Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

21 de maio de 1972 

A agenda 

Tal é o entrelaçamento das confrontações ideológicas, políticas ou econômicas no mundo hodierno, que, por vezes, fatos desenrolados fora de um país podem afetar mais a existência dele do que de outros - ainda que importantes - ocorridos dentro dele.

Assim, se bem que se tenham verificado ultimamente no Brasil alguns acontecimentos que convidam com grande força de atração a um comentário - a expulsão do Pe. Comblin é um deles - tenho preferido analisar com meus leitores acontecimentos internacionais dos quais depende, no que há de mais essencial, o futuro do mundo. E, pois, o de nosso País.

E por isto trato hoje das conversações que se iniciarão agora em Moscou. Nelas Nixon bem poderá jogar com Brejnev os destinos das nações e dos indivíduos. Sim, meu caro leitor, do seu destino pessoal, como do meu. E no que tem de mais alto como até no que tem de mais íntimo e miúdo. Tudo pode ser afetado, desde nosso direito a crer e professar a verdadeira Fé, até a qualidade do dentifrício ou do sabonete que usamos.

*    *    * 

Começo por manifestar minha perplexidade ante o vago e fluido das notícias oficiais sobre a agenda das negociações. A alma de toda negociação é a agenda. Ora, pelo menos até o momento em que escrevo - isto é, sexta-feira cedo - sobre ela o que se tem dito é quase nada. - Por que isto?

Procurei, então, conjeturar, de mim para comigo, qual seria tal agenda. E para esse fim adotei um método simples e seguro. Quando dois chefes de Estado confabulam, seu objetivo natural e primeiro é resolver os problemas que afetam as boas relações entre ambos os países. Feita a lista desses problemas, estaria - pelo menos em boa parte - composta a agenda.

Não levando em conta senão o que todos conhecemos, isto é, o publicado pela imprensa, eis a lista que consegui fazer:

I - Limitação das armas atômicas e convencionais. Com seu formidável poderio industrial, os EUA têm possibilidade de se armar indefinidamente. Por isto, a Rússia quer obter um compromisso de que os EUA não se armem ainda mais. Ao mesmo tempo, ela continua a progredir na sua produção de armamento atômico, e embora se disponha a aceitar, por sua vez, o compromisso de se deter no surto armamentista, recusa qualquer fiscalização a tal respeito. - Como sair desta, para Nixon, sem irritar os russos, e correr assim o risco de uma súbita agressão atômica contra seu país?

II - A Rússia deseja formar uma federação pan-européia dos Urais até Lisboa. O corolário dessa federação seria a retirada das tropas norte-americanas sediadas na Europa. Aceita pelos EUA a proposta, as nações do Ocidente europeu ficariam impotentes para conter uma ofensiva maciça - psico-ideológica e militar - eventualmente desfechada pelo gigante russo. A garantia única contra tal perigo seria a promessa soviética de que essa ofensiva não seria realizada. Se Nixon aceitar como válida a promessa, entrega virtualmente a Europa à Rússia. Se a rejeita, corre o risco de imergir novamente o mundo na guerra fria, antecâmara da guerra quente. - O que fazer?

III - A Rússia se queixa do desnível entre suas condições econômicas e as do Ocidente. E deixa entrever que, se receber poderosa ajuda técnica e financeira ocidental - pública ou privada - seu ressentimento contra o Ocidente baixará de nível. O que afasta o risco da guerra. Mas, ao mesmo tempo, se a Rússia crescer em prosperidade poderá aplacar o descontentamento interno e, paralelamente, equipar-se melhor para a guerra. Se Nixon rejeitar as aspirações russas, enfurece o inimigo; se as aceitar, fortalece-o. - O que fazer?

IV - Ainda para aplacar seus ressentimentos, a Rússia sugere que a Europa Ocidental lhe sirva de mercado consumidor de certos produtos básicos, que ela pode fornecer. Gás de petróleo, por exemplo. Se, por eventual sugestão de Nixon, a Europa Ocidental aceitar, ela terá que romper com os atuais mercados que a fornecem, e assim desorganizar a economia de várias nações amigas e aliadas. Se, pelo contrário, ela rejeitar a proposta russa, nascerá nova tensão internacional, com risco de guerra. - À vista disto, o que fará Nixon?

V - A Rússia tem para com os EUA, uma dívida de guerra ainda não paga. - O que fará Nixon? Deixará esse dinheiro aquecendo o bolso desse agressivo devedor? Neste caso, não se desmoralizará ao cobrar dívidas de nações aliadas? E se não as cobrar, para onde irá a economia norte-americana? - A solução para os EUA consistiria, pois em cobrar da Rússia essas dívidas. Mas isto, por sua vez poderá enfurecer a nação caloteira e ameaçar ipso facto a paz do mundo. - Como agir?

VI - A presença militar russa no Mediterrâneo é uma ameaça para toda a Europa Ocidental. Ora, a Rússia não só exige essa presença, como a amplia continuamente. E, ademais, quer expulsar daquele mar a marinha norte-americana. Se firmar pé, a tensão internacional pode agravar-se singularmente, e o conflito árabe-israelense - por exemplo - poderá tomar características trágicas. Se Nixon ceder, terá perdido a Europa, e os EUA se verão reduzidos a enfrentar, em condições já então precárias, uma nova ameaça russa. - Isto posto, o que fazer?

VII - Do Oceano Indico retirou-se a Inglaterra deixando um vazio que a Rússia vai preenchendo inexoravelmente. A Índia vai sendo transformada em um dominion soviético, e as jazidas petrolíferas do Irã vão ficando cada vez mais ao alcance da garra russa. - Para Nixon, então o que fazer? Resistir, com risco de caminhar para uma guerra? Ou ceder, aceitando uma dramática perda de terreno em todas aquelas vastas, ricas e populosas paragens?

VIII - No Vietnã, todo o mundo vê o que se passa. É preciso ser cego para não perceber que a Rússia quer assenhorear-se, a todo o custo, da Indochina. Se Nixon resistir, mais cedo ou mais tarde arrebentará a guerra. Se não resistir, entregará à Rússia uma posição-chave no mundo. Neste caso, Formosa e a Coréia do Sul hoje, o Japão e a Austrália amanhã, sentindo-se abandonados pelos EUA, serão arrastados a colocar no governo homens de esquerda, que conduzam uma política de aproximação com a Rússia.

- Se Nixon aceitar isto, a que ficarão reduzidos os EUA? Se não aceitar, expõe ele entretanto os EUA ao risco de guerra.

IX - Por meio de suas embaixadas e consulados em todo o mundo livre, dos partidos comunistas e para-comunistas, dos inocentes-úteis (discutivelmente inocentes, indiscutivelmente úteis) de toda espécie, como socialistas, progressistas, constestatários, hippies, etc., a Rússia promove metodicamente a espionagem e a subversão em todo o mundo, e nos próprios EUA. Cuba é uma garra russa pronta a enfiar-se na carne viva da América do Norte. O Chile é outra garra já metida na América do Sul. Os países livres resistem a custo, a esta ação subversiva. Se Nixon pedir a cessação dessas atividades - que constituem obviamente um início de guerra revolucionária mundial - obviamente nada obterá, pois a Revolução mundial está na essência do comunismo. Se ele ameaçar de usar idênticos métodos na Rússia, sabe que não será tomado a sério. Pois seus agentes terão de enfrentar uma ditadura policialesca implacável. E, ademais, a Rússia poderá encolerizar-se e soltar inopinadamente um “dilúvio atômico” sobre duas ou três grandes cidades norte-americanas. - Como então fará Nixon, sair-se desta?

X - Seria impossível não mencionar ainda o problema China-Rússia. A se tomar inteiramente a sério - e eu não a tomo - a existência de uma cisão autêntica entre os dois “grandes” do comunismo, a Rússia, tão disposta à aventura da guerra a propósito de outras questões, não se lançará à mesma aventura, desde que perceba que Pequim está realmente no jogo de Washington? Diante disto, o que resta a Nixon fazer?

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Ao terminar a leitura desta agenda, o leitor se sentirá deprimido e com dor de cabeça. Pois a situação faz lembrar a fábula do lobo e do cordeiro. Só que, no caso presente, o papel de cordeiro é representado pela nação mais forte, à qual tocaria o papel de lobo. E faz de lobo a nação mais fraca, que deveria agir como cordeiro. Quase se poderia dizer que é a fábula do lobinho e do cordeirão.

- Como explicar esse paradoxo, ao mesmo tempo incompreensível e dramático? Aonde nos conduzirá ele?

Esperemos para ver...


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