Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 13 de junho de 1971

Rija ou cordialmente, como quiserem

Uma semana inteira se passou sem que — a meu conhecimento — qualquer pessoa se tenha manifestado em desacordo com a assertiva essencial de meu último artigo. Essa assertiva é, entretanto, de molde a transtornar as idéias de muita gente. E a transtorná-las em matéria de importância transcendental, como é o progressismo dito católico. Volto, pois, ao tema, para lhe desdobrar o conteúdo.

Assim fazendo, dirijo a quantos se interessem pelo assunto um convite para travarmos um amplo diálogo.

* * *

Começo por focalizar a matéria em seu aspecto concreto.

Os progressistas — especialmente a imensa e influentíssima fração deles filiada a organismos secretos como os "grupos proféticos" e o "IDOC" — distinguem na História da Igreja três fases. A das perseguições vai desde as origens até Constantino. Tendo o Imperador dado liberdade ao culto católico no ano de 313, este em breve se tornou a Religião oficial do Império. A segunda fase, inaugurada desse modo por Constantino, durou, segundo os progressistas, até o pontificado de João XXIII e o Concílio Vaticano II. A terceira fase, da Igreja democratizada, evoluída e secularizada, abriu-se então e deverá durar até não se sabe quando.

Em cada uma destas fases, a Igreja teria tido — sempre segundo os progressistas — características próprias.

Na primeira, a Igreja teria sido uma sociedade de almas obscura, desprezada e perseguida. Era uma autêntica Igreja pobre, toda voltada para os pobres, e inteiramente desprendida dos bens da terra. Despida de pretensões professorais ou ânsias de mando, formava um todo espiritual e místico, quase sem contornos dogmáticos, e com estruturas jurídicas embrionárias e não muito definidas. Uma Igreja conciliadora, tratável, adaptável aos tempos e aos lugares bem como às situações e inspirada pelas moções operadas pelo Espírito Santo nas almas dos fiéis.

Na segunda fase, Constantino cumulou a Igreja de riquezas e de poder. Uma oligarquia de teólogos, filósofos e canonistas apossou-se então dela e a transformou numa rainha dominadora de todos os povos cristãos. Ela passou a ser como que uma fortaleza circundada por uma muralha de dogmas sempre mais numerosos e por uma carapaça de estruturas jurídicas definidas e de leis severas. Seus Papas tomaram ares de monarcas, seus Bispos de príncipes, e seus Sacerdotes de nobres ou burgueses bem instalados. Suas igrejas assumiram o esplendor de palácios. — Os pobres? — A Igreja continuou por certo a se ocupar deles, suscitando incontáveis obras de caridade e movendo os ricos e os poderosos à justiça e à caridade para com os desvalidos e os fracos. Mas isto sem ser, ela mesma, pobre. Mantendo os pequenos na submissão, em vez de os insuflar à luta redentora contra os grandes. Sem encaminhar, enfim, o mundo para a sociedade idealmente justa e conforme à dignidade humana, isto é, a sociedade sem desigualdades, sem limitações, sem classes, para a qual tende o homem.

Esta Igreja teria sido a caudatária e a imitadora dos senhores feudais na Idade Média, dos Reis absolutos no "Ancien Régime", e dos burgueses depois da Revolução Francesa.

João XXIII, Paulo VI e o Concílio Vaticano II teriam então vindo para encerrar a fase constantiniana, e restituir à Igreja sua face primeva e autêntica, lucidamente adaptada aos dias de hoje. Uma Igreja, pois, com estruturas jurídicas elásticas, e os contornos doutrinários mais flexíveis que se possam imaginar. Uma Igreja proletarizada, para os dias proletarizados que se aproximam. Uma Igreja tanto quanto possível laica e profana, para o homem dessacralizado de nossos dias. Uma Igreja "compreensiva" para com a exacerbação erótica de nossos dias. Enfim, uma Igreja guiada pelo homem, e não guia dele.

Em suma, depois de caluniarem a Igreja do passado, os progressistas querem desfigurar a Igreja do presente, transformando-a numa espécie de república espiritual populista segundo o modelo iugoslavo.

Quem conhece um pouco de protestantismo não deixará de ter notado a todo momento, ao longo desta exposição da doutrina progressista, afloramentos protestantes: livre exame, contestação do Papado, e até de toda a Hierarquia, liberalismo, naturalismo e tendência à dessacralização, objurgatórias contra a riqueza e o poder da Igreja, cumplicidade com a impureza etc. E a par destes afloramentos protestantes, também os comunistas: proletarização, sociedade sem classes, luta social, e daí para frente.

Não é minha intenção mostrar aqui quanto há de falso, em todo este aranzel. Desejo apenas frisar que a tarefa de "desconstantinização" da Igreja Católica importa em uma imensa revolução religiosa, a qual carrega profundas implicações em todas ou quase todas as esferas da cultura, da civilização e da vida. E fazer notar que esta revolução esbarra, em seu curso, com um problema difícil.

Com efeito, proclamar que a era constantiniana desfigurou a Igreja a fundo, e que daí nasce um processo de deformação religiosa sempre mais funda ao longo dos mil e seiscentos anos que ele durou, tudo isto importa em fazer à Hierarquia uma acusação tremenda. Pois foram Papas, Bispos e Clérigos, os propulsores máximos de toda esta aberração em marcha crescente. — Onde, então, a infalibilidade da Igreja? E se se aceita que ela não é infalível, o que resta dela?

A saída, a única saída ao alcance dos progressistas — desde que desejem conservar ares de católicos — consiste em afirmar que a Igreja é infalível somente nos documentos do magistério extraordinário, isto é, quando um Papa ou um Concílio, ao ensinarem uma verdade, declaram explicitamente estar praticando um ato do magistério infalível. Ora, como os dogmas assim definidos são pouco numerosos, todos os ensinamentos dos Papas e dos Bispos anteriores a João XXIII e Paulo VI podem ser reformados à vontade. A Igreja neles não empenhou sua infalibilidade. Podem pois, os progressistas tachá-los desembaraçadamente de errôneos e injustos, decrépito, e o que mais queiram. O caminho para a "desconstantinização" está aberto, desse modo. Para a "protestantização" e a "comunistização" também.

Assim tudo se arranja, pensam eles...

* * *

Pelo contrário, o caminho está trancado e nada se arranja. Pois, mostrou meu lúcido e culto amigo Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira (cfr. "Catolicismo", outubro de 1967), as verdades ensinadas sem caráter dogmático, em documentos do ensino ordinário, por uma sucessão longa e contínua de Papas, assumem, "ipso facto" caráter dogmático. Assim, mesmo fora dos documentos do magistério extraordinário da Igreja, há toda uma muralha de doutrinas indestrutíveis. E não de doutrinas como de leis, na medida em que estas sejam deduzidas necessariamente das doutrinas.

A Igreja sonhada pelos progressistas, como há pouco descrevi, não é a Igreja em nova fase. Ela não passa de uma anti-Igreja.

E todo proveito que o comunismo espera tirar da Igreja se esvai com isto.

* * *

Já que é este um ponto chave da imensa controvérsia levantada pelo progressismo, pergunto se não há um, um só, progressista disposto a contestar a tese sólida e inconcussa sustentada pelo sr. Arnado Vidigal Xavier da Silveira.

Aqui estamos, para essa eventualidade, dispostos para o diálogo. Rijamente ou cordialmente. Como quiserem...

-- Ou preferem os progressistas confessar, pelo silêncio, que o princípio tão oportunamente posto em foco pelo sr. Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira é verdadeiro?


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