Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 5 de março de 1972

Entrando na jungle

Não creio que o grande público tenha lido na íntegra o extenso comunicado sino-americano, sobre as conversações de Pequim. Contudo, contém este alguns aspectos que não podem passar despercebidos por quem deseje conhecer bem a semana que, segundo Nixon, "mudou o mundo". Creio, assim, ser útil ao leitor comentar aqui alguns trechos do extenso documento.

Tem ele uma estrutura mais própria a uma peça de teatro, do que a um comunicado político: em longos trechos fala só o norte-americano, depois só o chinês, mais adiante falam ambos juntos, e depois o dueto recomeça, falando novamente cada parte por si. E no final, terminam falando juntos ainda uma vez.

Selecionei alguns trechos em que fala o chinês, ou só por si, ou juntamente com o americano.

* * *

O chinês abre suas declarações com um conjunto de enunciados lítero-demagógicos. Diz ele: "Em toda parte onde há opressão, há resistência. Os países querem a independência. As nações querem a libertação e o povo quer a revolução. Isto se deve à tendência irreversível da História".

Como de costume, na propaganda comunista, há aqui um misto de erros, de conceitos confusos e de verdades acacianas.

É óbvio que "em toda parte onde há opressão, há resistência". Isto em princípio. Mas, olhando com boa fé para dentro de sua própria casa, os chineses poderiam dar-se conta de que, na prática, isto não é sempre assim. A opressão na China vermelha é completa. E a reação do pobre povo, esmagado, policiado, intoxicado de propaganda, é irrelevante.

Mas os chineses não se embaraçam com contradições como esta. Fazem-se campeões do princípio de que "as nações querem a libertação", sem se lembrar de que provocam ipso facto a pergunta: "O que faz então a China na Mongólia e no Tibet, que ela mantém sob seu jugo à viva força?"

Prossigamos na análise: "(...) e o povo quer a revolução. Isto se deve à tendência irreversível da História". A frase repete a surrada tese marxista de que a revolução proletária, nascida da inconformidade das massas oprimidas, vencerá fatalmente pelo natural desenrolar da História.

Ora, desde meados do século XIX até nossos dias, o comunismo vem fazendo propaganda sem ter alcançado, em uma só eleição, uma maioria definitivamente comunista. Isto no Ocidente.

Nos países da cortina de ferro, o comunismo tem pânico de eleições livres e honestas. Assim, tanto os povos que ele não domina como os que ele domina, o repudiam.

- O que nos ensina então a História? - Não é a irreversibilidade da adesão das massas ao comunismo, mas precisamente o contrário.

Tudo isto é bem sabido por todo o mundo. Pequim, entretanto, o contesta com uma desenvoltura que é impossível não chamar de cinismo...

* * *

Depois do cinismo na mentira, vem o cinismo na ameaça: "A China apoia com firmeza as lutas de todos os povos e nações oprimidos, pela sua liberdade e sua libertação, e sustenta que os povos de todos os países têm direito de escolher seus sistemas sociais segundo seus próprios desejos".

Sabemos no que consiste esse "apoio" chinês, pois o Brasil, como tantos outros países, está infestado de literatura sino-comunista, de subversão sino-comunista, etc. Assim, o que a China afirma nesse tópico é a pretensão de favorecer em toda parte a subversão comunista.

Isso não impede o comunicado chinês de afirmar, logo em seguida, que a China reconhece a todos os povos o direito "de se oporem (...) à ingerência (...) e subversão estrangeiras". - Poderia ser mais ostensiva a contradição?

Mais adiante, o cinismo ainda uma vez se mostra sob a forma de uma clara ameaça de ingerência chinesa no Japão. Com efeito, Pequim afirma que "apoia com firmeza o desejo do povo japonês de edificar um Estado japonês independente, democrático, pacífico e neutro". Como se sabe, a China comunista sustenta que o atual Estado japonês não possui nenhuma dessas características. Assim, o texto é iniludível: a China, campeã da não-ingerência, declara que vai intervir. É de estarrecer!

* * *

O comunicado passa a tratar depois de Formosa.

Na lógica dos princípios que afirma, a China deveria pedir um plebiscito em Formosa, a fim de saber: 1) se o povo daquela ilha quer conservar sua plena soberania, ou quer passar a mera província chinesa; 2) se os habitantes de Formosa querem seu atual sistema político-social, ou optam pelo comunismo.

Mas, objetariam os comunistas chineses, se Formosa é uma parte da China, não pode por si só declarar-se separada dela. Imaginemos que a objeção fosse válida. Então, a ocasião seria excelente para se fazer um plebiscito em ambas as Chinas, perguntando-lhes se querem unir-se, e que regime político-social desejam. Mas disto, os chineses, cautíssimos, não dizem uma só palavra...

Para Pequim, o essencial é pôr fora de Formosa os americanos. Por isto afirma que "todas as forças e instalações militares norte-americanas devem ser retiradas de Taiwam". Desta forma, a ilha, desprotegida, forçada a algum "acordo", se entregará melancolicamente ao jugo comunista!

* * *

Algum leitor achará pouco acadêmicos os termos com que qualifico a atitude dos comunistas chineses.

Respondo que meu propósito não é de ser acadêmico, mas de ser sério, isto é, de chamar as coisas pelos seus nomes. "Seja vossa linguagem sim-sim, não-não", ensina o Evangelho (São Mateus 5,37)

* * *

A linguagem de Pequim, levando a tal ponto a desenvoltura na contradição, em acordo de tal projeção, faz baixar o "tônus" da moralidade na vida internacional. Pois, quando decai a lógica, com ela decai o direito. E é a vida da jungle, que começa!


Home