Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 10 de outubro de 1971

Do anonimato ao estrondo publicitário

Minha vida de lides doutrinárias vem de longe. Iniciei-a por volta de 1928, em nossa histórica Faculdade de Direito, com os memoráveis embates da Ação Universitária Católica. Lá vão, pois, 43 anos. Este longo tempo, eu o enchi com o serviço constante dos mesmos ideais, combatendo sempre, e portanto sempre combatido.

Ao longo dessas décadas — e disto todos são testemunhas — jamais saí do terreno ideológico, jamais ataquei alguém em sua vida privada ou em seus negócios privados. Também jamais houve o que dizer de mim neste terreno.

O leitor bem pode imaginar, pois, com quanto desagrado me vejo obrigado, pela contingência dos fatos, a cuidar aqui das falácias, das contradições e das distorções — todas elas sem o menor conteúdo doutrinário — de uma carta... de anônimos.

-- Mas como me abster, dado que essa carta foi publicada?

* * *

Veio ela a lume na secção "Dos Leitores" de "O Estado de S. Paulo" do dia 1º do corrente. Segundo informa o referido matutino, era ela de autoria de uma "comissão de residentes dos bairros de Santa Cecília e Higienópolis".

Ora, dos integrantes dessa comissão, não saiu nenhum nome. Seus autores são, portanto, anônimos. Pelo menos para mim e para o público.

Compreendo, aliás, que a "comissão de residentes" tenha desejado para si o anonimato. Pois, como se verá, esta é a posição mais fácil para a tarefa a que ela se propôs.

* * *

Vamos, antes de tudo, aos fatos, não como os anônimos os narram, mas como realmente eles se deram. Exponho-os o mais sucintamente possível.

Por volta das 23:30 horas da noite de 17 para 18 de setembro p.p., dois jovens se acercaram — proferindo insultos obscenos — de militantes da TFP, os quais se encontravam na rua Dr. Martinico Prado, junto ao n.º 377. Neste prédio funciona uma das sedes da referida entidade.

De início, os militantes tentaram encerrar cortesmente o episódio. Como os insultos continuassem, impunha-se outra solução. Esta poderia consistir no desforço físico. Mas os militantes da TFP, sempre afeitos aos procedimentos pacíficos e ordeiros, preferiram apelar para a autoridade. Encontrando-se, pois, próximo um oficial do Exército — o capitão de Cavalaria Carlos Antônio E. H. Poli — pediram-lhe que dissuadisse os dois agressores.

Depois de observar a cena por algum tempo, o capitão Poli se acercou dos insultantes, identificando-se e convidando-os a se retirarem, um deles calou-se, e o outro passou a desacatar grosseiramente, por sua vez, aquela patente militar. O capitão Poli deu-lhe consequentemente, voz de prisão. O agressor desferiu um soco no capitão, que se defendeu. E depois ambos rolaram por terra. E em seguida, o oficial subjugou o rapaz enfurecido e indisciplinado.

O capitão pediu, então, o comparecimento de uma viatura da Polícia do Exército. Enquanto esta não chegava, manteve o agressor deitado ao solo, pisando-lhe, para isto, num dos braços.

Chegada a viatura, os soldados nela recolheram o agressor e seu amigo, levando-os ao Quartel da PE para a lavratura do auto de prisão em flagrante delito. Este foi feito com o depoimento de testemunhas.

Com referência ao companheiro do agressor, foi lavrado um mero boletim de ocorrência, sendo ele em seguida dispensado. Quanto ao agressor, o oficial de dia determinou que ficasse detido à disposição da Justiça Militar. No depoimento então feito, o agressor não mencionou sentir a menor lesão corporal.

Como é fácil de ver, tudo se passou, da parte dos agredidos, como da autoridade, com a mais absoluta normalidade legal. E o fato não vai além dos limites da rotina de uma grande cidade como São Paulo.

Esta narração não é inventada. Tudo quanto nela se contém consta do processo respectivo, na 2ª Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciária Militar. O Promotor Dr. Durval Moreira de Araújo, reconhecendo como reais os fatos alegados, apresentou contra o agressor a competente denúncia, a qual foi aceita pelo Juiz Auditor Dr. Nelson da Silva Machado Guimarães.

* * *

Deste fato, a comissão de residentes deu uma versão altamente insidiosa. Fingindo ignorar os antecedentes do caso, e pondo arbitrariamente em dúvida a identidade do capitão Poli, ela começou a narração descrevendo simplesmente — e aliás com inverdades — a cena final: o jovem deitado ao solo cercado por integrantes da TFP, e pelo suposto militar. Teria sido uma covardia, portanto. A essa falsa luz, os papéis ficavam trocados: o agressor parecia uma vítima, e as vítimas ficavam parecendo agressores.

E agressores cruéis. Militantes da TFP teriam — segundo a comissão — pisado o "estômago e a boca" do agressor. Deslavada falsidade: nada consta a respeito dela, nas declarações prestadas pelo próprio agressor na PE.

Continua a narração da comissão: "A cena só terminou com a chegada de uma viatura que recolheu o jovem pisoteado. Até hoje ele não voltou para casa". A comissão finge não saber que o rapaz foi recolhido por uma viatura da PE, nem que permaneceu preso à disposição da autoridade judiciária competente. E, com isto, pretende criar nos leitores a absurda suspeita de que a viatura pertencia a um particular, e que o agressor teria sido seqüestrado pela TFP!

Inútil repetir aqui que o agressor ficou à disposição da autoridade judicial, que o libertou conforme a lei.

O procedimento da comissão dispensa qualificativos. E revela uma inidoneidade moral que tira qualquer credibilidade a outras balelas contidas na carta.

* * *

Apesar das inverdades contidas na narração da comissão, os fatos se passaram de modo tão claro, tão simples e tão legal, que, devidamente narrados, não se prestam a qualquer exploração.

Sentido-se atacado, o capitão Poli escreveu, aliás, uma carta a "O Estado de S. Paulo", que este publicou no dia 2 do corrente, sob o título "Capitão esclarece o incidente da TFP". A mesma carta veio a lume na secção livre da "Folha de S. Paulo", igualmente no dia 2 de outubro. Esse documento deixa transparecer toda a inidoneidade moral da comissão.

* * *

Não posso encerrar estas observações sem mostrar algumas contradições em que incidiu a "comissão de residentes".

Afirmaram seus integrantes: "Não sabemos quem era esse rapaz", etc.

Não é fácil harmonizar isto com o fato de que a comissão sabe onde mora o rapaz, pois afirmou que "foi pisoteado" exatamente "na porta do prédio onde residia".

Ademais, a comissão também sabe que ali se encontravam os pais do agressor, pois afirmou que "quase duas horas da madrugada, desceram os pais do rapaz que já são de idade".

E, sobretudo, se não conhece o rapaz, a comissão entretanto sabe o que se passa na casa dele, pois afirmou que "até hoje ele não voltou para casa".

À calúnia, a comissão teve a má idéia de somar a contradição...

* * *

Não é minha intenção terçar armas aqui, com pessoas respeitáveis que, aturdidas com o relato da comissão, lhe deram um crédito que este estava longe de merecer.

Outra questão me preocupa de momento. Ela constitui para mim um enigma. — Qual o móvel da comissão?

A meu ver, uma hipótese o explicaria. Seria o de abrir, com o episódio sensacional forjado com as inverdades que o leitor viu, uma grande campanha de sucessivas difamações contra a TFP.

Se a hipótese é verdadeira, o leitor lhe verá em breve a confirmação. Algum ataque, por esta ou outra razão, aparecerá em algum outro órgão de imprensa ou TV, em alguma tribuna sacra ou civil. Depois, e em cadeia, se lhe acrescentarão outras, e assim por diante, com rumo a um estrondo publicitário.

Escrevo este artigo na tarde de quinta-feira. Hoje ainda o mandarei à "Folha de S. Paulo". Não é impossível que, antes mesmo de ser ele publicado, já algum fato confirme esta hipótese.

Mas se assim é, a campanha começou com o pé esquerdo. E já no primeiro passo deixou cair a máscara…


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