Folha de S. Paulo, 2 de julho de 1972
O que
faz a TFP contra a fome?
Há
quem me pergunte, de quando em vez, se a TFP se limita a combater o
comunismo, ou se também faz algo pelos pobres. Respondo invariavelmente
que faz. E presto as informações a este respeito contidas em um folheto
de propaganda difundido por nossos sócios e militantes em todo o País.
Contudo, tenho o máximo empenho em acrescentar que combater o comunismo
não é coisa distinta de lutar contra a pobreza. É pelo contrário, uma
forma supereminente de efetuar tal luta.
Disto
não pode duvidar quem leia esta valiosa carta, que recebi de um lúcido e
corajoso leitor chileno, o Sr. Carlos del Campo:
“Há
seis meses que estou residindo no Brasil, terra tão grata para os
chilenos pela tradicional amizade que une a nossos povos. Vi-me obrigado
a abandonar minha pátria pela situação política que nela impera. Como
católico, professor e pesquisador da Faculdade de Economia da
Universidade Católica de Santiago não tinha as garantias necessárias
para realizar, sem transigências, meu trabalho docente e de pesquisa. E
assim como tantos outros colegas, vi-me constrangido a deixar meu País.
“Tem-me sido dado admirar o interesse com que o povo brasileiro
acompanha os assuntos do Chile. Espero corresponder a tão simpática
atitude oferecendo-lhe - por seu intermédio, Professor - alguns dados
extraídos de fontes oficiais ou de jornais (inclusive comunistas) de meu
País.
“O
primeiro aspecto que tem sido ressaltado em algumas publicações
internacionais é o que se refere ao aumento da produção (PGB), durante o
ano de 1971, primeiro do governo comunista de Allende.
“Segundo dados oficiais, este teria sido de 9%, cifra relativamente
elevada, em comparação à média de 4,5% nos últimos dez anos.
“Para
espíritos desprevenidos, ou para o comum das pessoas não especializadas
na matéria, este fato refletiria um êxito da política do governo de
Allende.
“Preliminarmente, é necessário considerar dois aspectos do problema: de
acordo com os dados oficiais, um dos setores que mais teria contribuído
para esse aumento seria o da construção, que teria aumentado de 12,5%.
Ora, a produção de cimento permaneceu praticamente estacionada, o que
faz duvidar da cifra em questão. Se se corrigirem os dados conforme esta
observação, a produção no ano de 1971 teria aumentado apenas de 6%.
“Em
segundo lugar, é necessário analisar qual foi a causa desse crescimento
para, à vista disso, apurar se se trata de um mero resultado a curto
prazo, e, consequentemente se se prenunciam resultados negativos no
futuro.
“De
forma simples, pode-se dizer que dois fatores contribuem para a produção
de um país: o trabalho e o capital. O aumento no emprego destes fatores
e/ou uma mudança em sua “qualidade”, provoca um aumento na produção.
“Durante o ano de 1971, a inversão diminuiu de 8%, de acordo com os
dados oficiais, e de 16% segundo organizações privadas de pesquisa. Por
outro lado, a incorporação da população ativa na economia se manteve
constante em relação aos anos anteriores. Finalmente, existindo uma
inversão negativa, é de se crer que não tenha havido uma mudança na
“qualidade” dos recursos empregados. Assim, surge a pergunta: por que e
como houve aumento na produção durante o ano de 1971?
“A
essa pergunta cabe uma resposta sob dois pontos de vista: a) mal
iniciado o governo de Allende, houve um aumento no desemprego, que
chegou a cifras de 10 a 15% da população ativa; b) ao mesmo tempo, a
capacidade ociosa da economia alcançou a casa dos 60%, provocada pelas
incertezas do final do governo de Frei, e pelo começo do governo de
Allende. Por seu turno houve um grande acúmulo de estoque de matérias
primas.
“Ora,
através de uma política monetária que consistiu numa emissão maciça de
dinheiro e na imposição de quotas de produção, o desemprego foi
reduzido, a capacidade ociosa desapareceu e o estoque de matérias-primas
se esgotou.
“Como
se vê as causas do crescimento do produto em 1971 foram essencialmente
de caráter circunstancial e praticamente desapareceram como fonte de
algum crescimento futuro.
“A
isto se acrescenta, agravando a situação, a diminuição das reservas
internacionais de 327 milhões de dólares em setembro de 1970, para 57
milhões em dezembro de 1971.
“Destas considerações se infere que a política econômica marxista do
governo de Allende foi nefasta para o Chile, sobre o qual a sombra da
miséria começou a baixar em meados do ano passado.
“Isto
se confirma analisando as possibilidades de aumento da produção para o
ano em curso. A inversão tem origem na poupança. Nesta podem
distinguir-se a poupança interna, constituída pela poupança dos
indivíduos, das empresas e do setor público; e a poupança externa,
constituída pelo aumento das reservas internacionais provocado por uma
melhora na balança de pagamentos. Isto, por sua vez, dependerá da
balança comercial, do movimento de capitais e da dívida externa.
“Através da análise da poupança, é dado verificar quais são as
possibilidades do crescimento da inversão, e assim, nas atuais
circunstâncias do Chile, do crescimento da produção.
“No
Chile, a poupança individual foi tradicionalmente considerada como nula.
Na situação atual, não há nenhuma razão para esperar uma mudança nesse
sentido.
“Quanto à poupança das empresas, pode-se prognosticar algo semelhante.
Segundo o balanço publicado por mais de vinte empresas particulares das
mais importantes do país, 50% das que haviam obtido um lucro de 122
milhões de escudos em 1970, passaram a ter um déficit de sete milhões de
escudos em 1971. As restantes haviam diminuído seu lucro em julho de
1971, de 336 milhões para dez milhões de escudos.
“O
setor fiscal teve um déficit corrente (diferença entre receitas e
despesas correntes), de dois bilhões de escudos.
“De
acordo com o Orçamento Nacional para o ano de 1972 o setor fiscal
aparece com um déficit de 9,5 bilhões de escudos.
“As
empresas estatais e mistas constituídas pelas antigas empresas do
Estado, somadas às recentemente desapropriadas e confiscadas pelo
governo chileno, apresentam para o ano de 1972 um déficit corrente de
2,6 bilhões de escudos, como parte de um déficit total de 23,4 bilhões.
“Isto
é, o Estado aparece em 1972 com um déficit total de 33 bilhões, o que
eqüivale a 160% do total da quantidade de dinheiro existente na economia
em dezembro de 1971, ou seja 20,2 bilhões de escudos.
“Destas observações conclui-se que há poucas possibilidades de poupança
interna para o ano de 1972, tendo-se que financiar a atividade econômica
com a emissão inorgânica de moeda.
“A
balança de pagamentos em 1971 foi negativa em um montante equivalente a
368,3 milhões de dólares, e para o presente ano, de acordo com o
Instituto de Economia da Universidade Católica, prevê-se que atinja a
cifra negativa de 600 milhões de dólares.
“Quer
dizer, excluindo-se a possibilidade de um aumento da dívida externa, as
possibilidades de uma inversão positiva no Chile são nulas. Daqui se
infere que não se pode esperar um aumento na produção interna em 1972.
“Com
as reservas internacionais praticamente esgotadas, a possibilidade de
importação de produtos vê-se seriamente afetada. Logo, a oferta de bens
para a população do Chile não apresenta possibilidades de aumento, mas
de diminuição.
“De
todas estas considerações conclui-se que se agravarão necessariamente no
Chile os problemas de abastecimento, de desemprego e de inflação. A 30
de abril do corrente ano, a inflação já havia chegado a 38,5%: o que,
junto com o abastecimento e o desemprego, configura o panorama de
pobreza e miséria em que caiu o Chile”.
-
Mas, perguntará o leitor, qual a política do governo face a essa série
de desastres por ele mesmo produzidas?
Também a este respeito o Sr. Carlos del Campo tem importantes
informações a dar. Interrompo aqui sua missiva, cuja publicação
concluirei no próximo domingo.