Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 11 de julho de 1971

Religião a serviço da irreligião

Condenso hoje em algumas proposições, os textos do livro sobre o qual — em meu último artigo — convidei o leitor a fazer um teste.

Dessa maneira poderá o leitor verificar com clareza meridiana o pensamento contido naquela obra.

Vejamos primeiramente o que ele afirma da Igreja pré-conciliar. Até o Concílio Vaticano II, a Igreja viveu sob o jugo de uma oligarquia clerical, ao mesmo tempo que a sociedade civil se encontrava sob o guante de uma oligarquia burguesa. Ambas as oligarquias atuavam em simbiose, para mais facilmente conservarem seu poder sobre a massa subjugada. A subserviência dos teólogos aos interesses da burguesia levava-os a interpretar tendenciosamente São Tomás de Aquino, o que os induzia a sustentar o "direito divino da propriedade privada". Tais teólogos influenciaram a fundo os documentos pontifícios relativos a questões econômicas, anteriores ao Concílio. É evidente que — embora esses documentos tidos até aqui por definitivos — não podem mais ser tomados a sério. E por isto o Concílio Vaticano II, desvinculado de influências burguesas, o revogou.

Quanto à fase pós-conciliar, o livro não é menos claro. As transformações profundas introduzidas pelo Concílio na Igreja produzirão efeitos também profundos na sociedade civil. Tais efeitos importarão necessariamente em uma revolução social. E o sentido dessa revolução facilmente se pode perceber pelo fato de o Concílio se ter recusado a condenar o comunismo. É que a Igreja pós-conciliar já não é anticomunista.

Ou seja — e sou eu agora que comento — segundo o livro, a Igreja de hoje é o contrário da de ontem. Ontem ela era burguesa e anticomunista. Hoje ela renega os papas da era burguesa, atira ao chão as armas da luta anticomunista, e estende a mão ao comunismo. Em outros termos, quem não é bobo é forçado a concluir: a Igreja pós-conciliar está, segundo o livro, a serviço do comunismo.

É mais ou menos o que declarou o comunista Allende, sobre a Igreja pré e pós-conciliar, pouco depois de eleito: "A Igreja Católica sofreu mudanças fundamentais. Durante séculos, a Igreja Católica defendeu os interesses dos poderosos. Hoje, depois de João XXIII, ela se orientou para transformar o Evangelho de Cristo em realidade, pelo menos em alguns lugares. Tive ocasião de ler a Declaração dos bispos em Medellin, e a linguagem que usam é a mesma que usamos desde nossa iniciação na vida política, há 30 anos. Naquela época, éramos condenados por tal linguagem que hoje é empregada pelos Bispos católicos. Acredito que a Igreja não será fator de oposição ao governo da Unidade Popular. Ao contrário, será um elemento a nosso favor, porque estaremos tentando converter em realidade o pensamento cristão" (entrevista ao "New York Times", reproduzida por "O Estado de São Paulo", de 4-10-70).

* * *

A conclusão é de tirar o fôlego. Por isto mesmo, antes de prosseguir esclareço o leitor sobre qual é o livro, e quem é o autor.

O livro se intitula "Théologie de la Révolution". Foi publicado pelas "Editions Universitaires" de Paris, em 1970. Os textos que citei em meu último artigo se encontram respectivamente às páginas 59, 61, 67 e 199-200.

E o autor? Não é nem mais nem menos de que o pe. Comblin. Sim, o famigerado pe. Comblin, autor de um estudo largamente divulgado pela imprensa brasileira no ano de 1968. Esse estudo, que pedia a revolução social, a dissolução das Forças Armadas e a liquidação do Poder Judiciário, foi o motivo próximo que levou a TFP a promover um abaixo-assinado pedindo a Paulo VI medidas capazes de conter a infiltração comunista na Igreja. Como se lembra o leitor, o referido abaixo-assinado se espraiou largamente pela América do Sul, tendo alcançado no Brasil 1.600.368 assinaturas, na Argentina, 280 mil, no Chile, 120 mil e no Uruguai, 40 mil. Esta mensagem, imponente pela gravidade do assunto, pela categoria de muitos signatários, e pelo número dos que a subscreveram ficou, aliás, sem resposta até hoje.

E o pe. Comblin continuou inteiramente impune a qualquer sanção religiosa ou civil. Inclusive se lhe facultou continuar como professor do Instituto Teológico de Recife, onde lhe é dado, assim, formar a mentalidade dos futuros sacerdotes de d. Helder.

Pois bem, dois anos depois daquele abaixo-assinado, o pe. Comblin dá a lume "Théologie de la Révolution" — inédito no Brasil, ao que eu saiba — no qual afirma tudo quanto acaba de se ver.

E agora aprofundemos a análise do pensamento do pe. Comblin. Não quanto a seu conteúdo, pois este é claríssimo. Mas quanto ao que dele se deduz na ordem prática das coisas.

Para isto, aponto antes de tudo um mistério. Um verdadeiro e insondável mistério. Se um antiprogressista tivesse dito do Concílio Vaticano II tudo quanto diz o pe. Comblin, choveriam sobre ele recriminações de toda ordem. Seria incriminado de caluniador do Papa e do Concílio, de cismático e até de herege. Quando o pe. Comblin afirma estas enormidades, ninguém tuge nem ruge nem muge. Pelo menos até a presente data. Talvez para salvar a face algum progressista — depois deste artigo — solte algum vagido de protesto contra o livro do pe. Comblin. Mas provavelmente tudo ficará nisto.

-- Por que? Por que?

* * *

Por mais denso e impenetrável que seja este mistério, ninguém poderá negar, à vista dele, que o número de amigos e de simpatizantes do pe. Comblin é grande (ainda que esse enigmático silêncio sobre as "proezas" do padre revolucionário não se possa explicar só pela ação dos amigos dele).

E isto, por sua vez, significa que há uma ponderável corrente de católicos, ou antes de "católicos", que já não aceitam a religião como ela era. E lutam por um catolicismo "aggiornato" e comunista. Este é o fato dominante em matéria de comunismo, no Brasil hodierno.

-- Qual o alcance preciso deste fato?

Queiram ou não queiram os espíritos habituados aos velhos panoramas positivistas e liberais, nos quais a Religião e a vida cívica apareciam separadas por um abismo, a importância é grande. Mais: é suprema.

Pois, em um país católico como o nosso, se sob a capa de catolicismo se continuar a difundir o comunismo, em pouco tempo estaremos sendo um povo comunista a mais sobre a face da Terra.

E toda a luta contra a subversão de nada adiantará se não incluir uma contra-ofensiva ideológica franca, maciça, incansável, contra o comuno-catolicismo.

Digo "ideológica" muito intencionalmente. Pois em 20 séculos de vida, a grande arma dos católicos foi a refutação doutrinária. E assim há de ser até o fim dos séculos.

Chacotas, ironias, carrancas, nada disto basta para abater adversários ideológicos. O grande antídoto contra o erro é um e só um. É a verdade. Sim, a verdade claramente enunciada, fortemente esteada na argumentação, e corajosamente proclamada aos quatro ventos.

* * *

É o que, em toda a medida de suas forças, a TFP tem procurado fazer.

-- Mas, então, por que tanta carranca contra a TFP?

Por que todas essas carrancas se converteriam em sorriso se a TFP passasse a dizer o contrário do que diz?

Incontestavelmente, é por serem muito numerosos os participantes dessa corrente oculta e ardilosa, que deseja pôr a Religião a serviço da propaganda comunista.

Ou seja, a serviço da irreligião...


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