Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 16 de maio de 1971

Comunismo não ateu: pergunta a um Bispo

Em nota publicada pela "Última Hora" de 8 do corrente, o Sr. Bispo D. Ivo Lorscheiter, secretário-geral da CNBB, fez algumas declarações sobre a TFP. Delas tomei conhecimento com vivo interesse, não só em razão das altas funções exercidas pelo Prelado no órgão representativo dos bispos do Brasil, como também pelo renome de sua cultura teológica. À medida que eu ia percorrendo a nota, vieram-me ao espírito reflexões, que deixo aqui consignadas.

* * *

Antes de tudo, impressionou-me favoravelmente o real esforço que o Sr. D. Lorscheiter fez — segundo ele mesmo nos informa — para se manifestar em termos imparciais, em relação à TFP: "Confesso", asseverou ele, "não julgar muito fácil dizer as palavras justas e oportunas" sobre a TFP. E, por isto, temendo ser "descaridoso, injusto ou unilateral" para conosco, pediu que suas apreciações fossem por nós entendidas simplesmente como “um apelo à reflexão equilibrada e a atitudes construtivas de cooperação”.

Como sinal de sua imparcialidade, o Sr. D. Lorscheiter fez algumas referências favoráveis à TFP. Não só ele declarou, na nota, respeitar as "intenções pessoais e íntimas dos dirigentes, membros e simpatizantes da TFP", como asseverou ser "óbvio" que esta apresenta "valores positivos em algumas das suas atitudes e iniciativas nos esforços pela defesa da família, que motivaram (...) um programa de orações neste mês de maio".

Tudo isto posto, e como contrapartida à "sinceridade e caridade" com que a nós queria referir-se, d. Ivo propôs que a "TFP reexamine sua razão de ser, seus objetivos, seus métodos de ação e os princípios iluminadores de seu programa". E acrescentou: "Sugiro à TFP que faça uma honesta autocrítica sobre sua recente atitude de contestar publicamente documentos aprovados por todos os bispos presentes à XII Assembléia Geral de Belo Horizonte".

Postos assim em sua verdadeira perspectiva os propósitos de imparcialidade de d. Ivo, o que dizer?

Preliminarmente, que não é fácil compreender todo este esforço feito por S. Excia. para ser imparcial nem toda a sua perplexidade em opinar sobre uma entidade como a TFP, clara, simples, lógica. A tal ponto clara, simples e lógica, que em todos os quadrantes da opinião, o entusiasmo ou o ódio se afirmam a respeito dela sem ambigüidades nem vacilações, de modo franco e categórico.

Dir-se-ia, ao ler o texto de d. Ivo, que ao falar sobre a TFP, ele sentiu dentro de si violentas propensões à parcialidade, e procurou contê-las.

Se assim é, custa-me compreender a razão destas propensões na alma de um bispo. Respeito entretanto seu empenho em freá-las. Mas ao mesmo tempo, eu me pergunto se S. Excia. teve inteiro êxito neste esforço. Com a devida vênia, opto pela negativa.

* * *

Explico-me.

O ilustre secretário da CNBB se referiu, em sua nota, a uma sociedade, como a TFP, que tem numerosas obras editadas. Essas obras tiveram larga repercussão e estão nas mãos de todos. A par disto, a TFP fez várias campanhas públicas, que se estenderam por todo o País. Tendo à disposição tão abundante material para formar um juízo sobre a TFP, o primeiro cuidado de d. Ivo, do ponto de vista da imparcialidade, deveria consistir em o estudar atentamente. E, depois, de sobre ele emitir um juízo. Se nossos livros são bons ou maus, se nossa campanhas são boas ou más, diga-o d. Ivo. Nisto consiste um pronunciamento imparcial. Pode estar seguro o douto prelado, de que receberíamos com todo o respeito e examinaríamos a fundo quanto ele houvesse por bem dizer-nos.

Mas d. Ivo seguiu outro caminho. Com o espírito povoado de impressões desfavoráveis a nosso respeito, não se deu ao trabalho de estudar devidamente, nem as obras nem as campanhas da TFP. E publicou, a respeito desta, uma nota que é todo um tecido de suspeitas não averiguadas. A título de ser imparcial, limitou-se a incrustar no texto alguns poucos elogios.

Desta suspeitas, pode ter idéia o leitor através de dois exemplos.

D. Ivo elogia as orações que fizemos neste mês de maio. Mas logo, colada ao elogio, vem uma suspeita: ele elogia, sim, essas orações, contanto que sejam realizadas "dentro das regras de todo ato religioso". Parece-me estranha a suspeita de que nossas orações violem tais regras. — Mas se S. Excia. abriga tal suspeita, por que não manda examinar essas orações? — Nada lhe seria mais fácil, já que elas se realizaram diante de um oratório que dá diretamente para a calçada. Pelo contrário, S. Excia. não tira a limpo o que há, declarando a todos a sua desconfiança. Ainda uma vez, e sempre com a devida vênia, pergunto: pode-se chamar a isto de imparcialidade?

Outro exemplo. — S. Excia. se mostra receoso de que a TFP seja um "fator de lamentável desunião e uma escola deformadora de mentalidades". Ora, na Igreja, desune quem cai em erro. E une quem fica fiel à verdade. Quando a TFP polemiza — com um pe. Comblin, por exemplo — não divide, portanto, mas une. Se caímos em erro, seria justo e caridoso no-lo dizer. Se não caímos, se, pelo contrário, defendemos a verdade com força e cortesia, no que somos "lamentável fator de desunião"?

Análogo raciocínio poderia ser feito quanto à "escola deformadora de mentalidades".

* * *

Eu não quereria que minhas palavras fossem apenas uma defesa da TFP. Desejo chegar a algo mais positivo. Assim, permita-me D. Ivo um pedido. Parece que — segundo sua nota — nossos pronunciamentos e atitudes acerca da família têm merecido, ao menos em parte, o seu agrado. Mas, D. Ivo só nos elogia no que concerne à família. É o caso de perguntar, pois, o que pensa ele sobre o que temos escrito a respeito da tradição e da propriedade. Especialmente a respeito da propriedade, já que sobre tradição temos escrito com menos freqüência.

Se não me engano, da omissão de D. Ivo a tal respeito se deve deduzir que este é o ponto álgido sobre o qual mais fundas são as suas reservas. Pois, em nome da imparcialidade, peço a S. Excia que forme um juízo a respeito e o externe.

A propriedade individual constitui, de si, um tema muito vasto. Dentro dele proponho a D. Ivo que se manifeste especialmente sobre um ponto. Suponhamos que em algum país — na Polônia ou na Itália ou no Brasil, por exemplo — conquistasse o poder um grupo de católicos de extrema esquerda. Esses católicos, por definição, não seriam ateus. — Seriam católicos dóceis aos ensinamentos tradicionais dos papas? — A questão — para os efeitos deste artigo — não vem ao caso. O certo é que, ateus, eles não o seriam.

Suponhamos, ainda, que esses católicos quisessem instituir um regime econômico-social em que a propriedade individual fosse abolida, passando todos os bens para o poder do Estado. Ou de cooperativas molochs congêneres. E admitamos que, ao mesmo tempo, esses católicos prometessem à Igreja toda a liberdade de culto.

Como vê D. Ivo, tratar-se-ia de instaurar a comunidade de bens, com fundamento, não no marxismo materialista e ateu, porém numa interpretação — falsa, disto estou certo — da doutrina católica.

Pergunto a D. Ivo se, em seu entender, um tal regime poderia ser aceito pelos católicos. A pergunta redunda nesta outra: o anticomunismo é uma atitude obrigatória para o católico só quando o fundamento doutrinário invocado para a comunidade de bens for ateu? Ou também quando for um fundamento religioso?

Por mim, não tenho dúvida de que um regime econômico-social que importe em comunidade de bens é — em um como em outro caso — inaceitável para a consciência católica. Pensa assim D. Ivo?

Parece-me que a resposta a esta questão é fundamental para se julgar a TFP. Peço pois a D. Ivo que a responda com a necessária clareza e a imparcialidade que todos devemos desejar.

* * *

Um outro pedido, por fim. Do que a TFP tem difundido, a única coisa que D. Ivo leu parece ser um artigo que publiquei na Folha de S. Paulo relativamente ao pronunciamento da XII Assembléia Geral da CNBB. Seu título é "Dois pesos e duas medidas". Examinei minha consciência antes de o escrever, quando o entreguei ao prelo, e agora mais uma vez. Nele nada percebo de censurável. Na nota de D. Ivo, não vislumbro em que meu artigo o desagradou. — Quereria S. Excia. esclarecer-me a respeito, dizendo no que foi?

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Aqui ficam as reflexões e as perguntas que a nota de D. Ivo Lorscheiter me sugeriu. Apresento-as ao Prelado, com a reafirmação de todo o respeito com que acolherei sua eventual resposta.


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