Folha de S. Paulo,
21 de
fevereiro de 1971
Dizei uma só palavra
O Sr.
Nelson Carneiro declarou à imprensa que o fato de haver sido eleito
senador pela Guanabara constitui uma aprovação da opinião pública
nacional à sua atuação divorcista na Câmara dos Deputados. De onde
concluiu que, na Câmara Alta, deve dedicar-se, mais do que nunca, a
derrubar a indissolubilidade do vínculo conjugal.
O
raciocínio do agitado parlamentar é o seguinte: a) se ele, divorcista
notório, foi eleito pela Guanabara, é porque os seus eleitores desejavam
o divórcio; b) ora, como a Guanabara "é o espelho do país", o Brasil
inteiro quer o divórcio; c) logo, ele, Nelson Carneiro, não faz senão
obedecer à opinião nacional, continuando em sua luta pela causa
divorcista.
—
Claro? Lógico? — Sim... nas nuvens. Na realidade concreta, as coisas são
bem outras.
Há
longos anos, o Sr. Nelson Carneiro se vem fazendo notar como o D.
Quixote do divórcio. Brada, clama, agita-se, e o divórcio não é
aprovado. Se não me engano, o mais recente de seus feitos parlamentares
— em matéria de divórcio, esclareço, pois s. excia. também é autor de
feitos em outros assuntos — foi, sem dúvida, o esforço baldo que
desenvolveu em prol do projeto de Código Civil enviado ao Congresso pelo
pranteado presidente Castelo Branco. Não sei quem, talvez o próprio Sr.
Nelson Carneiro, convenceu o valoroso cabo de guerra de que o divórcio
seria bem aceito no país. Presumivelmente por isto, figurava ele no
projeto, sob a forma de uma ampliação dos casos de anulação de
casamento.
Todos
se lembram de que, a essa altura — corria o ano de 1966 — a TFP
organizou um abaixo-assinado antidivorcista que, em 50 dias, obteve
1.042.359 assinaturas coletadas em 142 cidades.
Castelo Branco compreendeu a voz do povo. Antes da campanha chegar a seu
término, retirava ele o projeto. E a investida divorcista, apesar de tão
aplaudida pelo Sr. Nelson Carneiro, ruiu por terra.
Em
conseqüência, formou-se no público a persuasão da inviabilidade do
divórcio, e da inocuidade das investidas quixotescas do Sr. Carneiro.
* * *
Isto
explica facilmente que muitos eleitores antidivorcistas da Guanabara
tenham dado seus votos ao líder divorcista. Não os moveu, de modo algum,
o desejo de ver aprovado o divórcio, mas a simpatia pelo MDB, e talvez
pela pessoa do Sr. Nelson Carneiro, que dispõe inegavelmente, em vários
órgãos da imprensa escrita e falada, de ótima acolhida para sua
propaganda pessoal.
Eis —
do ponto de vista da questão do divórcio — a verdadeira história da
eleição do Sr. Nelson Carneiro.
* * *
Ao
lado deste fator houve outro. A opinião antidivorcista compareceu ao
pleito inteiramente desorientada, desestimulada e desconexa. Nenhum
moralista católico genuíno há, que não ensine ser grave obrigação de
todo eleitor católico recusar seu voto a um candidato divorcista. Se de
todos os púlpitos isto tivesse sido dito e proclamado estou certo de que
o eleitorado, que displicentemente votou pelo Sr. Nelson Carneiro, lhe
teria negado o voto.
E
estou certo de que, nesse caso, ele não teria sido eleito.
O
silêncio unânime, ou quase unânime, de tantos pregadores ante a eleição
para o Senado de um candidato estrepitosamente divorcista implicou
razoavelmente, aos olhos do público, num verdadeiro "agreement" em favor
dele. Ou num certificado de inocuidade.
Qual
a razão desse "agreement"? — É, para mim, um perfeito e insondável
mistério. Mas o fato aí está. Na imprensa não encontrei notícia de um só
sermão contra a candidatura do Sr. Nelson Carneiro. Procurei informar-me
com amigos cariocas bem a par do assunto: nada lhes constava. Se algo
houve, foi como se não tivesse havido.
* * *
Da
impopularidade do divórcio tem, aliás, inteira consciência o Sr. Nelson
Carneiro. Tanto é que, em sua citada entrevista, afirma ser "muito
difícil" obter a introdução explícita do divórcio em nossa legislação,
por meio de uma emenda constitucional. Haveria muito risco de não se
alcançar, para isto, a maioria necessária.
"Muito difícil" por que, perguntamos, se todo o mundo quer o divórcio?
Então, o Congresso, que "muito dificilmente" aprovaria o divórcio, não
representa o país? E se representa, como afirmar então, que o país quer
certamente o divórcio?
É que
o clero não quer o divórcio, diria alguém, e tanto o Executivo quanto o
Legislativo não desejam contrariar o clero. Admitamos a hipótese, para
argumentar. Se assim é, pergunto por que não desejam nossos homens
públicos contrariar o clero. Evidentemente, pela raiz que a Igreja tem
em nossa população católica. Mas, então, essa população quer romper com
a Igreja e, eventualmente, com seus pastores, para seguir o Sr. Nelson
Carneiro?
Há
mais. O senador divorcista apresenta, em suas declarações, como o modo
mais direto de implantar o divórcio, fazer aprová-lo... às escondidas!
Sim.
Assevera ele que se o próximo projeto de Código Civil — sem pronunciar a
palavra divórcio — ampliar consideravelmente os casos de anulação de
casamento, então sim, estará derrubada a indissolubilidade do vínculo,
porque, acrescenta, "as conseqüências da anulação do casamento são
praticamente as mesmas do divórcio".
Veja
o leitor a comicidade da tese do Sr. Carneiro. A opinião pública quer o
divórcio, o Executivo o quer, o Legislativo o quer. Mas o único jeito de
ele ser aprovado é disfarçadamente!
* * *
A meu
ver, o divórcio, mascarado de anulação, só passaria, no Brasil, por um
golpe de surpresa, isto é, se fosse imposto pelo Executivo em um projeto
de lei que o Congresso tivesse de aprovar a toque de caixa. De tal
maneira que se negasse à opinião pública o tempo necessário para tomar
conhecimento do perigo, e manifestar-se contra ele.
Não
me sinto, aliás, no direito de prognosticar como provável que as coisas
se passem assim. Pois há circunstâncias que parecem dizer o contrário.
Com
efeito, há tempo que a reforma do Código Civil está em pauta. O general
Médici sabia que, cedo ou tarde, teria de abordar a importante matéria.
E que seu braço direito, para isto, teria de ser forçosamente o ministro
da Justiça. Se o chefe do Estado quisesse — segundo aspira ser o Sr.
Nelson Carneiro — aproveitar a feitura de um novo Código Civil para
fazer entrar o divórcio pela porta dos fundos de nossa legislação, não
escolheria, como ministro da Justiça, o Sr. Alfredo Buzaid. Pois, como
professor de Direito, por certo repugnará a este o truque recomendado
pelo líder divorcista. E, dado que o titular da Pasta da Justiça se
preza de católico praticante, em sã lógica não é admissível que ele se
solidarize com um projeto de Código Civil que, segundo o próprio Sr.
Nelson Carneiro, implicaria na derrubada do princípio cristão da
indissolubilidade do matrimônio.
* * *
De
minha parte, e como presidente do Conselho Nacional da TFP, tenho um
conselho a dar.
É
desairoso para o divórcio entrar em nossa legislação por um vulgar
passa-moleque.
Se,
pois, o Sr. Nelson Carneiro, ou outro prócer divorcista qualquer, deseja
o divórcio, proponha-o de público, com toda a clareza, e desencadeie uma
consulta ao povo.
Neste
caso, tocará à CNBB publicar largamente um pronunciamento tanto quanto
possível conciso e peremptório contra o divórcio (e a anulação
paradivorcista).
Em
seguida, dê-se tempo para um largo debate sobre a matéria em todo o
País.
E,
por fim, proceda-se a um plebiscito.
Se
não se quiser o plebiscito, os divorcistas recolham adesões para suas
listas de assinatura, e a TFP paralelamente promoverá outro
abaixo-assinado antidivorcista.
Ver-se-á, então, quanto se enganam os que imaginam que o Brasil é
divorcista.
* * *
Isto
dito, volto-me para a CNBB.
Sabem
os Srs. bispos que a indissolubilidade do casamento foi instituída por
Nosso Senhor Jesus Cristo, e que lei humana alguma tem o direito de a
abolir. Sabem também que eles, mais, incomparavelmente mais do que à
TFP, ou a quem quer que seja, cabe velar por que as leis civis não
atentem contra o que Jesus Cristo instituiu.
Para
a defesa do vínculo, caso venha a ser ameaçado por algum truque do Sr.
Nelson Carneiro, peço aos Srs. bispos tão somente um documento revestido
das características pouco acima enumeradas. E a este propósito lhes
dirijo, como católico, ligeiramente adaptada, a súplica do Centurião:
dizei uma só palavra, e nossa pátria estará salva. Pois aos Srs. bispos
não é necessário que se movam nem que se esforcem. Bastará que falem,
mas falem deveras, para que os leigos façam o resto, e levem à derrota
as hostes divorcistas.
--
Teremos ou não teremos o divórcio? Esta pergunta redunda em outra:
falarão ou não falarão contra ele nossos bispos, num pronunciamento da
CNBB, compacto e sem discrepâncias?
Se —
como de direito — emitirem a palavra salvadora, o laicato católico do
Brasil sobressaltará. E qualquer iniciativa clara ou veladamente
divorcista morrerá "in ovo".
Não
quero crer que, essa palavra, eles a recusem. Se a recusassem, o
desalento no laicato católico poderia ser bem grande. Pois em tão
surpreendente hipótese se lhes poderia aplicar a frase de Camões: "um
fraco rei faz fraca a forte gente".
Se,
em tal caso, o divórcio vencesse, o causador capital desta vitória não
seria o Sr. Nelson Carneiro.