Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

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18 de junho de 1972 

Elogiar - essa alegria 

A imprensa nacional publicou há dias, rápidos excertos da alocução do Cardeal Antônio Caggiano, Arcebispo de Buenos Aires, no Santuário de Nossa Senhora de Luján, durante a Missa de abertura da recente assembléia do Episcopado argentino.

Tão sugestivos me pareceram os textos publicados, que procurei na imprensa portenha mais amplos dados sobre a homilia do eminente purpurado. Em “La Nación” de 9 de maio encontrei largas citações da alocução. Muitos dos tópicos transcritos no grande órgão do país irmão conservam - mesmo decorrido mais de um mês - uma atualidade flagrante. E,  ademais, apresentam um interesse que não se circunscreve ao território argentino, pois concernem à crise que desgraçadamente, afeta por toda a terra a Igreja Católica. Assim, julguei prestar bom serviço a meus leitores, reproduzindo hoje algumas das observações e reflexões mais relevantes, expressas por Mons. Antônio Caggiano.

Ainda que em um ou outro ponto eu tenha - quanto a mim - algumas poucas reservas a fazer ao texto do ilustre Arcebispo de Buenos Aires, tenho por certo que, com sua alocução ele prestou um insigne serviço a sua pátria e a toda a América Latina.

Dizendo-o, experimento uma verdadeira alegria. É a deliciosa alegria de elogiar. Passo – entre os que não me conhecem na intimidade – por homem batalhador e afeito à polêmica. A verdade é precisamente o contrário. Sou cordato a ponto de chegar quase ao fleumático. Alegro-me em concordar e elogiar. Se entro em tantas controvérsias, não é por gosto, mas pelo senso do dever. De fato, nos dias em que vivemos, são muito mais numerosos os temas que obrigam à crítica, do que os que convidam ao elogio. A ocasião de fazer um elogio sério e sincero raras vezes se apresenta. Isso torna tanto mais preciosa a alegria de o fazer quando se dá azo a tal. Nesta alegria há um requinte, quando o elogio tem por objeto palavras de um alto hierarca da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Para um filho, nada há de mais grato do que elogiar seu pai. E, em certo sentido, o católico vê um pai em cada hierarca da Santa Igreja de Deus.

*    *    *

Destaco um primeiro tópico do sermão do Cardeal Caggiano:

“Uma profunda crise não só de caráter disciplinar, como também doutrinário, irrompeu no seio da Igreja, com a violência de um vendaval. Já não se procura utilizar o que, sendo transitório e mutável, deve corresponder às exigências das transformações humanas, como anelava S. S. João XXIII, mas a quem, tendo por obsessão a necessidade das reformas de estrutura, não se detém diante da própria constituição Divina da Igreja, nem de seu Magistério da verdade revelada. A crise é, pois, também de Fé. Ela é grave e se estende amplamente. Afeta visivelmente a unidade da Igreja; e o povo de Deus, que a contempla e a apalpa entristecido, sofre os impactos do escândalo.

“Em ambas as ordens, tanto na religiosa como na civil, sofremos e tememos conseqüências mais graves: sentimos acima de tudo a necessidade de ajuda de Deus, que hoje humildemente imploramos, pela intercessão de nossa Mãe do Céu, em seu título de Luján.”

Está aqui bosquejado uma panorama que tantos não vêem, ou fingem não ver...

*    *    *

Depois dessas lúcidas e graves palavras, Mons. Antônio Caggiano aponta o nexo entre o reformismo religioso e a subversão. Ainda aqui, suas palavras merecem ser lidas e analisadas com atenção:

“Antes de tudo, nesta hora grave e decisiva, devemos à nação e à opinião pública, a verdade sobre os perigos que a ameaçam (...).

“A crise que padecemos é muito grave porque fundamentalmente é uma crise moral e não se lhe pode dar remédio, nem com decretos nem com imposições. Os problemas e perigos são múltiplos; porém, entre todos, um é que se destaca como o mais grave e urgente.

 “É necessário que toda a opinião pública se dê conta do iminente perigo que nos ameaça, com a substituição de nossas instituições tradicionais, livres e democráticas, por um governo materialista e totalitário, marxista e anti-humano. Não é outro o intuito do chamado regime socialista, com a erradicação total do direito de propriedade privada e até dos instrumentos de trabalho nas empresas.

“A guerra psicológica teve o cuidado de esvaziar de seu próprio conteúdo muitas palavras, dando-lhes outros. Assim conseguiu que enquanto por detrás da cortina de ferro, o regime inumano que interpôs a mesma cortina entre irmãos se intitule de “Republicas Socialistas” em nosso continente muito poucos se alarmam quando parte dos concidadãos intentam implantar um regime socialista com as características acima mencionadas”.

O caráter fundamentalmente moral – e portanto religioso – da questão social, a gravidade da ameaça comunista, aqui ficam apontadas com mão de mestre e autoridade de Pastor.

Depois de assinalar que no vocabulário católico e no socialista se encontram palavras iguais, o prelado mostra como entretanto, a guerra psicológica procura lançar um véu sobre o fato de que essas palavras tem, em um e outro vocabulário, sentido diametralmente oposto. E por esta confusão, tentam os comunistas atrair ardilosamente para seu campo a opinião católica.

Diz Mons. Caggiano:

“A igualdade, a justiça e a solidariedade evangélicas da doutrina social da Igreja se fundamentam, primeiro, no amor, não no amor humano, como no amor de caridade, que supõe uma religião teocêntrica.

“Segundo, no livre arbítrio cujas decisões ou determinações individuais são o que há de mais sagrado na pessoa, e em conseqüência, tão respeitáveis quanto ela mesma na solidariedade e no respeito da pessoa humana, cujos direitos estão contidos no cumprimento do mandato novo que o Senhor deu aos seus discípulos, dizendo-lhes: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”.

“É esta porventura a igualdade, a Justiça e a solidariedade da ideologia do socialismo da cortina de ferro? Todavia, para opróbrio da civilização, essa cortina está à vista de todos, mas às futuras gerações custará crer (...) que existiu a infâmia da cortina de ferro para dividir os irmãos. O que há por detrás dela a estruturação da vida social segundo critérios quantitativos, prepotência e arbitrariedade contínuas, e coletivismo imposto pelo totalitarismo estatal”.

No contexto geral da alocução de Mons. Antônio Caggiano, o neo-reformísmo “católico” apresenta dois aspectos, um essencialmente religioso, e outro sócio-econômico. O primeiro consiste na investida contra os dogmas e a estrutura da Igreja O segundo importa na arremetida contra as nações do Ocidente, suas tradições e suas estruturas.

Assim, a grande crise religiosa que afeta a Igreja, ao mesmo tempo põe em causa a ordem temporal e a civilização. O que - concluo eu - torna impossível que alguém se alinhe nas fileiras dos demolidores da ordem eclesiástica, sem ser ipso facto um torcedor (quando não um agente) da subversão.

É esta, mais uma importante conclusão diante da qual os dias de hoje não permitem que se mantenha alguém com os olhos cerrados.


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