Folha de S. Paulo,
15 de
agosto de 1971
Rumo ao desenvolvimento global
O
Comitê de Jovens Equatorianos Pró-Civilização Cristã é constituído por
um grupo recente — e já em vigorosa expansão — de estudantes da pátria
de Garcia Moreno. Animado por ideais anti-socialistas e anticomunistas,
que vão aglutinando movimentos de jovens em quase toda a América do Sul,
os participantes do Comitê dirigiram ao presidente da República, sr.
José Maria Velasco Ibarra, uma carta rogando-lhe não desse aplicação à
lei de reforma agrária socialista e confiscatória em vigor no país. O
documento, respeitoso, solidamente argumentado, cristalino, foi
publicado por iniciativa dos missivistas no jornal "El Comercio" de
Quito, no dia 17 de abril p.p. Sem dúvida alguma, é ele de porte a
atestar o excelente nível cultural da mocidade equatoriana.
Entretanto, mais notável ainda, nos dias de brutalidade e vulgaridade em
que vivemos, foi a reação do chefe de Estado. Enviou ele aos Jovens
Equatorianos Pró-Civilização Cristã uma resposta que pode passar por um
modelo de cortesia, de atenção e de elevação de espírito. Na
impossibilidade de a transcrever por inteiro, cito-lhe aqui a parte mais
característica:
"Distintos Senhores. — Li com atenção e respeito sua exposição de 14 de
abril relativa aos problemas da Família e da Propriedade. Digo que li
com respeito porque nestes dias em que todos, inclusive certos
dignitários eclesiásticos, falam de mudança de estruturas, de liberação,
de revolução e de tantos e tantos outros problemas que excitam à sedição
e à perturbação da ordem, não podem deixar de merecer respeito aqueles
que, como os senhores, defendem teses tradicionais, dignas de todo o
respeito.
"Li
com atenção a exposição que fizeram, porque, indubitavelmente, a
argumentação é firme e os pontos de vista que apresentam têm grande
transcendência.
"Entretanto, devo começar por declarar-lhes o seguinte: respeito
absolutamente a Família tal como está constituída. Creio que a Família é
o lugar onde a personalidade se forja, se desenvolve, e se assenta e
vai, pouco a pouco, abrindo campo para maiores horizontes. Destruir a
Família; destruir o respeito do filho ao pai e o amor do pai ao filho;
introduzir na Família elementos estranhos sob pretexto de preparar a
união das nações, parece-me um verdadeiro atentado contra a
personalidade do homem ou da mulher, que é o que só interessa".
E,
depois de argumentar cerradamente a favor da reforma agrária, o Chefe de
Estado conclui: "Perdoem-me estes conceitos, escritos, por assim dizer,
ao correr da máquina, porque não tenho tempo para outra coisa; mas estou
pronto a conversar amplamente com os senhores sobre tão inesgotáveis
problemas.
"Dos
senhores, muito atento e seguro servidor, J. M. Velasco Ibarra,
Presidente da República do Equador".
O
estilo é o homem. Este estilo define o presidente equatoriano, e, mais
do que isto, seu modo de governar. Pois o estilo não é só o homem.
Obviamente é também o presidente.
* * *
Grato é pois registrar que os Jovens Equatorianos Pró-Civilização Cristã
não ficaram atrás. Responderam eles ao sr. Velasco Ibarra nos seguintes
termos:
"Excelentíssimo senhor presidente. — Queremos expressar-lhe, antes de
tudo, nossa agradável surpresa diante da honra que representa receber
uma resposta pessoal de V. Excia.
"E
não queremos deixar de elogiar a manifestação de atenção que V. Excia.
dá, deste modo, ao pensamento da juventude, da qual os Comitês de Jovens
Equatorianos Pró-Civilização Cristã constituem uma parcela.
"Este gesto nobre da parte de V. Excia. aumenta o desejo dos integrantes
de nossa entidade de colaborar com V. Excia. — no limite de nossas
possibilidades — para a prosperidade e grandeza de nosso País.
"Somos sensíveis ao fato de que um Chefe de Estado tão ocupado por
inúmeros problemas de governo, tenha aplicado uma parte de seu tempo
para dirigir-se a nós, em nível de diálogo, a fim de tratar da grande
questão da reforma agrária.
"Esta benévola atitude de V. Excia. nos coloca, pois, na condição de
dizer a V. Excia. quais foram, em nós, as repercussões do conteúdo de
sua atenciosa carta".
E,
depois de reafirmarem , com respeito e firmeza, sua posição contrária à
reforma agrária, concluem: "Para terminar, e já que V. Excia. teve a
gentileza de falar de diálogo, depositamos nas mãos de V. Excia. as
convicções que formulamos, como expressão do zelo que nos anima pelo bem
do Equador.
"Fazemo-lo, assim, com a firme convicção de que, sendo nossa propaganda
realizada num plano exclusivamente ideológico e pacífico, e com
escrupulosa obediência às leis, V. Excia. continuará a assegurar-nos o
livre desenvolvimento desta nossa campanha.
"Desde já gratos pelo que V. Excia. faça para garantir essa liberdade de
vozes patrióticas e cristãs que se erguem no seio da juventude
equatoriana, aproveitamos o ensejo para apresentar a V. Excia.
respeitosas saudações e as expressões da mais alta consideração. —
Antonio Chiriboga Torres, Diretor. — Ignacio Perez Arteta, Diretor".
O
Chefe de Estado equatoriano garantiu ampla liberdade de ação ao Comitê.
E o autorizou amavelmente a publicar na imprensa a troca de cartas. É do
jornal "El Comercio" de 21-5-71, que as transcrevo. Também "El Universo"
de Guayaquil, as publicou.
O
episódio, pela fidalguia de atitudes que revela de parte a parte,
dignifica o país irmão. E não só ele. Nesta hora de crescente vinculação
entre os povos da América Latina, honra-os a todos.
É,
pois, com alegria que o ofereço à consideração dos leitores.
* * *
Outro documento que atesta a elevação moral e cultural a que se vai
alçando a vida pública em nossa vasta família ibero-americana é a carta
dirigida ao tenente-general, Chefe do Estado argentino, pelos membros do
Conselho Nacional da TFP daquele país, a respeito da derrubada das
barreiras ideológicas.
Publicamos dele a parte essencial:
"Em
nossa condição de católicos e argentinos que não queremos um triunfo
comunista em nossa pátria, de qualquer espécie que seja, consideramos
indispensável dar a conhecer a V. Excia. as considerações seguintes:
"1.
Não se pode ver no Sr. Allende um Chefe de Estado como os demais. Nos
países comunistas, o Partido governante é mais do que o Estado, e na
coerência dos princípios adotados pelo Governo chileno, Allende é mais o
chefe de um partido marxista que um Chefe de Estado.
"Assim o entende a opinião pública, por mais que alguns setores da
burguesia, do clero e do jornalismo queiram apresentar, de Allende, a
imagem de um Chefe de Estado no estilo ocidental. Portanto, a recepção
dele por V. Excia. será interpretada inevitavelmente, pela massa da
opinião pública, como uma recepção a um líder marxista.
"2.
O governo tem uma influência pedagógica muito poderosa sobre o povo. É
por isso que receber com honras oficiais ao marxista Allende, é um modo
de convidar o povo argentino a aplaudi-lo, ou se isso não for
fisicamente possível, pelo fato da entrevista se realizar em algum lugar
remoto, ao menos a olhar com benevolência ou com aceitação a quem está
conduzindo a nação irmã chilena para o comunismo.
"3.
Isto tem outra conseqüência interna de suma gravidade: tende a derrubar
as barreiras psicológicas que separam a maioria dos argentinos da
minoria comunista ou marxista, que quer fazer, em nossa pátria,
precisamente o que Allende está fazendo no Chile".
Como
se vê, a argumentação é exímia pela clarividência, e a linguagem
elevada.
Os
diários "La Nación", "La Prensa" e "La Razón" publicaram esta carta de
30 de julho p.p. Fora ela entregue anteriormente no Gabinete
presidencial.
Não
tenho em mãos a resposta do tenente-general Lanusse. Divulgá-la-ei caso
me seja comunicada pelos amigos argentinos. Espero que não fique aquém
da brilhante missiva do presidente equatoriano.
* * *
Os
três documentos que publico servem de indício a um fato auspicioso. É o
desenvolvimento latino-americano. Desenvolvimento moral, cultural e
político, a iluminar as vias para o esforço do desenvolvimento
econômico, o qual as riquezas naturais do Continente tornam tão
promissor.