Folha de S. Paulo, 27 de fevereiro de 1972
Simples, claro, terrível
As
relações entre os dois mundos — o comunista e o não comunista — vão
passando por tantas transformações, que uma vista de conjunto sobre elas
se torna cada vez mais útil. Muito especialmente nestes dias em que se
dá a jogada espetacular da visita de Nixon a Pequim.
Como
todos sabem, esse lance é apenas o primeiro da série. Depois de ir a
Pequim o presidente norte-americano visitará Moscou. E já se propala que
ele irá em seguida a Havana...
Essas
démarches de Nixon apresentam um sem número de aspectos. Dentre
todos eles, um há, ao qual o chefe de Estado ianque tem dado relevo todo
especial. É o seu cunho pacifista.
Pode-se discutir ao infinito sobre a viabilidade desse objetivo de
Nixon. Contudo nem os seus mais encarniçados adversários contestam a
autenticidade do desejo de paz, que o move. Assim, toda a vista
panorâmica sobre as relações entre os dois blocos pode delinear-se
legitimamente a partir desta meta suprema do chefe da mais poderosa
nação da terra.
* * *
Começo a tarefa ponderando que a política desenvolvida por Nixon em
escala mundial é a mesma que Willy Brandt, primeiro ministro da Alemanha
Ocidental, vem levando a cabo em escala européia. Bonn espera uma paz
definitiva entre os os dois blocos — comunista e livre — no Velho
Continente, resolvendo primeiro as fricções existentes entre as duas
Berlins, depois as que existem entre as duas Alemanhas, e por fim as que
opõem as nações da NATO às do Pacto de Varsóvia.
Em
escala menor, age o general Lanusse. Lançou ele a sua política de "queda
de barreiras ideológicas", apoiando primeiramente, no plano
internacional, o Presidente marxista que vai arrastando para a miséria e
o caos o Chile. E, feita essa jogada inglória, prepara-se ele para
tentar a reintegração na OEA, de Cuba, a antiga Pérola das Antilhas,
reduzida por Fidel a pobre camundongo.
-
Como vemos, Nixon, Willy Brandt e Lanusse aplicam, em cenários
diferentes, o mesmo esquema. Sem falar de Trudeau no Canadá.
* * *
Se o
esquema é o mesmo, pode-se prever que ele se realizará na América
Latina, na Europa e no mundo por processos afins.
-
Quais são eles precisamente? - Pelo menos até o dia em que escrevo —
quinta-feira — os planos práticos de Nixon a este respeito são
herméticos. Idem os do general Lanusse. Assim, é para os de Willy Brandt
que se deve voltar nossa atenção.
Estes
últimos são claros. Numa primeira etapa, deseja ele reunir em um só
bloco, as nações da Europa livre. A "Europa dos Seis", há pouco
transformada em "Europa dos Dez", deverá constituir um vasto Estado
federal. Virá, em seguida, a aglutinação dos dois blocos europeus, o
livre e o comunista, em uma só federação, os Estados Unidos da Europa.
Algo de análogo aos Estados Unidos da América.
Aplicado o processo Willy Brandt às relações entre as superpotências, o
resultado será a formação dos Estados Unidos do Mundo, ou seja, de uma
República Universal dirigida por um governo mundial.
* * *
O
exemplo europeu nos faz sentir ao vivo um reflexo dessa convergência
entre as nações. É a convergência entre os regimes político-sociais.
Com
efeito, não se pode pensar em uma nação — ou supernação, como os Estados
Unidos da Europa — em cujo território estejam vigentes simultaneamente
dois regimes contraditórios. Máxime em nossos dias, quando o
entrelaçamento das relações culturais, sociais e econômicas entre as
várias partes de um país, mesmo muito vasto, é intenso e ininterrupto. O
corolário da fusão de todas as nações européias — ou mundiais — é
necessariamente a amálgama dos respectivos regimes. Em outros termos, a
convergência entre as nações conduz à adoção de um só regime,
semicomunista, semicapitalista.
Segundo os planos comunistas, o país pioneiro — ou cobaia — para tal
amálgama, deveria ser a Itália. Numa alegre farândola para ela
caminhavam, de braços dados, o PC, os dois PS e o PDC. A fórmula "Berlinger-Amendola",
da qual já tratei ("Folha de S. Paulo" de 21-11-71),
deveria facilitar a obtenção desse resultado. Mas alguns revezes
eleitorais sérios obrigaram os comparsas a suspender a caminhada...
* * *
A tal
propósito, registro a impopularidade de todo esse programa, na Europa
Ocidental. Na Alemanha, Willy Brandt está encontrando os maiores
obstáculos para fazer aprovar, no Parlamento, os tratados que assinou
com a Rússia e a Polônia, marcos preliminares de sua política de
convergência. Na Inglaterra, o gabinete conservador, a despeito das mais
fortes pressões sobre a Câmara dos Comuns para obter a aprovação do
ingresso do país na "Europa dos Dez", venceu pela insignificante maioria
de oito votos. Na França, a maior parte dos políticos profissionais é
favorável à convergência, porém não conheço uma só manifestação
importante da opinião pública a favor dela.
-
"Mas como?" exclamará algum leitor. "Estes opositores da convergência
estão loucos? Querem uma nova guerra?"
Aos
olhos de incontáveis pessoas, o medo da guerra é o grande argumento em
favor da amálgama de povos e regimes. - Mas, pergunto, donde parte essa
ameaça? - Evidentemente não de Nixon.
A ameaça parte, obviamente, de Moscou e de Pequim.
Ora,
as raposas vermelhas de uma e outra capital bem sabem que o resultado
dessas ameaças vai sendo o progresso da tendência "convergencialista" na
"saparia" e em setores ultrapacifistas do Ocidente. Daí se infere que
Moscou e Pequim fazem suas ameaças de guerra para levar o mundo à
convergência de nações e de regimes. Ou seja, que esta convergência é,
em seus planos, uma etapa — a última, aliás — para a conquista do mundo.
Quando se tratar do super governo mundial, esse será comunista, ou sairá
guerra. E será preciso mais uma vez ceder.
Logo,
a convergência de nações e de regimes resulta da ameaça comunista e
convém aos governos dos quais essa mesma ameaça procede. É isto de uma
evidência primária.
Portanto, russos e chineses estão certos de que as viagens de Nixon a
Pequim e a Moscou, marcos sensacionais da convergência, trarão ao
comunismo o domínio do mundo.
É
isto tão simples, tão claro, tão terrível! Entretanto, ao que parece,
quase ninguém o vê...