Folha de S. Paulo, 30 de janeiro de 1972
"AÇÚCAR NELES!"
É
tenaz o mito da popularidade do comunismo. E, mais ainda que tenaz, é
nocivo. Pois leva numerosas pessoas - por vezes das mais influentes nos
diversos setores da vida religiosa e social - a fazer ao movimento
comunista espantosas concessões.
Outrora, os políticos de carreira cediam de bom grado ante as exigências
dos grandes da terra, ainda quando absurdas. As recompensas e galardões
pagavam de sobejo o sacrifício de alguma preferência pessoal. Hoje em
dia - imaginam muitos - o poder pertence às massas. De onde, agradar a
estas é condição essencial para a conquista da popularidade, do sucesso
e do Poder. Ora, como as massas são comunistas, ou pelo menos simpatizam
com o comunismo, é preciso estar bem com este último.
Não é
só a ambição que conduz a esta política de concessão. É também um mal
entendido amor à concórdia. Posto que as massas são comunistas, ou pelo
menos comunistizantes, ou se entra em luta com elas, ou se cede. A luta
dará em convulsões trágicas, e ademais inúteis, pois as massas acabarão
por levar a melhor. Logo, é preferível ir cedendo.
Estas
e outras razões inspiram, em todo o mundo livre, uma poderosa corrente a
ir entregando lentamente (ou rapidamente, conforme o caso) o terreno,
ante a investida vermelha.
Importa, pois, privar o comunismo das vantagens incontáveis que o
entreguismo põe em seu caminho. Isto se consegue com um argumento "ad
hominem". Um argumento que desarma e tranqüiliza o entreguismo.
Tal
argumento é simples. É falso que, em nossos dias, as massas sejam
vermelhas. Sempre que se lhes dá oportunidade de se exprimirem, elas
repudiam o comunismo. Vermelha, ou pelo menos "vermelhizante" é, isto
sim, a saparia. Ou seja, grande parcela das classes dirigentes, as quais
o entreguista considera irremediavelmente condenadas pelo curso da
História.
Se
queremos convencer desta verdade tanta gente assustadiça, é preciso
insistir nesta tese, sempre que o noticiário dos jornais dá ensejo a
isso. É o que fazemos.
* * *
Neste
sentido, foram eloqüentes as eleições realizadas no Chile para o
preenchimento de vagas na Câmara dos Deputados e no Senado.
Realizaram-se elas no último dia 16, nas províncias de O’Higgins,
Colchagua e Linares.
Várias circunstâncias concorreram para dar a essas eleições o caráter de
um teste sobre as tendências do corpo eleitoral de todo o país.
Com
efeito, realizaram-se elas no momento em que, de norte a sul da nação
andina, duas grandes tendências ideológicas se confrontam: o governismo,
agrupado em torno do presidente marxista, e a oposição antimarxista. A
luta espetacular entre elas empurrou para segunda plana todas as
rivalidades pessoais e locais. Nas referidas províncias, entraram em
choque as duas forças nacionais. Empenharam elas no pleito todos os seus
meios de propaganda, a influência de suas personalidades mais
destacadas, o esforço integral de seus respectivos aparelhamentos
partidários.
Ademais, em O’Higgins, Colchagua e Linares residem aproximadamente 8%
dos eleitores chilenos.
O
resultado das urnas não poderia pois deixar de ter o significado de um
teste de alcance nacional.
Neste
teste, um dado levaria a pesar em favor dos esquerdistas: na província
de O’Higgins-Colchagua, existe a maior mina de cobre do mundo, e
portanto uma importante concentração operária.
Outro
dado importante em favor dos esquerdistas é que o Chile está em regime
de violência. Violência governamental, antes de tudo. Como se sabe, o
conjunto da imprensa chilena se encontra sob pressão do Estado. Os
órgãos da esquerda gozam de todos os favores e incentivos oficiais. Os
da oposição vão vivendo mal e mal num regime de coerção e intimidação. O
mesmo se diga da rádio e da TV. Mais ainda, boa parte dos órgãos de
comunicação de massa pertence ao próprio governo. Mas esse último dispõe
ainda de outros meios. Todos os cargos públicos são para a esquerda.
Para os partidários desta, o fisco é como uma boa mãe indulgente, que
faz vistas grossas a tudo. E a polícia lhes protege, solícita, a pele e
os bens. Pelo contrário, a oposição é absolutamente perseguida. Taxações
desmedidas, chicanas no examinar as declarações de renda, recusa da
força para lhes garantir o direito à vida, à integridade física, aos
bens, tudo isso sofrem os membros da oposição.
Ao
lado da violência governamental, há a violência comunista extra-oficial.
Mais ou menos impunemente, os elementos do MIR (Movimento de Izquierda
Revolucionária) atacam a murros ou a tiros a quem se opõe ao marxismo.
Evidentemente, todas estas pressões têm como resultado a intimidação dos
chefes grandes, médios e pequenos, da oposição, para os quais fica
arriscado estimular, orientar, esclarecer e coordenar o eleitorado
oposicionista.
Assim, pois, tudo levaria a que o teste eleitoral fosse pró-governo.
Pois
bem, o marxismo foi derrotado e a oposição saiu vencedora.
-
Quem fez isto? - As massas, supostamente vermelhas...
* * *
Não
encontrei nos jornais brasileiros dados sobre o coeficiente de
comparecimento às urnas. Tais dados seriam muito significativos para se
avaliar a real importância das forças em luta. Com efeito, dadas as
dificuldades com que contou a oposição, é natural que as abstenções
tenham sido muito mais numerosas no campo dela do que no do governismo.
Além do mais, como se sabe, o eleitorado marxista é muito mais
disciplinado que o liberal, e provavelmente grande maioria dos
abstencionistas terá pertencido à oposição. Quem quisesse conhecer as
verdadeiras dimensões do oposicionismo antimarxista deveria somar aos
eleitores dos candidatos antigovernistas, pelo menos boa parte dos
abstencionistas.
Entremos mais a fundo na análise dos números. Em O’Higgins e Colchagua,
o senador oposicionista alcançou 52,7% dos votos, obtendo os governistas
apenas 46,4%. Na última eleição, de 4-4-71, a oposição teve 49,3% na
mesma província e o governo 49,6%. Em Linares, o candidato oposicionista
à Câmara dos Deputados obteve 58,0% dos votos contra 40,9% dados à
Unidade Popular. Pelo contrário, na eleição de abril do ano passado, a
oposição obtivera apenas 51,3% e o governo 46,0%.
Assim, o significado da votação é o mais claro possível. Não só a
maioria é antimarxista, mas o antimarxismo progrediu sob o governo de
Allende.
Pormenor saboroso: o açodamento com o qual o presidente marxista vem
radicalizando a reforma agrária concorreu para que os trabalhadores
rurais votassem contra o governo. Não sou eu quem o diz. Enumerando as
causas da derrota, "La Nacion", órgão governista, mencionou, entre
outras, o fato de que "o eleitorado camponês não conseguiu acompanhar o
ritmo acelerado das profundas reformas operadas na estrutura do país".
Em outros termos, os camponeses não gostaram do agroreformismo do
camarada Allende.
Assim, o significado da votação é o mais claro possível. Não só a
maioria é antimarxista, mas o antimarxismo progrediu sob o governo de
Allende.
- O
que dirá a isto um entreguista?
O
general Lanusse, por exemplo, imagina ganhar os votos da massa, na
Argentina, com sua "generosa" política de abolição das barreiras
ideológicas. Dar-se-á ele conta de que, na realidade, acendendo o sinal
verde para Allende, na política do continente, não faz figura de
libertador das massas chilenas oprimidas, mas de opressor das mesmas
massas, descontentes? É como tal que o julgarão as massas argentinas.
Oh,
quantos erros políticos evitariam os que imaginam vermelhas as massas
modernas, se se dessem ao trabalho de analisar objetivamente os fatos!
* * *
Mudo inteiramente
de assunto.
Um
episódio num ônibus. Um padrezinho de manga de camisa, entre 40 e 50
anos, conversa muito lampeiro, ao lado de uma jovem de uns 17 ou 18
anos. Falava-lhe longamente contra a TFP, sustentando que esta precisa
ser demolida. A jovem, aparentemente, estava pouco interessada no padre,
na TFP e em qualquer assunto que não dissesse respeito à sua vidinha
pessoal. Por isso, limitava-se a ouvir. Assim, a conversa foi morrendo,
e o padre mudou de assunto.
Passou ele a comentar então um grande anúncio publicado há dias por
produtores e exportadores de açúcar: a foice e o martelo sobre o fundo
preto, e as palavras: "Açúcar neles!" Os anunciantes, órgãos privados,
se congratulavam por ter exportado açúcar para o regime adversário de
toda a iniciativa privada. O padre achava isso muito inteligente, e
explicava: "Com polemica ou com força nunca se destrói um adversário. O
único meio de lutar contra o comunismo é realmente tratá-lo a açúcar".
A
mocinha, na sua ingenuidade, perguntou então ao trêfego sacerdote se não
seria melhor usar a mesma tática para liquidar a tão funesta TFP. O
padre tartamudeou. Do banco de trás se levantou uma boa risada jovial.
Era de dois militantes da TFP, que perguntaram ao padre que resposta
tinha para a pergunta da mocinha. Entrementes, o ônibus parou e esta
desceu. Havia chegado à porta de casa. Vendo-a a afastar-se, o padre
respondeu furibundo: "Essas mocinhas bobinhas não entendem nada". E
virou inteiramente as costas. Os dois militantes da TFP continuavam a
rir. E um disse ao outro: "Por vezes o Espírito Santo fala pela boca dos
inocentes"!
O
padre não ouviu. Ou não quis ouvir...