Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 9 de abril de 1972

Apetite de extravagância total

O problema da droga continua a chamar a atenção dos psicólogos, moralistas e sociólogos do mundo inteiro. Estudam-no dos mais diversos pontos de vista, com intuito de conter o alarmante aumento do uso dela no mundo contemporâneo.

Neste afã, os pesquisadores se perguntam, entre outras coisas, qual o itinerário do vício através das várias camadas sociais. Em outros termos, quais as primeiras zonas da sociedade a capitular ante ele, e através de que etapas ele chega a contagiar, em seguida, todo o corpo social.

Na França, a comissão Chaban-Delmas chegou, neste particular, a conclusões também aceitas, segundo consta, por outras entidades igualmente competentes. A droga penetra, de início, nos círculos sociais refinados e nos meios artísticos. Numa segunda etapa, alcança os meios universitários e estudantis. Por fim, e mais ou menos simultaneamente, ela atinge todos os outros ambientes, inclusive o operariado. Toca aos meios rurais a honra de se manterem quase inteiramente refratários à droga.

— Por que isto é assim? Por que são os campos menos contamináveis do que as cidades? Por que as classes refinadas ou artísticas são mais vulneráveis do que as estudantis? E por que as estudantis o são mais do que outros setores sociais?

Essas questões apresentam um poderoso interesse, pois uma vez esclarecidas, não se estaria longe de se ter descoberto qual a verdadeira gênese do vício.

Não pretendo propor aqui uma solução simplista para problema tão complexo. Desejo simplesmente expor algumas observações que os resultados obtidos pela comissão Chaban-Delmas me sugerem.

Para isto, permita-me o leitor que por alguns instantes mude de assunto.

* * *

— Como se faz habitualmente a implantação do comunismo em um país?

De início, a tarefa não é tão complicada. Por toda parte há utopistas inconformados, que sonham romanticamente com revoluções-panacéia, capazes de transformar o mundo em um paraíso. Sabe-se em que rodinhas, em que lugares de diversão, em que livrarias encontrar pessoas como estas. Dois ou três proselitistas bem adestrados, vindos de Moscou, Pequim ou Havana, facilmente encontram e arregimentam em células comunistas, as mais ativas e exaltadas dentre elas.

Mais difícil é a tarefa que vem depois. — Como fazer partilhar do utopismo comunista (utópico ainda mesmo quando se apresenta com o rótulo de "científico") os espíritos objetivos, sensatos, arejados, que constituem a grande maioria da população?

Em tese, a resposta parece simples. É só procurar os ambientes menos favorecidos pela situação social e econômica. Ali o número de descontentes — ainda que não utopistas nem românticos — deve ser grande. E portanto deve ser fácil o recrutamento de prosélitos para o comunismo. Feito este recrutamento na escala devida, será possível deflagrar a subversão dos pobres contra os ricos.

Tudo isto em tese. Na realidade, não é assim que progride o comunismo. Habitualmente, a imensa maioria dos operários se mostra indiferente ou hostil ante a pregação comunista. E as primeiras células de revolucionários românticos permanecem fechadas em si mesmas, até que um belo dia, nos círculos sociais snobs, alguém se lembre de dizer-se comunista. Rapidamente esse vanguardeiro encontra alguns congêneres que, para atrair a atenção sobre si, também começam a se jactar de comunistas. Daí as fagulhas se propagam céleres, dos snobs da moda para os da "inteligentzia". Por vezes, a marcha do contágio é inversa. São os snobs da "inteligentzia" que contagiam os da moda.

Por mais inovadora que se diga a mocidade, muito do que nela existe ou acontece é reflexo das gerações que a antecederam. Entre os jovens universitários também há snobs da moda e da cultura. Vendo o que acontece com seus congêneres mais velhos, também neles começa a crepitar o incêndio comunista.

Como é natural, a atenção do grosso da população está voltada para os que representam o prestígio da situação social, da fortuna, da inteligência ou da mocidade. Não faltam meios de comunicação social que fazem crer à multidão, que os snobs dessas várias categorias formam, não minorias exóticas e isoladas, mas a maioria prestigiosa e dinâmica dos respectivos ambientes. O mau exemplo arrasta facilmente as multidões. Daí o se propagarem então, no corpo social, como por metástase, os corpúsculos comunistas.

O ambiente mais refratário à proliferação comunista é o agrícola.

E aqui fica a constatação rica em matéria para as mais diversas reflexões: o itinerário do comunismo é idêntico ao da droga.

Isto facilmente se explica. Comunismo e droga são processos de decomposição. Ambos atacam a parte mais frágil do organismo social, que é a mais propensa à extravagância, às sensações violentas ou super-requintadas, à evasão da lógica, do bom senso e da realidade.

"Corruptio optimi pessima". Nada de melhor do que as boas elites. Por isso mesmo, nada pior do que as elites sofisticadas, deterioradas, divorciadas da realidade, e falhas do senso do dever. Para elas tudo é objeto de exibição e jogo: as idéias, a moral e as tradições. E no centro desse jogo está o campeonato das vaidades. Contanto que cada qual consiga exibir-se, está contente. E como o processo mais cômodo para exibir-se é ser extravagante, daí resulta a espalhafatosa e inglória corrida rumo ao disparate total. Cada qual em seu gênero, o comunismo e a droga são disparates totais. Não espanta que a eles corram os mais arrojados dentre os snobs, levando atrás de si a caudal dos seus seguidores.

Este jogo — como todos os outros — traz seus riscos. Quantos começam a se afirmar comunistas, sem de fato o serem! Mas à força de se dizerem tais, acabam sendo. Como muitos há que, quando começam a usar drogas, o fazem só para se mostrar. Mas acabam arrastados pelo vício.

É a triste sina dos que brincam com fogo, ainda que por mero snobismo. "Quem ama o perigo, nele perece" (Ecli. 3, 27), diz o Espírito Santo...

* * *

Isto posto, o snobismo nos aparece como um dos mais possantes — o mais possante, talvez — dos fatores de expansão, tanto da droga como do comunismo. E o itinerário de um e outro, na contaminação de todo o corpo social, é a própria rota do snobismo, rumo à extravagância total.

— Exagero? — Não creio. Veja-se em outro campo o poder do snobismo, e o fascínio que sobre este exerce a extravagância. Falo do nudismo. Todas as modificações da moda se fazem hoje sob o signo da extravagância. E a extravagância para a qual tendem é a conquista — por etapas sempre mais ousadas — do nudismo total. — Ora, quem, senão o snobismo, arrasta as multidões no caminho, ou melhor, no descaminho da moda?

* * *

Não espero, porém, que os especialistas na matéria dêem o devido realce ao fator snobismo. Não é snobe falar dele...


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