Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 21 de março de 1971

Fel e prudência

Estremeci ao ler na imprensa a réplica do órgão informativo da Arquidiocese "Ecclesia", à aula inaugural do general Souza Melo no CPOR.

Sim, a nota me causou susto. Não, porém, pelo general, mas pela Igreja.

Com efeito, pode-se concordar com o general, ou discordar dele. O que não se pode é negar que a sua aula inaugural possui os requisitos de um documento de boa lei, do ponto de vista intelectual. É clara, bem concatenada, substanciosa e objetiva. Caso "Ecclesia" quisesse refutar o general, deveria fazê-lo num tonus intelectual do mesmo nível, ou ainda mais elevado. É o que prescrevem as leis fundamentais da boa polêmica. E, mais ainda, é o que exige o respeito devido pelo boletim, à Arquidiocese que têm a honra de representar.

Ora, a nota dada a lume por "Ecclesia", naquela ocasião, não correspondia a nada disto. Faltava-lhe valor na argumentação, elevação na linguagem, método na exposição. Não impressionava, nem convencia; dava pena. E por isto foi que estremeci. Explico-me.

Concordo com o general. Estou em posição oposta à de "Ecclesia". Mas meu amor à Igreja me levava a esperar que o órgão da Arquidiocese se apresentasse com garbo na liça. Pois este era o velho e glorioso padrão eclesiástico de outrora. Aconteceu precisamente o contrário. E quando percebi que mais este padrão se rompera, sobressaltei: até onde iremos, nessa lúgubre sucessão de quebras de padrão?

* * *

Depois, não voltei a pensar no assunto. Confesso, entretanto, que tive um estremecimento a mais, ao ler uma nova nota de "Ecclesia". Desta vez contra o artigo que publiquei nesta coluna sob o título de "Faça uma experiência, leitor". A quebra de padrão fora ainda mais completa do que na réplica ao general. Chegara ao desconcertante. A réplica de "Ecclesia" apesar de todo o fel que ressuma, é tão inofensiva, que não tenho dúvida em a transcrever na íntegra. Julgue o leitor:

"Ao sr. Plinio C. de Oliveira. ‘Faça uma experiência, Leitor’ é o título do artigo, que o sr. Plinio Correia de Oliveira assumiu (sic) na ‘Folha de S. Paulo’ do dia 7 de março, à página 52, contra o Centro de Informações Ecclesia e um seu editorial.

"As expressões que o professor universitário usa, aqui e ali, desdizem tanto de sua classe, que nos parecem desmerecer tudo quanto diz. Acresce, entretanto, que ele desfere golpes na própria fantasia. Com efeito, interpreta a seu modo, o que dissemos do comunismo, sistema ‘economicamente discutível’, e passa a combater o que não afirmamos.

"Seria inútil travar uma polêmica a respeito do referido artigo. Ela traria proveito apenas para o próprio sr. Plinio C. de Oliveira e o seu moinho. Nestes últimos anos ele já demonstrou que não deseja ver certas coisas muito simples e, doutra parte, vê demais. Melhor será remetê-lo, para entender nosso editorial ‘A Fala do General’, ao que divulgamos no Boletim Informativo n.º 40, do nosso Centro de Informações Ecclesia, publicado, também, à pág. 1 da edição de ‘O São Paulo’ de 13-3-71. Cgo. Amaury Castanho, Diretor".

* * *

Não dá pena? — Fugir, de si, já é triste. Mais triste ainda é fugir com tanta falta de tino e de agilidade.

Acusa-me, por exemplo, "Ecclesia", de haver interpretado mal o que o seu boletim dissera. Ora, afirmar que minha interpretação foi errada é fácil. Difícil é provar que de fato o foi. — Onde, na réplica de "Ecclesia", a prova? — Disto se esquiva, muito cautelosamente, o boletim. E disfarça a retirada remetendo o leitor ao Boletim Informativo n.º 40, também perfeitamente evasivo.

Logo adiante, "Ecclesia" explica, com candura, porque foge assim à discussão é que "ela traria proveito apenas para o próprio sr. Plinio C. de Oliveira". Claro está que o proveito seria todo de "Ecclesia" se, por meio de uma boa argumentação, me pudesse derrotar...

No fim, depois de ter fugido prudentemente à discussão "Ecclesia", cheia de fel, solta um desaforo. Segundo o boletim, eu não costumo estar de boa fé no que escrevo, pois "não desejo ver coisas muito simples e, doutra parte, vejo demais". — Quais as "coisas simples" que não quero ver? Quais as coisas a respeito das quais "vejo demais"? — Mais uma vez, "Ecclesia" se esquiva cautelosamente de o dizer. Atira a pedra e sai correndo. Porque entrar no mérito das questões sobre as quais dissentimos, discutir fatos, apresentar argumentos, confessadamente, não lhe parece prudente.

Quanto à parte literária da nota, não é melhor do que a dialética. A figura dos "golpes na própria fantasia" é vesga e desengraçada. A referência ao meu "moinho", obscura. — que trambolho de moinho é este? E que história é esta de "proveito" para meu moinho? Suposto que eu tivesse um moinho, no que consistiria esse "proveito"? — Provavelmente, quando o autor da nota quis escrever "água", escreveu "proveito". Terá sido uma distração. Ele estava pensando em algum proveito enquanto escrevia. Seja como for, o lapso não fala a favor dos dotes literários do autor da nota.

* * *

Lancemos agora um olhar sobre o tal Boletim Informativo n.º 40.

Traz ele o título "Por um amanhã melhor". Um de seus objetivos é refutar os que censuram "Ecclesia" por desejar "uma nova ordem social, política e econômica, mais humana e mais cristã". E, em conseqüência, passa a se defender dessa acusação.

Na realidade, ninguém acusa "Ecclesia" por essa razão, a menos que eu saiba. Pois quem há de querer que a ordem social vigente não progrida no sentido humano e cristão? Até comunistas há que afirmam desejar esse progresso humano e cristão, o qual, segundo eles, coincide com o marxismo. "Ecclesia", pois, não tem do que se defender a tal respeito.

Quanto a mim, sustentei, a respeito de "Ecclesia", coisa diversa, isto é, que o seu boletim tomara uma posição muito suspeita em matéria de propriedade privada. Uma posição que tende para a aceitação da comunidade de bens, ou seja, do comunismo. A entidade tentou, então, responder-me no seu boletim n.º 40.

Vejamos agora, como se defende "Ecclesia".

Diz-se ela solidária com uma "solução social eqüidistante tanto do capitalismo quanto do comunismo". No que consiste entretanto, essa solução intermediária? Só se defenderia "Ecclesia" eficazmente de minha suspeita: 1) descrevendo clara e pormenorizadamente seu programa a esse respeito; 2) demonstrando que ele nada tem de socialista nem de comunista.

Mas, sempre resvaladia, "Ecclesia" evita seguir este caminho e envereda por outra escapatória. Põe-se a provar que não nega "qualquer valor a muitas estruturas e instituições de nossa atual ordem social, política ou econômica". O que é coisa bem diversa. E assim, mais uma vez, ela não se defende do que foi acusada e procura defender-se do que não foi acusada.

Continua o texto com generalidades e lugares comuns, até tratar de propriedade privada. É o ponto álgido da questão. — "Ecclesia" aceita como compatível com a doutrina católica a comunidade de bens? Qual a sua resposta? — "admitimos a legitimidade da propriedade privada", diz ela. Até aí, respondemos, morreu Neves. Há dois mil anos que a Igreja admite isto. Mas admitir a legitimidade da propriedade privada não importa necessariamente em afirmar que o regime oposto, isto é, o comunista, seja ilícito. Pois pode alguém considerar lícito tanto um regime como outro. Disto é que "Ecclesia" foi acusada. E a este respeito, como se vê, ela foge de qualquer definição. Em suma, aqui, também, "Ecclesia" foge.

* * *

Só tive, com o arcebispo d. Paulo Evaristo Arns, um encontro. Foi longo, substancioso, cordial. Lembrando-me da atmosfera simpática que marcou aquele diálogo, sinto-me animado a dirigir, destas colunas, um apelo ao pastor da grei paulopolitana. Peço-lhe, assim, que abra uma investigação para saber quem foi o autor da nota de "Ecclesia" que comentei acima. Vem ela assinada pelo cônego Amaury Castanho. Não conheço esse sacerdote. Mas o autor verdadeiro deve ser outro. Pois, mesmo em nossos dias, o nível intelectual de um cônego não pode ser este. Com certeza, emprestou o cônego Amaury seu nome a algum colaborador canhestro. Descoberto o autor, proponho que o arcebispo o dispense do manuseio da pena. Pois tudo leva a crer que ele seja também o autor da pobre réplica ao general e do boletim n.º 40. E que esteja pronto para outras do gênero. Temo que, assim, o órgão noticioso da arquidiocese baixe de nível a perder de vista, com desdouro para a ilustre instituição que representa.


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