Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 30 de abril de 1972

Quando agoniza a propaganda

          No momento em que escrevo — sexta-feira — pela manhã — a imprensa vai divulgando no Brasil a notícia de que o governo de Willy Brandt, já fortemente golpeado pelo resultado das eleições em Baden-Wurttemberg, só não foi derrubado pela Câmara porque faltaram dois votos para que o grupo oposicionista alcançasse o total necessário. Ao mesmo tempo, os governistas franceses vão digerindo como podem a “vitória” tão cheia de frustração, que obtiveram no último plebiscito.

          Nem para Willy Brandt nem para Pompidou — os “vitoriosos” em uma e outra prova política — a situação se mostra risonha. O primeiro caminha para outra prova ainda mais arriscada na Câmara Baixa de seu país. E o segundo deve estar se perguntando que atitude tomar em vista do fato de que 63,8% dos eleitores do seu país se mostraram indiferentes ou hostis às mirabolantes perspectivas de uma Europa Unida, da qual Paris seria a capital e... ele próprio o chefe supremo.

          De comum entre a situação do chefe de Estado francês e do chefe de Governo da Alemanha Ocidental não há apenas a frustração de uma “vitória” que tem todo o significado de uma derrota. A ambos aflige a mesma perplexidade quanto ao futuro.

          Este ponto, desejo ressaltá-lo detidamente hoje.

*    *    *

          Comecemos por Willy Brandt. O Tratado por este assinado em Moscou, em 1970, está longe de conter em si a realização de todo o programa da Ostpolitik. É apenas um primeiro passo.

          É apenas um primeiro passo. Uma vez ratificado pelo Parlamento de Bonn, abriria ele campo para uma verdadeira e sempre mais ampla colaboração entre a Alemanha Ocidental e o mundo de além cortina de ferro. Tal colaboração não representaria, entretanto, uma ruptura de Bonn com o Ocidente. Muito pelo contrário, a Ostpolitik conta com o apoio — mais explícito, ou menos, mas em todo caso caloroso — dos governos de Washington, Paris, Londres e Roma. A colaboração Bonn-Moscou em nada arrefeceria as ligações da Alemanha Ocidental com essas capitais. Assim, Bonn seria o elo a reunir num só laço de paz, Oriente e Ocidente.

          — De que paz? A paz da masmorra ou a paz que resulta da compreensão profunda, da amizade leal, da colaboração franca entre todos os povos?

          — Ninguém pode crer em paz com os comunistas, baseada em compreensão, amizade e lealdade. Diante dos Estados Unidos  em franco processo de amolecimento e da Europa  encanecida, o Kremlin  jamais aceitará outra forma de paz, senão a do domínio — velado, talvez, nos primeiros anos, e brutal em seguida — sobre os seus parceiros. Pois para os comunistas a lei da força é a única que vale. Haja vista as sucessivas ameaças com que Moscou procurou impor recentemente aos alemães a aprovação do Tratado assinado por Brandt. É para a caminhada em declive, rumo à dura “pax soviética”, que Willy Brandt convida seus concidadãos. O pórtico deste caminho é o Tratado de Moscou. A recusa do eleitorado, expressa no último pleito de transpor o pórtico, importa ipso facto em rejeitar o caminho.

          Ora caminhos como estes, um governo não os pode encetar com o apoio em minorias, ou em maiorias infinitesimais. Os grandes passos só podem ser dados por organismos robustos. E os grandes programas só podem ser executados por governos apoiados sobre firmes bases políticas.

          Em suma, Willy Brandt encontra diante de si fechado o caminho.

*    *    *

          E passemos agora a Pompidou.

         A “Europa dos Dez”, que este pretendia consagrar por um plebiscito, não é senão um lance de colaboração com os propósitos de Brandt. Com efeito, o ponto terminal da Ostpolitik não é apenas o bom entendimento entre as duas Europas, mas a formação de uma pan-Europa que vá dos Urais até os Pirineus, ou mesmo até o litoral português. Esta pan-Europa é o termo lógico do pan-europeismo, imaginado num clima de reconciliação do bloco soviético com o ocidental.

         Ora, o processo mais fácil para a formação dessa pan-Europa não é a realização de uma série infinda de negociações do Kremlin com cada um dos países da Europa Ocidental. É a construção de uma Federação da Europa Ocidental dirigida por utopistas simpáticos ao comunismo e impregnados de espírito socialista. Ora, em geral, esta é a mentalidade dos principais líderes pan-europeistas do Ocidente. Propiciando a consolidação da “Europa dos Dez”, as vias de Pompidou se encontram com as de Brandt.

        Sentindo a necessidade de um vigoroso apoio para as futuras peripécias que encontraria em seu arriscado caminho, Pompidou recorreu ao referendo.

       São muito sintomáticos, quanto a esta sua preocupação pelo futuro, as palavras iniciais da consulta que ele dirigiu ao povo francês: “aprovais as novas perspectivas que se abrem para a Europa”? — A resposta a essa consulta importou numa virtual recusa dessas “perspectivas”. Como Brandt, Pompidou não sabe, pois, para onde rumar agora.

*    *    *

         Compreendo perfeitamente a perplexidade dos dois “vencedores”. Ela não resulta apenas do fato de que os respectivos eleitorados não se deixaram guiar por eles, como esperavam. Por detrás deste problema há outro mais grave. Quando o Tratado de Moscou foi assinado, a opinião alemã se mostrou de uma atonia surpreendente. Nem vaias, nem aplausos: sono. Sobre esta opinião sonolenta, a propaganda do governo e a do possante partido governista derramaram, durante todo o tempo, uma caudal de argumentos ora lógicos, ora psicológicos. Enquanto isto, a cúpula oposicionista se mostrava de uma inércia desconcertante. Entretanto, pouco antes da ratificação dos tratados, o descontentamento popular se foi acentuando, e a consulta eleitoral em Baden-Wurtemberg deu no que deu. — Do que valeu então a propaganda?

         A mesma pergunta cabe quanto à França. O governo Pompidou e o partido gaullista despejaram torrentes de propaganda sobre o eleitorado. Opunha-se a eles a fraca reação de uma minoria hesitante e dividida. Entretanto, o plebiscito deu no que sabemos. A grande maioria do povo se manifestou, pois, indiferente, ou até refratária, à propaganda.

        — Essa impotência da propaganda resultará de algum fator ocasional, que Brandt e Pompidou poderão eliminar com facilidade? — Não me parece. O fenômeno é de porte universal. Nos Estados Unidos, por exemplo, as eleições prévias estão fazendo ver um desgaste de todas as lideranças políticas. E os técnicos atribuem esse fato à vulgarização dos políticos produzida pela superpropaganda, especialmente a da televisão. Parece que a propaganda está se autodestruindo por seus próprios excessos.

         A perplexidade de  e Pompidou, o ocaso da propaganda: que dons do Céu!

        Que Deus no-los acresça, fazendo com que o abuso da propaganda se auto-extermine, e que Brandt e Pompidou não encontrem meios de conduzir seus países para a pan-Europa da “pax soviética”...


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