Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 30 de janeiro de 1972

"AÇÚCAR NELES!"

É tenaz o mito da popularidade do comunismo. E, mais ainda que tenaz, é nocivo. Pois leva numerosas pessoas - por vezes das mais influentes nos diversos setores da vida religiosa e social - a fazer ao movimento comunista espantosas concessões.

Outrora, os políticos de carreira cediam de bom grado ante as exigências dos grandes da terra, ainda quando absurdas. As recompensas e galardões pagavam de sobejo o sacrifício de alguma preferência pessoal. Hoje em dia - imaginam muitos - o poder pertence às massas. De onde, agradar a estas é condição essencial para a conquista da popularidade, do sucesso e do Poder. Ora, como as massas são comunistas, ou pelo menos simpatizam com o comunismo, é preciso estar bem com este último.

Não é só a ambição que conduz a esta política de concessão. É também um mal entendido amor à concórdia. Posto que as massas são comunistas, ou pelo menos comunistizantes, ou se entra em luta com elas, ou se cede. A luta dará em convulsões trágicas, e ademais inúteis, pois as massas acabarão por levar a melhor. Logo, é preferível ir cedendo.

Estas e outras razões inspiram, em todo o mundo livre, uma poderosa corrente a ir entregando lentamente (ou rapidamente, conforme o caso) o terreno, ante a investida vermelha.

Importa, pois, privar o comunismo das vantagens incontáveis que o entreguismo põe em seu caminho. Isto se consegue com um argumento "ad hominem". Um argumento que desarma e tranqüiliza o entreguismo.

Tal argumento é simples. É falso que, em nossos dias, as massas sejam vermelhas. Sempre que se lhes dá oportunidade de se exprimirem, elas repudiam o comunismo. Vermelha, ou pelo menos "vermelhizante" é, isto sim, a saparia. Ou seja, grande parcela das classes dirigentes, as quais o entreguista considera irremediavelmente condenadas pelo curso da História.

Se queremos convencer desta verdade tanta gente assustadiça, é preciso insistir nesta tese, sempre que o noticiário dos jornais dá ensejo a isso. É o que fazemos.

* * *

Neste sentido, foram eloqüentes as eleições realizadas no Chile para o preenchimento de vagas na Câmara dos Deputados e no Senado.

Realizaram-se elas no último dia 16, nas províncias de O’Higgins, Colchagua e Linares.

Várias circunstâncias concorreram para dar a essas eleições o caráter de um teste sobre as tendências do corpo eleitoral de todo o país.

Com efeito, realizaram-se elas no momento em que, de norte a sul da nação andina, duas grandes tendências ideológicas se confrontam: o governismo, agrupado em torno do presidente marxista, e a oposição antimarxista. A luta espetacular entre elas empurrou para segunda plana todas as rivalidades pessoais e locais. Nas referidas províncias, entraram em choque as duas forças nacionais. Empenharam elas no pleito todos os seus meios de propaganda, a influência de suas personalidades mais destacadas, o esforço integral de seus respectivos aparelhamentos partidários.

Ademais, em O’Higgins, Colchagua e Linares residem aproximadamente 8% dos eleitores chilenos.

O resultado das urnas não poderia pois deixar de ter o significado de um teste de alcance nacional.

Neste teste, um dado levaria a pesar em favor dos esquerdistas: na província de O’Higgins-Colchagua, existe a maior mina de cobre do mundo, e portanto uma importante concentração operária.

Outro dado importante em favor dos esquerdistas é que o Chile está em regime de violência. Violência governamental, antes de tudo. Como se sabe, o conjunto da imprensa chilena se encontra sob pressão do Estado. Os órgãos da esquerda gozam de todos os favores e incentivos oficiais. Os da oposição vão vivendo mal e mal num regime de coerção e intimidação. O mesmo se diga da rádio e da TV. Mais ainda, boa parte dos órgãos de comunicação de massa pertence ao próprio governo. Mas esse último dispõe ainda de outros meios. Todos os cargos públicos são para a esquerda. Para os partidários desta, o fisco é como uma boa mãe indulgente, que faz vistas grossas a tudo. E a polícia lhes protege, solícita, a pele e os bens. Pelo contrário, a oposição é absolutamente perseguida. Taxações desmedidas, chicanas no examinar as declarações de renda, recusa da força para lhes garantir o direito à vida, à integridade física, aos bens, tudo isso sofrem os membros da oposição.

Ao lado da violência governamental, há a violência comunista extra-oficial. Mais ou menos impunemente, os elementos do MIR (Movimento de Izquierda Revolucionária) atacam a murros ou a tiros a quem se opõe ao marxismo.

Evidentemente, todas estas pressões têm como resultado a intimidação dos chefes grandes, médios e pequenos, da oposição, para os quais fica arriscado estimular, orientar, esclarecer e coordenar o eleitorado oposicionista.

Assim, pois, tudo levaria a que o teste eleitoral fosse pró-governo.

Pois bem, o marxismo foi derrotado e a oposição saiu vencedora.

- Quem fez isto? - As massas, supostamente vermelhas...

* * *

Não encontrei nos jornais brasileiros dados sobre o coeficiente de comparecimento às urnas. Tais dados seriam muito significativos para se avaliar a real importância das forças em luta. Com efeito, dadas as dificuldades com que contou a oposição, é natural que as abstenções tenham sido muito mais numerosas no campo dela do que no do governismo. Além do mais, como se sabe, o eleitorado marxista é muito mais disciplinado que o liberal, e provavelmente grande maioria dos abstencionistas terá pertencido à oposição. Quem quisesse conhecer as verdadeiras dimensões do oposicionismo antimarxista deveria somar aos eleitores dos candidatos antigovernistas, pelo menos boa parte dos abstencionistas.

Entremos mais a fundo na análise dos números. Em O’Higgins e Colchagua, o senador oposicionista alcançou 52,7% dos votos, obtendo os governistas apenas 46,4%. Na última eleição, de 4-4-71, a oposição teve 49,3% na mesma província e o governo 49,6%. Em Linares, o candidato oposicionista à Câmara dos Deputados obteve 58,0% dos votos contra 40,9% dados à Unidade Popular. Pelo contrário, na eleição de abril do ano passado, a oposição obtivera apenas 51,3% e o governo 46,0%.

Assim, o significado da votação é o mais claro possível. Não só a maioria é antimarxista, mas o antimarxismo progrediu sob o governo de Allende.

Pormenor saboroso: o açodamento com o qual o presidente marxista vem radicalizando a reforma agrária concorreu para que os trabalhadores rurais votassem contra o governo. Não sou eu quem o diz. Enumerando as causas da derrota, "La Nacion", órgão governista, mencionou, entre outras, o fato de que "o eleitorado camponês não conseguiu acompanhar o ritmo acelerado das profundas reformas operadas na estrutura do país". Em outros termos, os camponeses não gostaram do agroreformismo do camarada Allende.

Assim, o significado da votação é o mais claro possível. Não só a maioria é antimarxista, mas o antimarxismo progrediu sob o governo de Allende.

- O que dirá a isto um entreguista?

O general Lanusse, por exemplo, imagina ganhar os votos da massa, na Argentina, com sua "generosa" política de abolição das barreiras ideológicas. Dar-se-á ele conta de que, na realidade, acendendo o sinal verde para Allende, na política do continente, não faz figura de libertador das massas chilenas oprimidas, mas de opressor das mesmas massas, descontentes? É como tal que o julgarão as massas argentinas.

Oh, quantos erros políticos evitariam os que imaginam vermelhas as massas modernas, se se dessem ao trabalho de analisar objetivamente os fatos!

* * *

Mudo inteiramente de assunto.

Um episódio num ônibus. Um padrezinho de manga de camisa, entre 40 e 50 anos, conversa muito lampeiro, ao lado de uma jovem de uns 17 ou 18 anos. Falava-lhe longamente contra a TFP, sustentando que esta precisa ser demolida. A jovem, aparentemente, estava pouco interessada no padre, na TFP e em qualquer assunto que não dissesse respeito à sua vidinha pessoal. Por isso, limitava-se a ouvir. Assim, a conversa foi morrendo, e o padre mudou de assunto.

Passou ele a comentar então um grande anúncio publicado há dias por produtores e exportadores de açúcar: a foice e o martelo sobre o fundo preto, e as palavras: "Açúcar neles!" Os anunciantes, órgãos privados, se congratulavam por ter exportado açúcar para o regime adversário de toda a iniciativa privada. O padre achava isso muito inteligente, e explicava: "Com polemica ou com força nunca se destrói um adversário. O único meio de lutar contra o comunismo é realmente tratá-lo a açúcar".

A mocinha, na sua ingenuidade, perguntou então ao trêfego sacerdote se não seria melhor usar a mesma tática para liquidar a tão funesta TFP. O padre tartamudeou. Do banco de trás se levantou uma boa risada jovial. Era de dois militantes da TFP, que perguntaram ao padre que resposta tinha para a pergunta da mocinha. Entrementes, o ônibus parou e esta desceu. Havia chegado à porta de casa. Vendo-a a afastar-se, o padre respondeu furibundo: "Essas mocinhas bobinhas não entendem nada". E virou inteiramente as costas. Os dois militantes da TFP continuavam a rir. E um disse ao outro: "Por vezes o Espírito Santo fala pela boca dos inocentes"!

O padre não ouviu. Ou não quis ouvir...


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