Folha de S. Paulo, 2 de abril de 1972
Rapazolas e moçoilas em risco...
O
"comunismo" difuso, do qual por vezes tenho tratado nesta folha, está
chegando agora ao seu auge.
Esse
auge coincide com a completa estagnação — ou mesmo decadência — do
eleitorado inscrito nos diversos partidos comunistas do Ocidente.
Entre
o auge da forma difusa e mais recente, e a decrepitude da clássica forma
partidária, existe uma correlação fácil de perceber. Porque o sistema
clássico se revelou definitivamente incapaz de proporcionar ao comunismo
a conquista das massas nos países livres, é que os misteriosos
elaboradores da estratégia vermelha lançaram um tipo novo, vaporoso,
impalpável, quase impossível de ser barrado.
— De
quando data tal inovação? — Só hoje, aparece ela à luz do sol. Não
imaginemos, porém, que ela nasceu nestes dias. Já há cerca de dez anos
se vem acentuando progressivamente o insucesso do comunismo no Ocidente.
Há cerca de dez anos também, a nova tática comunista vem sendo
comunicada aos iniciados, e gradualmente posta em prática pelas bases
bem adestradas. A ausência de pressa é, no caso, um indispensável fator
de êxito. Pois o comunismo difuso deve caminhar e espraiar-se como que
naturalmente, sem chamar a atenção de ninguém. Para isto, precisa ser
lento. Pois tudo o que corre, agita e surpreende.
De
fato, existem provas de que o comunismo difuso foi elucubrado há dez
anos, pelo menos. Em "Vers Demain" (julho — agosto de 1971), a vibrante
e atualíssima publicação do "Instituto de Ação Política" ligado ao
movimento católico canadense "Peregrinos de São Miguel" encontrei
preciosos extratos de uma lista de objetivos e planos comunistas em 45
pontos. Fora esta lista elaborada por N. Skousen, Diretor de Operações
do Conselho de Segurança Americano. Publicou-a pela primeira vez, em
10-1-63, o Serviço de Arquivos do Congresso dos Estados Unidos.
É só
analisar alguns pontos desta lista, para se ver como, de 1963 a 1972, a
tática nova, nela enunciada, se vem realizando. Eis, a título de
exemplo, alguns desses pontos:
1 -
"Degradar todas as formas de expressão artística";
2 -
"Eliminar dos parques e edifícios toda boa escultura e substituí-la por
configurações informes, sem graça e sem significação";
3 -
Fazer desaparecer todas as leis que refreiam a obscenidade (...) nos
livros, jornais ilustrados, cinema, rádio e TV";
4 -
Apoiar todo movimento socialista para o estabelecimento de uma
autoridade central sobre uma secção qualquer da educação cultural, dos
serviços sociais, dos programas de assistência, etc.";
5 -
"Infiltrar as Igrejas e substituir a Religião revelada por uma religião
social";
6 -
"Tratar todos os problemas de conduta pessoal como sendo desordens
psiquiátricas, que ninguém, a não ser o psiquiatra pode entender e
tratar;
7 -
"Desacreditar a família como instituição, favorecendo o amor livre e o
divórcio fácil".
Basta
que o leitor abra os olhos em torno de si, para ver até que ponto há,
por todos os lados, uma pressão discreta mas incessante, para introduzir
tudo isso nos costumes, e na medida do possível, também nas leis.
* * *
Como
é fácil ver, a nota dominante desse novo estilo de propaganda, consiste
em não pregar explicitamente o comunismo, mas em criar um ambiente, em
que este se forma por geração espontânea. Geração espontânea produzida,
aliás, por circunstâncias nada espontâneas.
Em
outros termos, esse tipo de propaganda cria artificialmente certo estado
de espírito coletivo muito peculiar. E desse estado de espírito —
espontaneamente, quase incoercivelmente — brota nas famílias, nos grupos
sociais, étnicos, religiosos ou culturais, por toda parte enfim, o
comunismo.
A meu
ver, é impossível negar que concorre para a formação desse ambiente, que
eu chamaria "comunistógeno", gerador do comunismo, a famigerada página
publicada por "O São Paulo" de 11 de março p.p., sobre Nosso Senhor
Jesus Cristo.
Não
vou descrever aqui o "pôster" de "O São Paulo". Minha veneração ao
Homem-Deus não mo permite. E, ademais, seria inútil, porque ele se
tornou conhecidíssimo.
Imagine simplesmente o leitor, esta página a circular nas mãos de toda
espécie de rapazolas e moçoilas que o terror deslumbra, hipnotiza e
atrai. Parece-me inevitável que ela os persuadirá de que Nosso Senhor
Jesus Cristo foi o grande precursor e o modelo supremo dos modernos
subversivos. Neles desaparecerão, assim, as últimas objeções de
consciência que ainda os retenham à beira do precipício.
—
Montar, com efeito, uma "ficha policial" absolutamente análoga àquela
com que as modernas polícias denunciam, para os capturar, os
terroristas, verter dentro desta ficha uma série de citações evangélicas
escolhidas para dar a entender que o Divino Salvador apresentava
frisantes analogias com os terroristas de hoje — tudo isto não é
insinuar que o terrorista do século XX é uma moderna reedição de Jesus
Cristo?
* * *
Vejo
bem que de cá e de lá, nessa deplorável página, há frases solertemente
redigidas, de sorte que tanto podem ser interpretadas num sentido
inocente, como num sentido comunistóide.
Assim, seus autores, uma vez apertados por algum exegeta, ficam ainda
com a escapatória de que tem direito a interpretação mais benigna "in
dúbio pro reo".
Não
tenho tempo nem vontade de me aprofundar aqui nos meandros desta chicana
exegética. Limito-me a perguntar a quem, com base nessas argúcias,
quisesse defender "O São Paulo" se imaginara que os rapazolas e
moçoilas, aos quais se destina essa página, se vão deter nesses
exercícios exegéticos ou se, pelo contrário, vão interpretar em seu
sentido primeiro e mais natural tudo quanto nela está, e, julgando-se
estimulados pela Religião, se vão entregar alegres ao Terror, que os
espera de braços abertos.
* * *
—
Haveria artigo comunista tão próprio a recrutar elementos quanto a
página de "O São Paulo", na qual entretanto as palavras "socialismo" e
"comunismo" não são mencionadas uma só vez? Se trabalhar pelo "comunismo
difuso" foi intuito de um "Marmo" e um "Sílvio", que se apresentam como
responsáveis pela página, podem estar contentes.
Atingiram de cheio
sua meta.