Folha de S. Paulo, 28 de maio de 1972
Concessões, caminho para a guerra
Não
penso que, ao sair a lume este artigo, já tenha chegado o momento para
um comentário de conjunto, do significado e dos frutos da estadia de
Nixon em Moscou.
O
vulto do acontecimento requer um certo recuo do tempo, antes de ser
adequadamente analisado.
O
mesmo se deve dizer da ratificação dos tratados de Moscou e de Varsóvia
pelo Parlamento alemão. Pois esse acontecimento resultante, obviamente
de imposições do Kremlin e “recomendações” da Casa Branca é, sob certo
aspecto, uma preliminar, e sob outro, um corolário das combinações de
Nixon na Capital soviética. E deve, pois, ser apreciado na perspectiva
delas.
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Enquanto assim espero pelo menos uma semana mais para comentar a última
jogada de Nixon, aproveito para responder hoje a uma pergunta despertada
por meu último artigo.
Recordar-se-ão os leitores de que mostrei, no domingo último, a enorme
ofensiva desenvolvida pela Rússia, no mundo inteiro, em favor do
comunismo. Diante dela, o governo norte-americano, a despeito da
inegável superioridade militar e econômica de que dispõe, se vem
conduzindo inexplicavelmente com a mansidão de um cordeiro. Um cordeirão
- observei eu, então - a recuar continuamente diante de um lobinho. E,
acrescento hoje, um cordeirão a permitir continuamente que o lobo se
robusteça com todos os recursos que lhe vai arrancando.
A
propósito destas minhas assertivas, alguém quis saber que fim visava eu
ao publicá-las.
Passo
a responder.
Data
do fim da Segunda Guerra Mundial, se não antes, uma imensa “ofensiva de
paz” desencadeada pelos soviéticos. Ou melhor, uma ofensiva de mentiras.
Fingindo-se progressivamente mais afáveis e acessíveis, os donos do
Kremlin vão fazendo acreditar, de então para cá, por todo o Ocidente,
que renunciaram à conquista do mundo, e procuram tão somente entrar num
entendimento pacífico com os povos não comunistas. Apresentando essa
nova fase, desmobilizam a vigilância e a disposição de luta das nações
de aquém cortina de ferro. E, enquanto sorriem e mentem, vão utilizando
ora guerras, ora revoltas para aumentar ardilosamente sua esfera de
influência por todo o globo.
Com
isto, vamos todos afundando. Ora, o meio de não afundar consiste, no
caso presente, em evitar a desmobilização dos espíritos no Ocidente.
Por
sua vez, o meio de sustar essa desmobilização consiste em provar a
insinceridade dos propósitos pacifistas de Moscou (como, aliás, também
de Pequim).
E,
por fim, o grande meio de demonstrar essa insinceridade consiste em por
a nu que, enquanto sorriem e negociam, os soviéticos não cessam de
avançar.
Foi o
que fiz no meu último artigo. Um fato que não mencionei então, por falta
de espaço, vem a propósito aqui. Enquanto Nixon descansava em Camp
David, concluindo a preparação de sua viagem a Moscou caía o gabinete no
Iraque e subia um novo ministério. Este se baseia na coligação entre
comunistas e não comunistas. Ora, como se sabe, onde quer que os
comunistas subam ao poder numa coligação, depois jamais o deixam.
Assim, enquanto os donos do Kremlin mandavam apagar das ruas de Moscou
os slogans anti-americanos, para receber Nixon, com uma garfada
aproximavam o Iraque da boca para o deglutir. Isto é a sinceridade do
pacifismo dos homens a cuja mesa Nixon se sentou, para com eles assinar
tratados.
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Mas,
de um ângulo de vista diferente, talvez alguém me objete que tudo isto é
claro. E até tão claro que causa espanto ter eu achado necessidade de o
apresentar com esta evidência meridiana, em forma quase escolar. A
conhecida facilidade de compreensão do povo brasileiro dispensa que se
lhe explique o óbvio.
É bem
verdade, retruco de minha parte. Não porém, para todos os brasileiros,
quando se trata desta matéria. Pois há entre nós certos setores da
opinião pública que - nada ficando a dever aos demais no tocante à
argúcia e à cultura - quando se trata de manobras comunistas, dão mostra
de certo tipo de ingenuidade comodista, que se espalhou pelo mundo livre
como uma epidemia. Refiro-me, evidentemente, aos socialistas,
progressistas e outros inocentes úteis, cuja mentalidade corresponde nos
Estados Unidos, por exemplo, à dos leitores do New York Times,
admiradores dos Kennedys, da política de Roosevelt e dos acordos de
Yalta. Na Itália, o símile dessa corrente é, por excelência, a DC. No
Chile, é Frei com seus sequazes. Na Alemanha, são os seguidores de Willy
Brandt. E em Cuba, são os que confiaram em Fidel Castro até o momento em
que ele acabou de arrancar inteiramente a máscara. E assim por diante.
Junto
a esse gênero de mentalidade, só argumentação elementarmente clara e
baseada em fatos óbvios, tem alguma possibilidade de êxito. E mesmo
assim...
Desse
modo, sou obrigado a demonstrar o óbvio, com uma clareza do tipo da que
se usa em grupos escolares.
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Essa
vasta família espiritual dos inocentes-úteis é essencialmente emocional.
Pelo menos grande parte dos que a constituem, quando apertada pela
evidência dos fatos ou pelas tenazes do raciocínio, costuma encerrar a
discussão com uma pergunta: “O que quer então o sr.? Quer a guerra? Não
compreende que Nixon e todos os que o sr. increpa trabalham com generoso
otimismo pela paz?”
A meu
ver, o otimismo é evidente. Não me parece, entretanto, que ele
signifique necessariamente generosidade. Pois há otimismo e otimismo.
Uma coisa é ter o ânimo levantado, mesmo nas mais graves situações; isto
é virtude. Outra muito diferente é ver as coisas róseas, mesmo quando
não o são. O que é bem o caso de Nixon e dos seus admiradores. Por
exemplo, Daladier, Chamberlain, obstinando-se a ver tudo róseo em
Munique, foram estadistas generosos, ou, ao invés, comodistas? Ceder é
sempre fácil. Mas ao ceder, eles preservaram a paz, ou tornaram
inevitável a guerra, por criarem em Hitler a esperança de que poderia
invadir impunemente a Polônia? As concessões de Roosevelt em Yalta
prepararam a paz? Ou abriram campo para todo o derramamento de sangue
que os comunistas têm feito no mundo, de então para cá, na Coréia, no
Vietnã e em outros lugares?
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Por
vezes, as concessões servem à causa da paz. Isto quando são feitas a
gente comedida, sem ambições, e que professa o mais religioso respeito à
palavra empenhada. - Estão neste caso os senhores do Kremlin?
Obviamente não. Portanto, se não adotarmos uma linha de conduta em que
certa flexibilidade se alie a uma arguta vigilância e a uma posição de
força na defesa do essencial, estaremos encorajando o adversário a nos
atacar. E,
consequentemente, estaremos caminhando para a guerra.