Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 11 de junho de 1972 

Deus julgará 

Para definir numa fórmula concisa — se bem que algum tanto pedante — o que resultou de mais essencial do encontro de Moscou, pode-se dizer que as relações entre o mundo comunista e o não comunista passaram da fase polêmica para a dialética.

Em outros termos, antes das visitas de Nixon a Pequim e Moscou, a opinião pública ainda permanecia na convicção de que os dois mundos estavam em luta ideológica: o Ocidente baseado em algumas verdades perenes e absolutas, herdadas do patrimônio espiritual cristão, e o Oriente afirmando como um dogma a relatividade e a mutabilidade de todas as doutrinas... exceto a do relativismo.

Depois dos conciliábulos de Pequim e de Moscou, ficou implicitamente notificada toda a humanidade, de que para as superpotências não há erros nem verdades absolutas, e todas as oposições ideológicas encontram sua solução, não na polêmica, mas no diálogo. Sim, o diálogo. Isto é, um meio labioso e macio de encontrar, em cada pendência, uma situação intermediária, na qual as partes se encontram. Cada uma cede um tanto de sua ideologia, e dessa barganha surge, não a verdade, mas a “verdade”, isto é, um imbroglio qualquer, que ninguém toma inteiramente a sério, e que os acontecimentos se incumbirão de levar na grande enxurrada da História.

Foi animado desse espírito, que Kissinger exclamou, depois do acordo: “A Rússia e os EUA poderão dialogar como nunca o fizeram no passado”. Leonid Zamiatin, diretor do centro de imprensa de Moscou, afirmou mais ou menos o mesmo.

— Para onde essa euforia dialética conduzirá o mundo? A resposta é fácil. Basta ver para onde o está conduzindo desde agora.

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Do lado soviético, num artigo do Pravda, foi dada uma interpretação do acordo, que dá margem a tudo. Afirma o jornal que a Rússia obteve uma vitória diplomática, ao conseguir que os americanos aceitassem o fim da guerra fria, e o início de uma era de paz. O jornal acrescenta que esse êxito do Kremlin está na linha estratégica de Lenine. Ora, para Lenine, a paz é desejável sempre que pela frente esteja um adversário mais forte. É preciso então tirar partido da paz, a fim de superar o inimigo, em riqueza e poder. Isto obtido, os comunistas devem recomeçar a agressão.

Explica-se assim a sofreguidão com que os soviéticos desejam receber financiamentos e apoio tecnológicos das grandes nações não comunistas, como os EUA, a Alemanha e o Japão. Foi combinado em Moscou que o Kremlin e a Casa Branca estabelecerão desde logo comissões para ativar o intercâmbio entre os dois mundos (o intercâmbio entre o rico e o esfarrapado!), e proporcionar, desse modo, à Rússia, as vantagens que almeja.

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Enquanto assim cuida de enriquecer-se, a Rússia aproveita a paz do diálogo, para vibrar contra o Ocidente um terrível golpe econômico. O governo de Bagdad, do qual fazem parte comunistas, pouco depois da visita de Nixon a Moscou, nacionalizou (entenda-se “confiscou”), uma empresa de capitais ocidentais, a Irak Petroleum Company, a qual, através de oleodutos que passam pela Síria e pelo Líbano, fornece grande parte do petróleo usado pelo Velho Mundo.

Segundo se infere do noticiário da grande imprensa, esse petróleo passará a ser exportado para a Rússia. E esta, benignamente, passará a fornecer petróleo russo para as nações ocidentais às quais falte o petróleo iraquiano.

A Síria, horas depois do Iraque, também confiscou os bens da grande empresa petrolífera. E o Líbano conservador estremece. Tudo isto sucede num Oriente Médio já convulsionado.

Com efeito, visitando a Pérsia logo depois da Rússia, Nixon foi recebido com bombas e atentados simbólicos, deflagrados pelos agentes dos mesmos anfitriões que acabavam de o recepcionar em Moscou. É a insurreição que ferve no domínio do Xá, com o objetivo de impor também ali um governo de coligação pró-comunista, e drenar depois as imensidades de petróleo do Golfo Pérsico para a esfera de influência russa.

O leitor, ao considerar seriamente esse feixe de notícias sinistras, por certo se assustará. Não sei se Nixon se assustou. Em caso afirmativo, seu susto terá sido de curta duração.

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Com efeito, logo depois de visitar a Pérsia, Nixon voou para Varsóvia. Ali, aclamou-o uma população delirante de entusiasmo que nele via o possível salvador do pobre país esmagado pelos comunistas. Nixon discursou. E nada de melhor achou de fazer, aos desditosos varsovianos, o elogio dos progressos alcançados pela Polônia depois da II Guerra Mundial. Ou seja, sob a ditadura comunista...

Ao ouvir isto, o que teriam pensado as famílias dos operários que há menos de um ano atrás se revoltaram em Dantzig, movidos pela miséria?

Foi com este golpe nas esperanças de libertação da Polônia que Nixon deu uma prova — e que prova! — de sua sinceridade no diálogo com Moscou. Em Teerã, acabava ele de receber uma prova da insinceridade dos soviéticos...

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Assim, a Rússia vai aproveitando a paz dialética para ir-se enriquecendo e depauperando o adversário. Mas para preparar a III Guerra Mundial, isto não lhe basta. É-lhe necessário, ainda, levar os americanos a aceitar a decadência de sua influência mundial e de seu poderio militar.

Quanto à retração da influência americana, aceita-a clara, se bem que implicitamente, o presidente Nixon, no discurso eufórico que dirigiu ao Congresso de seu país. Disse ele que os EUA conservavam suficiente poderio para se defenderem a si próprios contra uma agressão russa. Nenhuma palavra acrescentou quanto à defesa do resto do mundo livre. Em outros termos, a América do Norte se dessolidariza dos outros países não comunistas, expostos assim à sanha de Moscou.

Mais especialmente sobre a América Latina, certos telegramas dizem que Nixon tentou obter dos soviéticos um abrandamento do seu esforço subversivo nesta parte do globo. Como os soviéticos recusassem, o presidente americano teve que renunciar a qualquer referência aos países latino-americanos no comunicado conjunto.

Como vão longe os dias Monroe...

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Ao mesmo tempo, os EUA começaram a reduzir solicitamente seu esforço de guerra. O Secretário da Defesa, Melvin Laird, ordenou logo a suspensão de todos os projetos militares que violam o tratado sobre a limitação de armas estratégicas, assinado em Moscou.

 

— Que garantias tem Nixon de que a Rússia fará o mesmo? Segundo Kissinger, os meios de fiscalização dos EUA sobre o desarmamento russo são efetivos. Pelo contrário, James Reston, colaborador do New York Times, reconhece que não há meios seguros de comprovar o cumprimento dos acordos pelos russos.

Esse ponto absolutamente essencial fica, pois, na incerteza. Temo que o mundo venha a pagar caro essa incerteza!

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— Mas, dirá alguém, Nixon terá enlouquecido? — A hipótese é evidentemente inaceitável. James Reston, sem aludir diretamente a Nixon, colocou o problema em termos bem claros. Se alguém acha possível que os soviéticos estejam de boa-fé, terá razões para esperar que a política de Nixon evite a guerra. Se, pelo contrário, considera impossível a boa-fé soviética, deve admitir que a política de Nixon não evita a guerra. E, de minha parte, acrescento que essa política prepara a guerra, na medida em que dá meios aos soviéticos para se fortalecerem e se atirarem depois contra os EUA.

Que Nixon, um homem de pouca doutrina e muito pragmatismo, acredite na palavra dada pelos soviéticos, apesar do amoralismo visceral do marxismo, não espanta.

O que, para mim, fica sem explicação é como possa ele ter abandonado à sanha russa todo o mundo livre, inclusive a América Latina, chegando até a fazer a apologia da ocupação russa diante dos pobres poloneses, isto tudo no momento em que, no Oriente Médio, a Rússia vai devorando jazidas petrolíferas dentre as principais do mundo e pondo assim de seu lado meios inapreciáveis para ganhar uma nova guerra.

Seja como for, cesso hoje meus comentários sobre o conciliábulo de Moscou.

A História algum dia esclarecerá os fatos, e os julgará.

E, mais do que tudo, os julgará Deus no grande dia do juízo último.


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