Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 4 de junho de 1972

Shorts e comunhões sacrílegas 

O que pensa, leitor, dos seguintes dizeres inscritos num pôster representando — sem gosto nem piedade — a Face sagrada do Filho de Deus:

“Decididamente, é interessante. Cristo se arrancou de seu ambiente familiar, onde O encontrávamos normalmente e resolveu se democratizar. Saiu das igrejas, das sacristias, e resolveu andar por aí. Hoje a gente O encontra entre hippies, entre toxicômanos, entre os de “cabelos longos iguais aos dele”. Hoje pode estar tanto em uma favela como nas paradas de sucesso, cantado por Roberto Carlos ou Antônio Marcos. Bom isto, muito bom! A gente começa a topar com Ele onde menos se espera. E Ele se sente muito à vontade em seu ambiente. Aliás Ele sempre foi homem do povo. Gostava de se misturar com a massa, estar com ela. E sem dúvida agora Ele começa a sentir-se novamente em seu meio. De uma maneira ou de outra, em long-plays ou slogans, em pôsteres ou em comunidades hippies, Ele volta a ser povo. Nós O fomos encurralando,   apertando-O e acabamos por encerrá-lo entre quatro paredes das igrejas de pedra. Vestido em ouro, um Deus distante, difícil de encontrar. Mas a gritos de “volte logo” Ele começa a se manifestar, como Ele é. Um dos nossos, da nossa raça, um Deus que se mistura com a gente e vive conosco. Vem dizer tudo de novo porque a gente esqueceu. Ou então acabamos por adaptar o que Ele disse ao nosso comodismo (a covardia dos que escutam só o que convém). A nós só resta não estragarmos mais sua figura. Ele já se cansou de carregar cordeirinho nas costas”. E seguem mais algumas referências a “Cristo dourado”.

A meu ver, nesse texto se juntam a confusão, a demagogia e a irreverência. Uma irreverência que tem o sabor amargo da blasfêmia.

Uma análise cuidadosa desse aranzel consegue desfazer a confusão, e por em evidência o desrespeito e a blasfêmia.

Com efeito, este Cristo que “resolveu se democratizar”, saindo das igrejas e das sacristias, parece imaginado sob medida para justificar certos padres e freiras défroqués e hippificados, que por aí andam. Também eles “resolveram se democratizar”, e deixaram igrejas, conventos e sacristias. Abandonaram até a própria vocação, e afundaram de cheio na vida profana.

A esses infelizes, onde se os encontra? — Jamais nos lugares sagrados, dos quais desertaram, mas “entre hippies, entre toxicômanos, entre os de “cabelos longos iguais aos dele”. Por vezes, podem ser encontrados “em uma favela”, distribuindo com parcimônia o pão que mata a fome, e a mancheias, o alimento espiritual ácido e envenenado da pregação revolucionária.

Em tudo isto, o Cristo “democratizado”, isto é, o Cristo modernizado, desalienado e desmistificado do pôster, é a imagem perfeita do sacerdote que, para seguir Marx e a moda, rompeu de todo com sua vocação.

Diante desse estranho “Jesus Cristo”, o comentário do pôster é: “Bom isto; muito bom! A gente começa a topar com Ele onde menos se espera”. Justificativa jeitosa para o sacerdote prevaricador, que leva a indelével dignidade do sacramento da Ordem por todos os lugares em que as leis da Igreja, o bom senso, o decoro, pediriam que ele jamais pusesse o pé.

Não espanta que, assim inconformado com a verdadeira figura moral do Homem-Deus, o pôster ataque também as leis, modos e estilos que a Igreja sempre adotou. Jesus Cristo, sacrilegamente “modernizado”, “se sente muito à vontade” — acrescenta o pôster — em seu ambiente. Ele sempre foi homem do povo. Gostava de se misturar com a massa, estar com ela (...) nós O fomos encurralando, apertando-O e acabamos encerrá-lo entre quatro paredes das igrejas de pedra”. Em outros termos, a Igreja teria cometido, até aqui, o erro imperdoável de isolar Nosso Senhor Jesus Cristo do povo que Ele veio ensinar e salvar. Jesus Cristo teria estado “encurralado, apertado e encerrado” nas igrejas que a abnegação e a devoção de todas as gerações que nos precederam, construíram para O abrigar.

Libertado desses cárceres sagrados, Jesus Cristo, hippificado, diz o pôster, “começa a sentir-se novamente em seu meio”, tendo à sua direita a corrupção, à sua esquerda a subversão, e diante de si uma farta coleção de tóxicos.

Vinte séculos de vida, em que a Igreja se dilatou por toda a terra, instituiu a Civilização Cristã , e levou ao fastígio da virtude, do saber e da força as nações por Ela influenciadas, na realidade teriam sido vinte séculos de desvio. Jesus Cristo, “vestido em ouro”, teria sido afastado do povo pela Igreja, ter-se-ia tornado “um Deus distante, difícil de encontrar”. Ainda bem que a contestação arrombou as portas do santuário, arrancou ao Divino Rei as insígnias de sua Realeza e O arrastou para o meio dos hippies. Os adornos majestáticos lhe teriam comunicado uma fisionomia de mentira e de impostura. Nessa mentira e nessa impostura — sempre segundo o pôster — a Igreja teria vindo até aqui. Mas dessacralizado, desmistificado, profanado, “Ele começa a se manifestar como Ele é. Um dos nossos, de nossa raça, um Deus que se mistura com a gente e vive conosco”. Como se, durante vinte séculos, as igrejas tivessem ficado vazias e nelas não tivessem penetrado as multidões. Como se, nas igrejas, Nosso Senhor não se tivesse dado largamente aos homens, quer pela presença Real, quer pela palavra, quer pela graça. Como se nesses vinte séculos, gerações contínuas de sacerdotes, de religiosos, e de apóstolos leigos não tivessem levado Nosso Senhor Jesus Cristo a todos os ambientes em que fosse lícito e decoroso levá-lo. Como se Ele não tivesse sido levado progressivamente a todos os confins da terra.

Dispenso-me de continuar a análise do texto. Registro simplesmente esta ironia blasfema contra as imagens que nos apresentam Nosso Senhor Jesus Cristo como o Bom Pastor: “Ele já cansou de carregar cordeirinho nas costas”.

Quando um católico conserva na alma umas gotas apenas de Fé e devoção, uma prece se evola de seu coração para o céu, ao ler abominações tais: Usque quo, Domine? — “Até quando, Senhor, até quando” tolerareis aberrações como estas?”

*    *    *

Em Campos, a feliz diocese fluminense confiada ao zelo arguto e destemido do grande bispo D. Antônio de Castro Mayer, a punição veio.

Esse pôster servia de propaganda a uma Missa que se realizou no ginásio do Automóvel Club de Campos. A solenidade foi marcada por irregularidades que o pôster bem fazia temer. Mas a sanção eclesiástica não tardou. Em comunicado largamente distribuído, D. Mayer fez saber ao público a sua desaprovação formal ao ato. Basta ler o corajoso e sucinto documento, para compreender os desatinos que durante aquela deplorável cerimônia se cometeram.

Dele publico só o absolutamente essencial:

“Tendo causado estranheza a Missa concelebrada no Automóvel Club (...), a Cúria Diocesana, de ordem do Sr. Bispo Diocesano, tem a comunicar o seguinte:

1 — A Cúria não foi consultada a respeito. Não lhe pediram a necessária licença para Missa fora de recinto sagrado, nem submeteram a concelebração ao juízo do Sr. Bispo Diocesano, como manda o Concílio Vaticano II (Const. de Sacra Liturgia, n.º 57, § 1, 2, e § 2) (...).

2 — O texto preparado para a cerimônia contém várias partes dignas de censura. Assim, a paródia do “Credo”. A fé em Deus e nos mistérios revelados, substitui-se à fé no homem, na mulher, na ciência, na técnica, na evolução, e nas mais recentes aplicações dos inventos científicos. Leia-se, por exemplo, este artigo do novo “Credo”: “Creio na mulher que cada dia se enfeita e se embeleza, para ser a mais bonita criação de nosso Pai”.

Fora de uma solenidade litúrgica, já não é conforme ao espírito cristão parodiar assim coisas sagradas. Durante a Missa, não se sabe como não classificá-la de blasfêmia.

No mesmo sentido, [sente] a blasfêmia a assimilação de Jesus Cristo aos hippies de hoje: “Cabelos longos como os meus”, “hoje O encontramos (a Cristo) entre hippies, toxicômanos, muito à vontade no seu ambiente”.

3 — Trata-se de uma dessas deturpações do “aggiornamento” de que falava João XXIII, continuamente deploradas por Paulo VI  (...). Semelhantes deturpações distorcem o senso católico, deformam as almas. E, segundo determinação da Santa Sé, ainda há pouco renovada em carta do Sr. Prefeito da Sagrada Congregação da Doutrina, compete aos Bispos vigiar por que a Fé se conserve íntegra entre os fiéis, sem erros nem diminuições. Esta a razão deste comunicado, que a inobservância das leis eclesiásticas tornou necessário. — Pe. José Maria Collaço, Secretário do Bispado”.

Em conformidade com esta nobre atitude pastoral, recomendou o ilustre Prelado de Campos, em Circular ao Clero diocesano, que fosse promovida, em todas as paróquias da Diocese uma Hora Santa “em desagravo dos desacatos de que foi objeto o Santo Sacrifício do Altar e o Sacramento da Eucaristia, na Missa realizado no Automóvel Club”. A Circular acentuava, entre outros motivos para o desagravo, este fato realmente monstruoso, de que na assistência havia gente de short e pessoas que comungaram mais de uma vez. O que, aliás, não espanta, já que a âmbula contendo as Hóstias circulava de mão em mão...

Ao ver assim defendida a glória de Deus, uma exclamação subiu de meu coração até o trono de Maria Santíssima, como ação de graças, a ser por Ela apresentada a seu Divino Filho. Essa exclamação cabia toda inteira em uma palavra: “Afinal!”

Estou certo de que também será esta a exclamação e a prece de numerosos leitores ao tomarem conhecimento da corajosa atitude de D. Antônio de Castro Mayer.


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