Folha de S. Paulo, 23 de abril de 1972
Por
que a verdade desperta o ódio?
Um
leitor simpático me pede que explique por que a Igreja - apesar de ser a
pregoeira da Verdade - tem sido tão combatida ao longo de sua história.
Quer ele saber também por que são tão combatidos, em nossos dias, os
católicos verdadeiros, que não pactuam com os erros do século, e se
mantém fiéis ao ensinamento imutável de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Parece-me que o leitor poderia ter ampliado ainda mais o campo de sua
pergunta. As perseguições feitas contra a Igreja e os verdadeiros
católicos de nossos dias, são prolongamento histórico das que sofreu
Nosso Senhor Jesus Cristo. - Como explicar que o Homem-Deus, que é a
Verdade, o Caminho e a Vida, tenha sofrido perseguição, a ponto de ser
crucificado entre dois vulgares ladrões?
A
essa pergunta, responde luminosamente um dos maiores Doutores de todos
os tempos, o grande Santo Agostinho, bispo de Hipona. Reproduzo aqui —
adaptando-o ligeiramente, para mais fácil intelecção do leitor
contemporâneo — o ensinamento do Doutor dos séculos IV e V.
Comentando a célebre palavra de Terêncio: - "a verdade engendra o ódio",
Santo Agostinho (Confissões, Livro X, Cap. XXIII) pergunta como explicar
fato tão ilógico.
Com
efeito, diz ele, o homem ama naturalmente a felicidade. Ora, esta é a
alegria nascida da verdade.
Assim
é uma aberração que alguém veja um inimigo no homem que prega a verdade
em nome de Deus.
Assim
enunciado o problema, o Santo Doutor passa a explicação. A natureza
humana é tão propensa à verdade que, quando o homem ama algo de
contrário à verdade, ele quer que este algo seja verdadeiro. Com isto,
cai em erro, persuadindo-se de que é verdadeiro o que na realidade é
falso.
Assim, cumpre que alguém lhe abra os olhos. Ora, como o homem não admite
que se lhe mostre que se enganou, por isto mesmo não tolera que se lhe
demonstre qual o erro em que está.
E o
Doutor de Hipona observa: Por esta forma, certos homens odeiam a
verdade, por amor daquilo que eles tomaram por verdadeiro! Da verdade
eles amam a luz, não porém a censura... Eles a amam quando ela se lhes
mostra, eles a odeiam quando ela lhes faz ver o que eles são.
Por
sua deslealdade, tais homens sofrem da verdade a seguinte punição: eles
não querem ser desvendados por ela, e sem embargo ela os desvenda. E
contudo ela, a verdade, continua velada aos olhos deles. "É assim, é
assim, é precisamente assim que é feito o coração humano. Cego e
preguiçoso, indigno e desonesto, ele se oculta, mas não admite que nada
lhe seja ocultado. Assim lhe sucede que ele não consegue fugir dos olhos
da verdade, mas a verdade foge dos olhos dele". Com estas palavras,
conclui Santo Agostinho o seu magistral comentário.
* * *
-
Quer o meu simpático leitor uma ilustração do que ensinou Santo
Agostinho? - Vamos, para isto, a um fato contemporâneo.
Não
são raros, nem em nosso país nem no exterior, os que se proclamam
adeptos da política de quebra das barreiras ideológicas. Segundo eles,
tais barreiras não passam de um anacronismo. O pressuposto desta atitude
é que a luta ideológica vai desaparecendo do cenário contemporâneo.
Pois, a não ser assim, a quebra das barreiras implicaria obviamente em
uma vergonhosa entrega de pontos.
Ora,
segundo notícias publicadas pela imprensa diária na semana passada, vai
se tornando cada vez mais fundada a impressão de que o governo marxista
do Chile está transformando Santiago numa verdadeira sucursal de Cuba
para difusão do comunismo no Continente. Isto posto, torna-se claro que
a quebra das barreiras favorece a ação de Allende e Fidel Castro. De
onde decorre que tais barreiras nada têm de anacrônico. Pelo contrário,
são perfeitamente necessárias.
Vá
meu leitor explicar isto aos adversários das ditas barreiras, e terá, o
mais das vezes, uma dolorosa surpresa: será recebido de cara amarrada e
colocado desde logo na amável opção entre calar-se ou ir-se embora. -
Por que isto? - Evidentemente porque os fanáticos da derrubada das
barreiras estão profundamente apegados a seu ponto de vista. De outro
lado, por um imperativo da própria natureza, têm eles um amor - pelo
menos platônico - à verdade. De onde, não querendo estar com a verdade,
querem que a verdade esteja com eles. E assim se aferram, contra toda a
evidência, à tese de que as barreiras devem desaparecer.
Se
alguém lhes prova que, pelo contrário, essas barreiras não devem
desaparecer, ficam furiosos. E começam a combater o adversário da queda
das barreiras, tachando-o de intransigente, retrógrado, descaridoso,
etc.
Eis,
meu ingênuo leitor, por que motivo atrai a perseguição quem diz a
verdade.
E
assim se explicam a Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo e os
vinte séculos de história da Igreja!
* * *
Baixando desses grandes temas para um assunto muito pequeno da vida
quotidiana, quero aqui dar uma explicação a outros leitores
"O
Estado de São Paulo" do dia 22-3-72, noticiando o desenrolar de um
incidente entre o Conselho Seccional do Rio Grande do Sul da Ordem dos
Advogados do Brasil, e duas universidades do mesmo Estado, afirmou que
sou professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e na
Pontifícia Universidade de Porto Alegre. E que, a esse título, tomei
posição ante o referido incidente.
A
leitores espantados de me verem investido em cátedras de universidades
tão distantes do lugar onde resido, e metido em assunto tão alheio a meu
âmbito de ação normal, devo explicar que aquela notícia carece de
fundamento.
Nem
sou professor das referidas universidades. Nem tomei qualquer atitude
diante da questão entre elas e a OAB gaúcha.
Lapso
de imprensa, sem dúvida.