Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 20 de fevereiro de 1972

Fósforos acesos, canivetes em chuva, e um grande Bispo

O que vem a ser precisamente o progressismo? Uma corrente sócio-econômica, ou filosófico-teológica?

- Em outros termos, seu objetivo último é a edificação, em escala mundial, de uma sociedade igualitária, a supressão das fronteiras e dos exércitos, e a conseqüente implantação de uma república universal? Ou nada disso está em seu programa, e ele se restringe ao campo religioso?

- Neste caso, o que visa ele, então? O estabelecimento de uma só religião universal, abolidos os dogmas ou as crenças que separam hoje as diversas religiões, com a correlata introdução de uma moral permissivista, que importe na supressão de todos os preceitos? E ainda — por fim — a instauração de uma estruturação eclesiástica horizontal e simplificada, que confira ao povo a missão dirigente, até aqui a cargo da Hierarquia?

Se fizermos estas perguntas à primeira pessoa genuinamente alfabetizada que encontrarmos pela rua, provavelmente ela hesitará, emitirá respostas incompletas e contraditórias, e terminará por dizer que não sabe bem. Pois nesta confusão está — penso eu — a grande maioria de nosso público. O mais das vezes, só especialistas estão em condições de responder à pergunta com toda a clareza. Mas estes — a triste experiência o mostra — evitam quase sempre ser claros. Os antiprogressistas, por medo, sabem que uma resposta límpida e corajosa lhes atrairá sobre a cabeça uma chuva de fósforos acesos, ou de canivetes de ponta para baixo. Os progressistas, por prudência, não lhes convém a clareza, pois a obra das trevas só nas trevas encontra condições para medrar.

E assim, a grande maioria continua desinformada, hesitante, confusa. Com vantagem, evidentemente, para o progressismo...

* * *

As perguntas com que iniciei este artigo, nem sequer se costuma apresentá-las com tanta precisão. A razão disto não é difícil de encontrar. Com efeito, basta que sejam analisadas com atenção pelos espíritos mais cultivados e penetrantes, para que a resposta surja, neles, espontânea e límpida como um jorro de luz.

Com efeito, não há que decidir se o progressismo é uma corrente de um ou de outro tipo. O "ideal" temporal, que de início mencionei, e o "ideal" religioso se postulam reciprocamente. Um é o corolário necessário do outro. Quem aspira à república universal igualitária, tem a alma forçosamente propensa para a religião universal igualitária. E reciprocamente. É impossível a uma corrente de pensamento e de ação, aceitando uma dessas duas bandeiras, não empunhar ao mesmo tempo a outra. Atuando no campo político, tal corrente produzirá automaticamente reflexos no campo religioso. E vice-versa.

Assim, o progressismo não é só sócio-econômico ou só teológico-filosófico. Pela própria natureza das coisas, ele é forçosamente uma coisa e outra.

* * *

Isto posto, outro tema sobre o qual o grande público tem uma noção das mais vagas, também se esclarece. É o do misterioso processo de "autodemolição da Igreja", de que falou certa vez Pauto VI. — Como pode a Igreja imortal ser sujeita a um processo de autodemolição? No que consiste ele? pergunta-se muita gente. — O Pontífice não o disse.

Mas já agora, em função do que acabamos de ver, a resposta é iniludível. Essa demolição consiste na penetração velhaca, silenciosa, torrencial, solapadora, da influência modernista nos meios católicos. Tal influência visa substituir neles a fidelidade a uma Igreja única, hierárquica, mestra infalível da verdade e do bem, em luta incessante contra os cismas e as heresias, mantenedora de preceitos morais austeros e imutáveis, pela adesão a uma Igreja sem dogmas nem hierarquia, aberta a todos os erros como a todas as verdades, e em paz com todos os cismas e todas as heresias. A influência progressista visa também extirpar da alma dos fiéis o ideal tradicional da civilização cristã, projeção temporal do próprio conceito de Igreja Católica, substituindo-o pelo "ideal" de uma "civilização" comunista mais ou menos velada.

E essa demolição merece ser chamada autodemolição, na medida em que é levada a cabo pelos próprios filhos da Igreja, clérigos ou leigos.

Se tudo isto fosse dito e explicado, não nos exíguos limites de um artigo de jornal, mas em um livro sério, que expusesse e refutasse as principais dentre as teses que formam o conteúdo doutrinário do progressismo — um livro documentado, completo, atraente e acessível — que imenso bem daí adviria para o Brasil!

* * *

Com uma capa nobremente episcopal — báculo dourado sobre fundo de brocado vermelho — este livro providencial acaba de sair a lume.

Não temendo nem os fósforos acesos, nem a chuva de canivetes, escreveu-o D. Antônio de Castro Mayer (*), Bispo de Campos: o Prelado que a imprensa diária, tratando da recente reunião de Bispos em Itaipava, qualificava, a justo título, de "o Bispo mais conservador do Brasil".

O nome de D. Mayer é mencionado com admiração e respeito por todos quantos, nas últimas décadas, vêm acompanhando de perto o desenvolvimento da crise progressista no Brasil. O valor intelectual do personagem, a profundidade de seus pensamentos, a coragem de suas atitudes, não permitiam que tão grande vulto passasse despercebido. Entretanto, o que nem todos sabem é que as obras de D. Mayer, traduzidas em vários idiomas, lhe granjearam, fora de nosso País, uma larga reputação. A tal ponto que na Europa como nas duas Américas há hoje gente que fita a Diocese de Campos como o paraíso dos que querem conservar bem erguido o pendão glorioso da luta contra o progressismo.

Desde 1950 até nossos dias, D. Antônio de Castro Mayer vem publicando impressionantes documentos sobre os vários aspectos desta velada ofensiva da religião universal e da república universal nos meios católicos. Se sua grande voz tivesse sido ouvida como merece, o País não teria sofrido os abalos perigosos a que o criptocomunismo católico o expôs. E nosso horizonte ideológico não estaria tão vergonhosamente poluído como nestes dias, marcados entretanto por um promissor progresso econômico.

Reunindo em um volume intitulado "Por um Cristianismo Autêntico" (Editora Vera Cruz, São Paulo, 1971), nove Cartas Pastorais, uma Instrução Pastoral e uma Circular, D. Antônio de Castro Mayer acaba de tomar uma medida de grande alcance para remediar os males que sua voz procurou evitar.

Recomendo ao leitor que se muna desta obra, a qual não pode faltar em sua biblioteca. Aconselho-o a que vá diretamente ao opulento índice alfabético de matérias, na página 383 e seguintes. Nele verá o elenco de todas as questões que o preocupam, juntamente com as indicações de onde encontrar, no livro, a solução. Esta, enunciada sempre com clareza lapidar, farta erudição, lógica robusta e, sobretudo, ortodoxia imaculada, ajudá-lo-á a passar, com a alma ilesa, pela atmosfera fuliginosa e deteriorada do mundo contemporâneo.


(*) D. Antonio de Castro Mayer nasceu em Campinas, no Estado de São Paulo, em 20 de Junho de 1904. Formou-se em teologia na Universidade Gregoriana de Roma (1924-1927) onde foi ordenado Sacerdote em 30 de Outubro de 1927. Assistente Geral da Acção Católica de São Paulo (1940), depois Vigário geral da Arquidiocese (1942-1943), em 23 de Maio de 1948 foi sagrado Bispo e nomeado coadjutor, com direito de sucessão, do Bispo de Campos. Governou como Bispo a diocese de Campos até 1981. D. Antonio rompeu com Plinio Corrêa de Oliveira e com a TFP em Dezembro de 1982. O fato tornou-se logo público (Folha da Tarde, 10 de Abril de 1984; Jornal do Brasil, 20 de Agosto de 1984) e liga-se à progressiva aproximação do ex-Bispo de Campos à posição de Mons. Marcel Lefebvre, culminando com a participação do mesmo D. Antonio de Castro Mayer nas consagrações episcopais de Ecône em 30 de Junho de 1988, que o fizeram incorrer em excomunhão latae sententiae. Morreu em Campos em 25 de Abril de 1991 (cfr. "O Cruzado do Século XX - Plinio Corrêa de Oliveira", Roberto de Mattei, com Prefácio do Cardeal Alfons Maria Stickler S.D.B., Editora Civilização, Portugal, 1998).


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