Folha de S. Paulo, 25 de junho de 1972
Os
dois calcanhares
A
Europa é um Aquiles que não tem só um, mas dois calcanhares vulneráveis.
Desde
que corte o abastecimento do petróleo do Oriente Médio, a Rússia pode
paralisar, de um momento para outro, quase todas as indústrias e
transportes da Europa Ocidental.
Tal
medida vai sendo cada vez mais exeqüível, por duas razões. A primeira é
que o poderio naval soviético cresce cada vez mais no Mediterrâneo, o
que permite à Rússia eliminar ou prejudicar a fundo o transporte do
petróleo. A segunda é que o governo de coligação do Iraque, do qual
fazem parte comunistas, desapropriou a Irak Petroleum Company, a qual
funciona agora, com técnicos russos. A colocação e a distribuição do
petróleo ficaram a cargo da Rússia. Acresce que a penetração soviética,
sempre mais intensa no Irã, vai tornando periclitante a situação não só
do governo desse país, como dos sultanatos petrolíferos do Golfo
Pérsico. Assim, todo o petróleo do Oriente Médio poderá cair em breve
lapso de tempo, nas mãos dos soviéticos.
Este
é um dos “calcanhares de Aquiles” da Europa. O outro é a situação
militar.
Sem
petróleo, o esforço de guerra da Europa Ocidental fica reduzido a quase
nada. Mas há pior. Sem embargo de já se ter estendido pelo Mediterrâneo,
o poderio militar russo do norte da Europa atingiu índices alarmantes.
Os soviéticos superam a Europa Ocidental em poder aéreo na proporção de
sete para um. E o poderio naval deles está para o dos europeus
ocidentais na proporção de quatro para um.
Assim, pelo norte e pelo sul, a Rússia vai cercando a Europa Ocidental.
-
Mas, dirá o leitor, e a redução equilibrada das forças?
-
Respondo que esta só está sendo negociada, no momento, entre o Oriente e
o Ocidente, no setor central, vital (e, portanto, nem no norte nem no
sul).
Assim
facilmente se explica que a Rússia já tenha pronto um plano de invasão
da Europa Ocidental, consistente em ocupar o Continente e todo o litoral
do Atlântico em duas semanas. Em mais duas semanas, ela contaria
neutralizar toda a resistência na zona ocupada. Os Estados Unidos seriam
paralisados pelo terror de uma agressão atômica.
A
essa invasão, a Europa teria pouco a opor, pois a NATO só dispõe de onze
mil tanques, enquanto as nações do Pacto de Varsóvia dispõem de
dezessete mil deles.
O
mais provável é que, na iminência dessa invasão, a Europa Ocidental se
deixe “finlandizar”, sem qualquer resistência militar.
Ou
seja, os governos conservariam uma aparente soberania, porém, na
realidade, ficariam na dependência de qualquer aceno de mão dos Senhores
do Kremlin. Uma situação quase igual à dos países satélites.
Bem
entendido, a Rússia aproveitaria esta situação privilegiada para impor
gradualmente o comunismo aos países “finlandizados”.
*
* *
Diante desse conjunto de notícias e previsões catastróficas, o leitor
terá um sobressalto e me perguntará no que me fundo.
Quase
todos os dados que menciono têm como origem dois artigos publicados pelo
Sr. C. L. Sulzberger no “New York Times” e no “Estado de São Paulo” dos
dias 17 e 18 de junho último. De meu, só acrescentei alguns fatos de
notoriedade absolutamente universal.
O Sr.
Sulzberger é um jornalista conhecidíssimo, membro da poderosa família à
qual pertence o órgão nova-iorquino. Deste divirjo em tudo e por tudo.
Mas o leitor e eu sabemos que é um dos jornais mais importantes do
mundo.
Ademais, em seus artigos, o Sr. Sulzberger menciona fontes como o
serviço secreto norte-americano, e o relatório “A Europa e o
Mediterrâneo”, recentemente aprovado pela União da Europa Ocidental.
Por
fim, acresce que o jornalista yankee está muito longe de ser - como eu -
um anticomunista empenhado em alertar a opinião mundial contra o perigo
russo. Não se acha, pois, exposto à desconfiança “sapa” de que ele
exagere o perigo russo, para despertar uma reação do Ocidente.
Por
isso, é sem indignação que o Sr. Sulzberger constata, em um de seus
citados artigos, a seguinte catástrofe: “É inegável que a Europa
Ocidental está se tornando cada vez mais irreversivelmente dependente da
boa vontade de Moscou quanto à manutenção de sua segurança e progresso
econômico”.
A
serenidade do articulista americano tem uma causa. Diz ele: “A União
Soviética deseja sinceramente uma conferência pan-européia de segurança,
logo seguida por um acordo formal entre Leste e Oeste, e está preparada
a pagar pela ratificação das fronteiras vigentes na Europa, concordando
com alguma espécie de redução mútua e equilibrada de forças dos
exércitos do Pacto de Varsóvia e da NATO”. Para o Sr. Sulzberger,
continua assim aberta uma esperança no meio dessas trevas. Ele crê que
“a tendência para uma “détente” venha a reduzir a ameaça de crise”.
Tudo
isto bem mostra ao leitor quão insuspeito é o redator do “New York
Times”, de querer criar, com seus artigos, um sobressalto anticomunista.
*
* *
- E
eu, por que motivo trato aqui destes assuntos?
Recuso-me a admitir que esteja tudo perdido. Porque pertenço pela graça
de Deus à categoria de homens que lutam animosamente, mesmo com os mais
minguados recursos, contra o mais poderoso adversário. Porque, acima de
tudo creio na Providência Divina, e sei que pelos rogos de Nossa
Senhora, os bons jamais serão abandonados em sua luta contra o mal.
Porque, assim, cumpre alertar logo os bons. Não se pode prestar ao
Ocidente, mais fatal desserviço do que deixá-lo dormir diante do perigo
que se avoluma.
Não
sei fundado exatamente no que, o Sr. Sulzberger afirma que a se
efetivarem as hipóteses catastróficas por ele mencionadas, isto só se
daria daqui a “vários anos”.
Isto
importa em dizer que ainda há muitas resistências por vencer. Entre
estas está - em nossos tempos de agressão psicológica - a resistência
dos homens de fibra no mundo inteiro.
Estimular essa resistência pela consideração feita a tempo do perigo,
criar um ambiente de Fé e coragem, é dever de todos.
Para
o Sr. Sulzberger, como vimos, o perigo não existe, porque se pode
confiar nas intenções pacíficas dos russos.
Os
que, no mundo livre, participam de sua candura, são uma minoria
insignificante. Essa minoria não levará a melhor se os que não crêem na
boa fé soviética despertarem.
Eis porque escrevi
este artigo.