Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 25 de abril de 1971

Corcovado ou formiga?

 

Rio de Janeiro: Dominando o Corcovado (visto da Urca), a estátua do Cristo Redentor

 

 

De si, o casamento é um contrato pelo qual os cônjuges se unem tendo em vista a perpetuação da espécie, à educação dos filhos e o mútuo auxílio nas necessidades da vida.

Esse contrato é indissolúvel por natureza. Pois nenhuma de suas nobilíssimas finalidades pode ser adequadamente alcançada se ficar ao arbítrio dos cônjuges dissolvê-lo.

Nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de realçar a dignidade do contrato matrimonial, e de lhe acrescer a estabilidade, elevou-o à dignidade de sacramento. Assim, fechou Ele, para todos os homens e para todo o sempre, o caminho para o divórcio.

Em conseqüência do seu duplo caráter sacral e indissolúvel, o matrimônio cristão dotou a instituição da família de uma estabilidade e de uma pujança que a distinguiram, de modo excelente, da família pagã, ligada às superstições idolátricas, maculada pela prática da poligamia e debilitada pela instabilidade inerente ao divórcio.

Sendo a família a base da sociedade, é fácil avaliar quanto se beneficiou, assim, com a sacralidade e a indissolubilidade do matrimônio, todo o corpo social. Um dos principais fatores pelos quais a civilização cristã se elevou de muito sobre todas as outras modalidades de matrimônio e família.

Nisto devemos ver um dom magnífico de Nosso Senhor Jesus Cristo — o instituidor do sacramento do matrimônio — para os indivíduos e as nações em todos os séculos vindouros. Um dom que é espelho de sua sabedoria infinita e fruto de Sua bondade sem limites.

O que acabo de dizer não é apenas pensamento meu. É o que sobre o matrimônio e a família tem ensinado, com inquebrantável constância, a Santa Igreja Católica. E isto desde seus primeiros dias até a época presente, e até o fim do mundo. É a doutrina sagrada e intocável que nenhum católico pode negar sem se pôr "ipso facto" fora da Igreja. Pois o caráter sacramental e a indissolubilidade do matrimônio foram definidos pelo Concílio de Trento.

Tudo isto, que a mim, como a toda alma católica, entusiasma e encanta, ao sr. Nelson Carneiro parece defeituoso e digno de reforma.

Não sei bem que idéia faz sobre Nosso Senhor Jesus Cristo o senador eleito, por um triste lapso, com o apoio de centenas de milhares de votos católicos da Guanabara, enquanto tantos sacerdotes se absorviam em seus afazeres imediatos, se entregavam à torcida esportiva, ou se dedicavam a acirrar a luta de classes. Mas o certo é que, para o sr. Nelson Carneiro, a obra do Homem-Deus parece coxa, e precisa de urgentes reparos.

E assim, no afã de corrigir a Nosso Senhor Jesus Cristo, acaba ele de pedir o concurso do Senado para a introdução do divórcio no País.

Não faltou quem lhe batesse palmas. Em todos os setores da opinião pública desejosos de contestar, desorganizar e relaxar tudo — de demolir, em uma palavra — a iniciativa do desenvolto divorcista despertou esperanças e júbilo. Prova indireta, mas quão eloqüente, de que o divórcio é realmente demolidor!

Tudo é possível em nossos dias. Se pôde suceder que um candidato barulhentamente divorcista tenha sido eleito por um povo católico e "ipso facto" antidivorcista, não será tanto de espantar que um projeto instituindo o divórcio seja aprovado por senadores e deputados católicos, que representam no Congresso o País de maior população católica na terra.

A meu ver, entretanto, as possibilidades de êxito do divórcio são mínimas. Em outros termos, tal é a influência moral da religião em nosso País, que tudo está nas mãos do clero. Se ele falar logo, falar claro, falar alto, falar coeso, e sem cessar, a consciência católica do País — povo e legisladores — despertará do triste e explicável letargo em que está. Será então impossível ao sr. Nelson Carneiro fazer passar o divórcio, como é impossível a uma formiga derrubar o Corcovado.

-- Fa-lo-á o clero? — Alguns fatos recentes depõem em prol da afirmativa. Consta-me que o cardeal Scherer, arcebispo de Porto Alegre, já emitiu um pronunciamento contra o projeto Nelson Carneiro. O mesmo fez d. Lucas Neves, bispo auxiliar de São Paulo. Li uma entrevista de Mons. Tapajós, diretor do Instituto de Previdência do Clero, também contra o projeto. Li-o em "O Estado de S. Paulo", e gostei. Nem outra coisa poderia eu esperar de um sacerdote que por sua inteligência bem mereceria destaque maior do que lhe tem sido dado (e sou insuspeito ao dizê-lo, pois discordamos em muitos pontos). Há na entrevista de Mons. Tapajós, é verdade, uma imprecisão de monta. Mas que, a meu ver, obviamente se deve atribuir a um lapso do "Estado".

Espero que pronunciamentos como estes se vão multiplicando e se transformem num verdadeiro coro. Espero ver entrar em liça, antes de tudo, a CNBB. E tenho motivos para esperá-lo porque o secretário da entidade, d. Ivo Lorscheiter, prometeu à imprensa que ela se pronunciaria até o dia 28 deste mês. Espero ver, em seguida, entrarem na arena, em linda emulação, e com zelo e vigor, todas as entidades e personalidades católicas.

Há muitos assuntos em que estão divididos os católicos. Neste, parece não estar havendo divisão. E há razões para augurar que não haja omissões. Qualquer voz que deixe de se erguer, qualquer dissensão que se forme, importará necessariamente em um escândalo e uma vergonha.

-- Bem, Dr. Plinio, o sr. afirma que todo o Brasil é católico e "ipso facto" antidivorcista. O empenho e a pressa com que o sr. pede estas tomadas de atitude não parecem provar que o sr. não confia em sua própria afirmação, e teme a vitória do divórcio? É o que talvez pergunte algum leitor. — Respondo de antemão.

A opinião pública está desnorteada e cambaleante, com toda a zoeira do caos contemporâneo. E isto a leva a alternativas de sobreexcitação e de letargia. Especialmente a opinião católica está aturdida e exausta. Tão exausta que muito mais propende para o desacoroçoamento e a letargia, do que para a excitação. E não dá para menos. Basta pensar na audiência concedida pelo Papa Paulo VI a moças "trajando" "shorts" dos mais exíguos.

Animar, coordenar e levar à luta nossas tão imensas e tão desditosas multidões de católicos do Brasil, é obra que só um grande trabalho poderá levar a cabo. Se tal trabalho for feito a fundo, a vitória desde já é certa. O sr. Nelson Carneiro será a formiga, e a maioria católica o Corcovado. Se, pelo contrário, tal trabalho não tiver a amplitude e o vigor que as circunstâncias exigem, o divorcismo será o Corcovado e nós, a quase totalidade do Brasil, seremos... a formiga.

Em suma, tudo depende da CNBB. Desde que ela se atire à luta, vencerá com certeza.

Os fatos levam a crer que ela já optou pelo papel do Corcovado.

O sr. Nelson Carneiro, político experiente e de mil recursos, parece já ter percebido as dificuldades que lhe estão surgindo pelo caminho. É provavelmente por isto que, na justificação de motivos de seu projeto, ele faz um farfalhante elogio à CNBB, convidando-a implicitamente para uma barganha. Isto é, para a aceitação de uma fórmula conciliatória.

-- Qual poderia ser esta? — Já a tem em mira, por certo, o ágil político. Será algum "divorcinho" a ser proposto à opinião católica sob pretexto de evitar mal maior, ou seja, a aprovação do "divorcião" pedido pelo sr. Nelson Carneiro. — O que pensar desta hipótese?

É que ela é totalmente inaceitável. Uma influência moral imensa, como a da Igreja, não pode ser acuada a hipóteses derrotistas desta natureza. Nas nossas condições, qualquer meio termo é impossível. Só há para a CNBB dois papeis, o de Corcovado e o de formiga.


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