Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 8 de agosto de 1971

Displicência e sono, enquanto as barreiras são derrubadas

Transcorreu há dias o 18º aniversário da revolução cubana. A data não foi assinalada por manifestações de caráter triunfalista. Nem havia porquê. Cada ano que passa representa nova etapa na dura caminhada do povo cubano rumo à miséria total. Só não compreendo como os Srs. Bispos de Cuba não lançaram um Pastoral coletiva pedindo uma reforma de estruturas completa na desditosa Ilha. Se mais ou menos por todos os países da América Latina — e ressalvo as honrosas exceções — os Srs. Bispos parecem fascinados pela perspectiva de remediar a miséria com reformas, não compreendo como os de Cuba, tendo em torno de si misérias mil vezes mais graves, se conservam tranqüilos e distendidos como se vivessem num oceano de fartura.

Entre nós, dizem os Srs. Bispos reformistas, há misérias que contrastam dolorosamente com a fartura. Em Cuba, pondero de minha parte, há misérias que não contrastam com riqueza nenhuma. Pois tudo é miséria. A lógica mandaria, portanto, que os Srs. Bispos cubanos fossem mil vezes mais trepidantes, insofridos e irrequietos no seu afã reformista, do que um D. Helder, um D. Valdir ou um D. Fragoso. — Como então é que acontece o contrário?

-- É que — redargüirá alguém — em Cuba já não há reformas para fazer. Está tudo reformado. E nada deu certo.

Nesse caso — respondo — a reforma consiste em desfazer o que foi corrigido erradamente. Em voltar para trás, à vista da catastrófica experiência levada a cabo. — Por que ser reformista quando se trata de ir para a esquerda, e não o ser quando os fatos impõem um retrocesso para a direita?

Oh! contradição, oh! enigmática e tenebrosa contradição!

* * *

Tanto mais quanto, no que diz respeito à miséria em Cuba, os fatos não clamam: ululam.

Este foi, em Cuba, o sexto ano consecutivo em que a safra do açúcar ficou muito aquém do previsto. O déficit da produção agrícola é elevadíssimo. A ilha já deve três bilhões de dólares à Rússia, e sua dívida aumenta de 250 mil dólares por dia, segundo informações do sr. Jaime Suchlicki, do Centro de Estudos internacionais de Miami. Fidel espera receber, este ano, 100 milhões de dólares de ajuda, dos soviéticos, representados por artigos de consumo que a economia exangue da Ilha não lhe permite comprar.

E apesar destes resultados deprimentes, o ditador cubano continua a espalhar desavergonhadamente — não há outro termo — sua fracassada revolução, por toda a América Latina. Não se farta ele de celebrar a ascensão de Allende, seu digno congênere chileno, de incentivar à revolta o operariado boliviano, de augurar uma esquerdização total "manu militari" no Peru, e de proclamar sua esperança de que o Uruguai, em breve, esteja sujeito a um regime idêntico ao de Cuba.

Castro é um charlatão. Não espanta que faça coisas destas. Espanta, isto sim, que seu procedimento não seja acolhido com uma grande gargalhada desmoralizante. A mesma gargalhada que acolheria um comerciante falido, que lançasse um manifesto aconselhando todas as empresas comerciais a empregarem os métodos de ação dele.

* * *

Presente para assistir à lúgubre "festa" comemorativa do 18º aniversário da injustiça e da miséria em Cuba, esteve o chanceler chileno, "companheiro" Clodomiro Almeyda.

Este, por certo, não se terá espantado com nada. Pois, segundo notícias procedentes do Chile (cf. "Folha de S. Paulo" de 27, 29 e 31-7-71), ali a miséria típica dos países comunistas já começou. A produção decaiu em todos os setores. As filas começam a formar-se ao longo dos estabelecimentos comerciais. O descontentamento cresce e o policiamento se agrava. Tudo vai mudando, e para pior.

Tudo. Exceto a atitude do cardeal Silva Henriquez, que deu carta branca para os católicos votarem no candidato marxista, ajudou dedicadamente Allende a se instalar no poder, publicou depois uma pequena e platônica declaração antimarxista, e agora presencia de braços cruzados a degringolada.

Dentro da desgraça geral, o cardeal dorme, aparentemente tranqüilo. Dorme o mesmo sono que os bispos cubanos...

* * *

Resumamos. Com a inércia inexplicável de tantos cardeais e bispos, a miséria total — sem o contraste com a riqueza, que tanto agasta os mais "arditi" dos nossos Srs. bispos — se vai, pois, alastrando com o socialismo, pela América Latina afora. E vai constituindo um imenso império de sofrimento, de injustiça e de opressão, que se separa, com fronteiras de um nítido contraste, dos países onde há miséria e também riqueza. Cada vez menos miséria e mais riqueza, como é o luminoso caso do Brasil.

* * *

-- Essas fronteiras são só econômicas?

Os facetos demolidores de "fronteiras ideológicas" parecem pensar assim. — Quem não vê, entretanto, que por detrás da fome e da tirania imperantes nos países "marxistizados", há uma doutrina causadora de todo o mal, isto é, a de Marx? E quem não vê que, do outro lado, não haveria nenhum grau ou forma de prosperidade, se ainda não estivessem em prática — com deploráveis deformações embora — os princípios ensinados pelo Antigo e pelo Novo Testamento, há milênios, sobre a família, a propriedade, a iniciativa individual, o lucro etc.?

Em última análise, a causa máxima da miséria do lado de lá é uma doutrina. E a inspiradora suprema de uma crescente fartura do lado de cá é uma doutrina também. — E não é doutrinária, essencialmente doutrinária, obviamente doutrinária, esta fronteira?

-- Se não o é, se o império marxista não é essencialmente ideológico, pergunto como explicar que a Rússia mande tantos dólares, sem nenhuma compensação econômica, para manter o regime de Cuba? E por que tanto trabalha e gasta Fidel para exportar sua ideologia e sua miséria por toda a América?

* * *

O interesse destas considerações é doutrinário. Mas também concreto.

Depois das cerimônias em que o presidente Lanusse — muito sem-cerimônia — declarou derrubadas as fronteiras ideológicas de seu país com o Chile marxista, e o "camarada" Allende proclamou sua intenção de estender a todos os povos latino-americanos esta derrubada de fronteiras, o Itamarati fez ressalvas oportunas e judiciosas. Mas, em todo o hemisfério a opinião pública se conservou numa displicência alarmante. Contra esta displicência, devemos reagir, sob pena de sermos julgados um dia pela História, com a severidade com que esta julga hoje a indolência dos romanos vendo as legiões de bárbaros invadirem o Império...


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