Folha de S. Paulo, 23 de janeiro de 1972
Comunismo: a grande mudança de tática
O
desejo de publicar, a propósito do sesquicentenário de nossa
independência, uma invocação a Nossa Senhora Aparecida, levou-me a adiar
para hoje mais uns comentários sobre o "comunismo invisível", do qual
tratou eximiamente o general Souza Mello em sua saudação à Marinha de
Guerra.
Conheço muitos anticomunistas que se aferram a uma noção antiquada do
adversário que juntos combatemos. Concebem eles a conquista do poder
pelo comunismo, à maneira de um processo composto, sempre e
necessariamente, pelas seguintes etapas:
1.
Forma-se um núcleo inicial de adeptos, habitualmente intelectuais,
estudantes e operários.
2.
Esse núcleo parte para a conquista e arregimentação de quadros mais
amplos, por meio da difusão das idéias e das obras de Marx, Engels,
Lenine e outros tantos.
3.
Constitui-se assim - pela força suasória do proselitismo, note-se bem -
uma corrente comunista ponderável - que por sua vez inicia a conquista
das massas. Tal conquista se opera por meio de duas formas de atividade,
distintas mas entrelaçadas:
a) um
proselitismo ideológico já então apoiado em grandes meios de ação, como
jornais, editoras, rádio, televisão, partido comunista organizado, etc;
b)
agitações, isto é, greves, sabotagens, atentados, etc.
O
proselitismo em larga escala (item "a") deve atrair as massas para o PC.
A agitação visa intimidar e paralisar as elites, tornando mais afoita a
ofensiva das massas. Ainda aqui - note-se mais uma vez - a esperança de
êxito está fundamentalmente baseada no contágio ideológico. As elites
jamais se deixariam intimidar pela agitação, se não notassem
contaminadas as massas.
4.
Por fim, o PC, praticamente senhor da nação, conquistaria o Estado pela
via mais curta. Ou seja, mesmo antes de chegar pachorrentamente à
vitória eleitoral, ele queimaria as etapas promovendo uma dramática
"noite dos longos punhais", na qual seus sicários eliminariam os membros
da classe dirigente, durante uma revolta dos operários, camponeses,
soldados, etc.
Foi
mais ou menos o que se passou na Rússia, quando da transição do czarismo
para o comunismo. E por isso, as cenas de sangue no estilo da revolução
russa são o pesadelo contínuo de muitos anticomunistas.
Tão
obsedados ficam estes, que só concebem, para o comunismo, esta via de
acesso ao poder, só vêem na força, e quiçá na violência defensiva, a
verdadeira barreira contra o comunismo e consideram inofensivo o chamado
"comunismo invisível", contra o qual o Comandante do II Exército
alertou, com lucidez e destemor, os seus ouvintes.
Este
quadro não caducou inteiramente. Nele, porém, envelheceu um dado
fundamental. E se não tomarmos na devida conta este fenômeno, corremos o
risco de não entender mais nada em nossos dias.
Não
contesto o risco de um golpe de força comunista para a conquista do
poder. Minha observação me persuade entretanto - e cada vez mais - de
que o comunismo, que outrora julgava inteiramente suficiente, para sua
ações de força, o apoio de uma difusão ideológica radical e clara,
reconheceu que, nesse ponto, as circunstâncias mudaram. E que só uma
inoculação difusa da mentalidade comunista nas massas as pode induzir a
dar ao golpe de força o apoio sem o qual este seria impotente.
A tal
respeito, a conhecida revista "Est-Ouest", órgão da "Association d’Études
et d’Informations Politiques Internationales", de Paris, publicou em seu
nº 475, de 16/10/71, um artigo suculento de Fréderic Raven, intitulado
"Evolução comparada das forças eleitorais e dos efetivos do partido
comunista dos países da Europa Ocidental depois de 1945".
Esclarece-nos o autor que os dados numéricos contidos em seu estudo
provém de diferentes publicações comunistas oficiais. Ou - quando se
trata de estimativas - foram elas baseadas em fontes autorizadas, em
particular na Branko Lazitch e na revista anual do Departamento de
Estado, "World Strength of the communist Organizations" de Washington.
Dispondo num quadro os dados de "Est-Ouest" referentes aos PCs dos
principais países europeus de aquém cortina de ferro, vemos que depois
da onda ascensional do comunismo no após-guerra, os PCs na Europa
entraram sistematicamente em estagnação crônica ou até em decadência.
Durante esse quarto de século, eles lançaram mão dos recursos
propagandísticos mais requintados e dispendiosos, para promover o
crescimento dos diversos PCs. E não recolheram senão fracassos. O que
significa, o repudio dos PCs, a rejeição do comunismo pelas massas,
sempre que este seja pregado com radical clareza.
* * *
Apogeu Eleição mais votação recente
País Ano % Ano Votos %
Alemanha
Ocidental 1949 5,7 1969 195.570 0,6
Áustria 1945 5,4 1971 60.756 1,3
Bélgica 1946 12,7 1968 172.686 3,3
Dinamarca 1945 12,5 1971 39.326 1,4
França 1946 28,6 1968 4.435.357 20,0
Holanda 1946 10,5 1971 246.569 3,9
Inglaterra 1945 0,4 1970 37.996 0,1
Itália 1948 31,0 1965 8.550.000 27,0
Noruega 1945 11,9 1969 22.520 1,0
Suécia 1944 10,3 1970 236.653 4,8
* * *
Isto
sem mencionar, fora do continente europeu, a derrota da Frente Ampla no
Uruguai e, nos últimos dias, a da Unidade Popular nas populosas
províncias chilenas de O’Higgins, Colchagua e Linares.
* * *
Os
dados não poderiam ser mais insofismáveis. A propaganda marxista feita
às escâncaras - insistimos - só serve, hoje em dia, para manter um
organismo eleitoral estagnado ou decadente, impossibilitando portanto de
dar à ação violenta o indispensável apoio das massas. Não podendo assim
conquistá-las pelo proselitismo direto, o comunismo trata de as tornar
receptivas por meio da ação difusa.
Os
veículos desta ação, todos os conhecemos. São o progressismo, a
contestação, a agressão sexual, o demo-cristianismo, o socialismo, etc.
Exageraria quem afirmasse que cada componente dessas correntes é um
comunista no sentido próprio e estrito do vocábulo. Mas aí está
precisamente o que a técnica comunista tem de genial. Ela mobiliza,
nesses movimentos, uma imensa mole de pessoas heterogêneas, das quais só
algumas são efetivamente comunistas. As demais são apenas simpatizantes
do comunismo em graus diversos. E dentre estas, algumas há que caminham
para o comunismo, movidas por impulsos de alma contraditórios, parecidos
com o entrechoque da virtude com o vício na alma da moçoila que começa
apenas a perder-se, ou do rapazola que está nas primeiras etapas que
conduzem ao caminho tenebroso das drogas. Essa imensa coligação de
comunistas autênticos com comunistas em estado de germe e pró-comunistas
subconcientes, pode formar a massa para o apoio à "noite dos longos
punhais".
Quem
julgar que, dominado o comunismo violento, e reduzido ao silêncio o PC,
qualquer país pode assistir de braços cruzados, dormindo ou sorrindo, a
expansão do comunismo invisível, baseia-se portanto em um panorama velho
de mais de vinte e cinco anos.
Em
nossos dias, a alternativa é clara: ou somamos aos métodos já clássicos
de repressão ao comunismo, a luta contra o comunismo invisível, ou
estamos preparando hoje a capitulação de amanhã.
De um
amanhã que poderá não tardar muito.