Por outro lado os camponeses “beneficiados’’ pela Reforma
Agrária estão sendo praticamente sustentados pelo Governo, por meio da
Corporação de Reforma Agrária (CORA); isto porque suas dívidas para com
aquele organismo, originadas da concessão de empréstimos e adiantamentos
baseados em rendimentos futuros, não podem ser saldadas uma vez que o
nível desses rendimentos não o permite.
Como
pode ver, Professor, as reformas de base socialistas tiveram como
conseqüência o empobrecimento daqueles mesmo que, segundo a propaganda
demagógica, seriam os beneficiados. A “libertação” dos operários,
apregoada por essa propaganda, consiste em torná-los escravos do Estado,
do qual passa a depender a sua subsistência.
- E
o que acontecerá com os que não quiseram se submeter? - A resposta é
evidente: perseguição, e todo tipo de pressões e ameaças, para que os
que ainda queiram conservar sua liberdade sejam reduzidos a verdadeiros
“parias sociais” e “inimigos do povo”.
*
* *
-
Professor, esta carta já se alongou demais. Creio, porém, ser de
interesse acrescentar algumas considerações sobre as medidas que o
governo comunista de meu País está tomando diante desse panorama.
Forçado pela situação caótica a que sua política econômica levou o
Chile, e com o objetivo de alcançar uma das finalidades últimas do
marxismo, que é a implantação da ditadura do proletariado, o governo
iniciou o controle da distribuição de todos os produtos essenciais, e
mesmo daqueles dispensáveis, como automóveis, aparelhos domésticos, etc.
Dois
são os sistemas que o governo está utilizando para controle da
distribuição: o racionamento (“estanco”) e o sistema das “Juntas de
Abastecimento e Preços” (JAPs).
As
“Juntas de Abastecimento e Preços” são organismos que operam nos
bairros, com o objetivo de controlar os comerciantes varejistas e os
consumidores, para evitar açambarcamentos. São constituídas pelas
“Juntas de Vecinos’ (Juntas de Moradores) e “Centros de Madres” da área,
representantes sindicais no lugar; no caso de não existirem tais
organizações podem ser constituídas por cinco moradores.
Estas
organizações fazem parte do dispositivo do Partido Comunista para
implantar seu regime de perseguição e escravidão. Em um documento
oficial do Partido Comunista intitulado “Primeiro Plano Nacional para
1500 Juntas de Abastecimento e Controle de Preços”, estão anunciadas
todas as etapas para a implantação de tais juntas, as quais têm o
objetivo de “mobilizar um grande número de pessoas (em especial
mulheres) alheias à atividade política, efetuar uma obra de
arregimentação e ágil trabalho político junto aos comerciantes
varejistas realizar uma conseqüente luta ideológica em torno dos
problemas de falta de abastecimento, controlar os funcionários do
governo, quanto a sua idoneidade”. Cada célula comunista foi encarregada
de organizar um certo número de “Juntas de Abastecimento e Preços”. Até
o momento foram constituídas 560 JAPs, só na Província de Santiago.
O
sistema de racionamento é aplicado aos bens duráveis como automóveis,
refrigeradores, televisores, etc. Toda a distribuição está a cargo de
uma entidade estatal, que estabelece quotas para os comerciantes
varejistas. Ou seja, grande parte da distribuição dos produtos de
consumo, especialmente alimentos, está nas mãos do Estado, tanto através
do monopólio da distribuição como das organizações de bairro dirigidas
pelo Partido Comunista.
Como
se pode ver, vai-se constituindo no Chile toda uma estrutura comunista,
como em Cuba, na qual se controla o consumo de cada indivíduo por meio
de cartões de racionamento. Desta forma se estabelece uma verdadeira
ditadura de bairro, que escraviza a população sob a ameaça de que, se
não aceder às suas pressões, ser-lhe-á cortado o abastecimento de
produtos essenciais.
*
* *
Como
pode verificar, Professor, os frutos do comunismo são claros: miséria e
escravidão.
Quando a propriedade privada e a livre iniciativa são coarctadas, a
atividade econômica necessariamente decai e conduz ao termo a que Chile
está chegando.
O
Chile foi vítima de um processo que se iniciou com a Democracia Cristã e
atingiu seu auge sob o governo Frei.
Grande parte do Clero e dos setores dirigentes patronais, e mesmo dos
políticos chamados de direita, apoiaram as reformas de base iniciadas
por Frei entre as quais a Reforma Agrária. Hoje vemos as conseqüências.
Sirva esta experiência do Chile para que nossos Países irmãos repudiem
o canto de sereia dos demagogos socialistas e comunistas que muitas
vezes vem do mais profundo das sacristias e dos mais refinados salões...
Seu seguro
admirador”.