Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 13 de fevereiro de 1972

Fala o "Rude Pravo"

O "Rude Pravo" é um jornal de Praga, feito de modo especial para consumo do público intelectualizado. Naturalmente, exprime ele o pensamento de áreas governamentais, pois tal é a invariável condição da imprensa nos países detrás da cortina de ferro.

Esta circunstância confere invulgar interesse a um curioso comentário sobre as "Nações Unidas da Europa", publicado por aquele jornal. Pois, como se sabe, as autoridades de Praga seguem docilmente a "linha justa" de Moscou. E dado que duas quantidades iguais a uma terceira são iguais entre si, o pronunciamento do jornal checo envolve, de algum modo, o próprio Kremlin.

É tão sesquipedal — e ao mesmo tempo tão sintomático — o plano do "Rude Pravo" para as "Nações Unidas da Europa", que não quero deixar de o comentar com meus leitores.

* * *

É o "Rude Pravo", naturalmente, muito favorável a uma Europa unida que inclua todos os países do continente, tanto de aquém como de além cortina de ferro. Para vitalizar as relações entre os dois blocos, o jornal augura, idilicamente, toda espécie de intercâmbios: comercial, científico, cultural, etc. Não falta sequer, à lista, a etérea colaboração para a luta contra a poluição.

O corolário natural de tão grande e mútua amizade é o desmantelamento do Pacto de Varsóvia e da NATO. O que, diga-se de passagem, deixaria a Europa Ocidental, ingênua, liberal e pacifista, à mercê do monstro russo, sabido, agressivo e rigidamente ditatorial.

Voltando ao tema, a todos os planos para favorecer a paz, o "Rude Pravo" só opõe uma restrição. O jornal admite a possibilidade de entrarem turistas no mundo comunista. Mas, recusa categoricamente a hipótese do intercâmbio de idéias e de cidadãos.

Para justificar essa restrição, a folha checa declara que tal intercâmbio, proposto pelo Ocidente, não passa de uma tentativa de subversão ideológica contra o Oriente.

* * *

Não espanta que as autoridades comunistas vejam com indiferença a entrada de pequenos magotes de turistas, rigidamente arregimentados, fiscalizados e dirigidos por guias a serviço da polícia. Merece especial comentário, isto sim, o pânico dos potentados comunistas — transparente nas linhas do "Rude Pravo" — quanto ao intercâmbio de pessoas e idéias.

Antes de tudo, se tal intercâmbio continuar proibido a Europa permanecerá dividida pela cortina de ferro. Isto é, pela mais formidável e sinistra das fronteiras. Chamar de "unida" uma Europa assim dividida é um embuste tão grosseiro, que toma ares de sarcasmo. Mas há mais.

Todo o Ocidente — com a permissão ou tolerância dos respectivos governos — é sacudido por uma obstinada e incessante propaganda comunista, soprada de Moscou e de Pequim. Livros, revistas, jornais, corpos de balé, circos, exposições flutuantes, tudo quanto de lá se queira enviar, é recebido pachorrentamente, ou até com simpatia, no Ocidente.

- Por que motivo, então, a penetração das idéias em curso no Ocidente não pode ser recebida com análogas disposições no Oriente? A reciprocidade não é, porventura, a condição mais elementar do bom convívio entre indivíduos, como também entre nações?

* * *

Isto tudo, do mero ponto de vista das relações internacionais.

De um ponto de vista ainda mais profundo, o assunto deixa ver novos aspectos.

A propaganda comunista se compraz em fazer crer aos ocidentais, que o regime em que estes vivem, detestado pelas massas, cambaleia perigosamente, e será derrubado por um furacão, de um momento para o outro.

Contudo, até hoje não houve uma só eleição limpa em que os comunistas tenham conquistado maioria de votos. E isto apesar de usarem e abusarem da liberdade que se lhes concede.

- Pergunto: é mesmo débil este regime? Ou na própria liberdade que concede aos comunistas, afirma ele esplendidamente a solidez das raízes populares e tradicionais sobre que assenta?

Sou contrário à liberdade para os comunistas. Considero-a errada no plano doutrinário, e, pejada de inconvenientes no prático. Mas isto não me impede de pensar que, na atual conjuntura histórica, e nos quadros do regime representativo, ela serve pelo menos para provar, de modo ofuscante, a vitalidade da tradição cristã sobre a qual se firmam os institutos da família e da propriedade.

Pelo contrário, quão débil e timorato se mostra o comunismo ante a perspectiva de uma propaganda adversa, a ser realizada nas terras por eles escravizadas!

Hoje, como nos piores tempos de Lenine e de Stalin, uma livraria que vendesse material anticomunista seria lá considerado um perigo para a instabilidade das instituições...

E assim, comparado ao Ocidente, o regime comunista toma nitidamente o aspecto de um frágil castelo de cartas!

Disto não podem esquecer-se os que, entre nós, não cessam de pôr em contraste nossa aparente debilidade, com a não menos aparente robustez dos regimes comunistas.

A esta altura do comentário, um problema salta aos olhos. Se estão assim tão fracos os governos comunistas, tal se deve, pelo menos em grande parte, à pobreza em que mantém a população. De outro lado, a tirania graças à qual eles se conservam, não pode deixar de agravar sua impopularidade. Por fim, informações dignas de toda a fé tem feito constar que uma imensa "fome de Deus" vai surgindo no seio daquelas infelizes populações que tem fome de tudo.

Assim, pergunto se a instauração das "nações unidas da Europa", máxime nos termos preconizados pelo "Rude Pravo", seria realmente um meio de assegurar a paz, ou uma jogada para perpetuar no poder as autoridades comunistas desacreditadas e cambaleantes. Mais precisamente, indago se seria, da parte do Ocidente um ato de prudência, ou de doida condescendência com o ateísmo, a miséria e a tirania.

Parece-me que seria um ato de doida cumplicidade.

Mas isto, de si, já é tema para outro artigo...


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