Folha de S. Paulo,
19 de
dezembro de 1971
Brasil, esperanças; Chile, apreensões
Os
últimos quinze dias foram ricos em motivos de ufania para os
brasileiros.
A
viagem do Presidente Médici aos Estados Unidos deixou bem claro quanto o
progresso de nosso País impressiona o mundo. A campanha de difamação
organizada no Exterior por maus brasileiros está a ponto de morrer. E a
verdadeira imagem do Brasil em desenvolvimento se vai firmando
irreversivelmente nos grandes centros mundiais de poder, de riqueza e de
cultura.
Entretanto, isto não é tudo. Na sua caminhada para o progresso, o Brasil
de 1971 está demonstrando que venceu antigos letargos e iniciou o
aproveitamento integral de seus imensos recursos. Com isso, nosso País
vai atraindo desde já a atenção de todos para o vulto que tomará dentro
de poucas décadas. E esse vulto é de gigante.
Como
todos os povos do mundo, o nosso tem seus defeitos; entre este não
figuram, porém, nem a arrogância, nem o desejo de mando. O ingresso do
Brasil no rol das grandes potências não significará ameaça de espoliação
ou humilhação para quem quer que seja. Quando ocuparmos por inteiro o
grande lugar que nos cabe entre as nações vanguardeiras, a influência
internacional do nosso País se fará sentir marcada com as
características de nosso povo, tão afetivo, cordial, pacífico.
Estamos crescendo sem nos compararmos com ninguém, sem ódios nem
complexos com os que vão à frente, sem menosprezo nem provocação para os
que vão atrás. Alegra-nos a convicção de que — no contexto da grande
família latino-americana, a que pertencemos — nosso desenvolvimento é um
fato saliente, porém não isolado. Em torno de nós, todos os nossos
irmãos progridem. E neste fato não vemos perspectivas de rivalidade ou
concorrência, mas de intercâmbio e mútuo estímulo. Caminhamos todos
juntos rumo a uma América Latina cada vez mais unida.
E não
é só à América Latina que nosso sentimento de solidariedade se estende.
Todo o Brasil acolheu com alegria os recentes tratados com Portugal,
vendo neles um marco para futuras e maiores aproximações com a mãe
Pátria européia e suas províncias de ultramar.
Análogo movimento leva as nações hispânicas deste Continente a se
acercarem cada vez mais de sua antiga metrópole.
O
mundo ibérico se vai assim cingindo num imenso amplexo, que reúne num
todo sempre mais coeso e compacto esta imensidade de nações
irreversivelmente independente, mas ligadas pelos vínculos da mesma Fé,
da mesma cultura, e de uma língua que se diria quase a mesma.
É
nesta perspectiva que o Brasil cresce e vê o futuro. Um futuro que,
esperamos, saberá aproveitar não só as lições que nosso passado rico em
tradições proporciona, como as que o mundo presente, fecundo em
dilacerações e tragédias, nos ministra. Com efeito, estamos assistindo
aos estertores do progresso nascido nesta era do vapor e da
eletricidade. Tal progresso, logo ao despontar, contestou o passado,
atirando-se atropelada e irrefletidamente para o futuro. Por isto, saiu
marcadamente torto. E porque ele é torto, geme hoje o mundo inteiro.
Esperamos que um progresso diferente, marcado pela tradição cristã e
pelo espírito latino, produza no século XXI — que será o do mundo
ibérico — frutos mais sazonados, para o bem de todos os povos.
Essas
esperanças têm seu fundamento. A par das realizações do presente,
constituem também elas, para nós, brasileiros, justos motivos de nossa
primaveril ufania.
Isto
que estava no espírito de todos — se bem que, talvez, algum tanto
esparsa, difusa e implicitamente — a viagem do Presidente Médici aos
Estados Unidos teve o condão de o precisar, de o pôr em relevo, e fazer
refulgir ao sol da notoriedade mundial.
* * *
Essas
palavras, que traduzem o consenso geral de nosso País, trariam consigo
um som oco, de falso otimismo, se no quadro ibero-americano não
colocássemos as sombras que a todos nos magoam. Cuba continua
escravizada e torturada. O Chile vai descendo, entre convulsões, o
caminho sombrio que conduz ao comunismo integral. Em virtude do
dirigismo opressivo, do estancamento da iniciativa individual, e do
confisco das propriedades, a produção se insurge. O governo encontra
pretextos para arrochar cada vez mais o intervencionismo e o Estado
policialesco.
O
desafio está armado. — Vencerá o povo, jogando por terra os demagogos
que o vão garroteando? Ou vencerão estes?
Esta
alternativa cruel, o Brasil bem a sentiu em 1964. O País soube escolher
o caminho certo.
A
analogia entre a situação brasileira de então, e a do Chile em nossos
dias, de tal maneira salta aos olhos, que Salvador Allende a ela se
referiu explicitamente em seu discurso de despedida a Fidel Castro.
Afirmou ele que o Chile atravessa agora dias iguais aos do Brasil de 64.
E se apressou em dizer que, ao contrário de Goulart, ele, Allende,
espera vencer.
Nós,
pelo contrário, esperamos que ele seja derrotado, para que vença o Chile
cristão. Só assim, Castro, reduzido à sangrenta e inglória exceção no
continente ibero-americano, se verá obrigado, pelo isolamento e pelo
repúdio geral, a deixar o poder. E a Ibero-América marchará então, sem
discrepância, para a plena realização de seu radioso futuro.
--
Tem o Chile as mesmas condições para vencer, com as quais contou o
Brasil? — A resposta tem que ser matizada. Pois a par de fatores que
autorizam esperanças, outros há que inquietam.
Já na
época de Jango, havia prelados cuja complacência com a avançada marxista
pesava a muitos brasileiros. Nenhum, entretanto, tinha ido tão longe —
melhor seria dizer tão para baixo — do que o Cardeal Silva Henriquez,
Arcebispo de Santiago, e os Bispos que o seguem.
De
outro lado, as forças armadas chilenas inspiram preocupações. A julgar
pela inércia que têm mantido até agora, parecem elas ter uma visão
unilateral de sua missão. Entendendo corretamente a subordinação ao
poder civil, esquecem que as Forças Armadas constituem, em qualquer
país, uma grande instituição nacional, à qual pode caber, em momento de
crise, a nobre tarefa de se transcenderem a si próprias, para assumir
temporariamente o governo e salvar a cousa pública.
Porque elas souberam entender com essa plenitude a sua missão, as Forças
Armadas preservaram do atoleiro, em 1964, nosso País. Melhor podemos
compreender o benefício que então nos fizeram, comparando o desfecho
glorioso da crise de 64, com as indecisões e as aflições pelas quais —
pela inércia de seus militares — passa o Chile contemporâneo.
De
fato, o desfecho de 64 foi uma prova de maturidade dos brasileiros,
especialmente de suas Forças Armadas. O contraste com a experiência
chilena faz luzir esta maturidade aos nossos olhos, precisamente no
momento em que o vulto do País se vai afirmando com tanta força no mundo
inteiro.
* * *
"Quem
está de pé, cuide de não cair". A advertência é de São Paulo (1 Cor.
10,12). As condições do progresso não são apenas o "ora et labora"
clássico. Entre elas está também a vigilância.
Erraria quem supusesse inútil a vigilância anticomunista no Brasil de
hoje. Daria provas de imaturidade o nosso País, se se despreocupasse, na
euforia do presente, do perigo vermelho. Lembrou-o bem o lúcido e
corajoso general Souza Mello, comandante do II Exército, no discurso em
homenagem à Marinha, recentemente pronunciado. Lembrou ele que cumpre a
todos se manterem "alertas e vigilantes à penetração solerte da
propaganda comunista na utilização de nossos meios de difusão". Ao ver
do ilustre militar, esta avançada vermelha constitui uma "revolução
comunista invisível", que a justo título ele qualificou de "tão
importante, ou talvez mais, do que a pregada por Fidel Castro".
Mas
esse discurso já constitui outro tema, do qual pretendemos tratar no
próximo artigo.