Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 17 de janeiro de 1971

Sobre um D. Helder argentino

Apresento, hoje, ao público, uma carta do jovem advogado e escritor Cosme Beccar Varela  Filho, presidente do conselho Nacional da Sociedade Argentina de Defesa da Tradição, Família e Propriedade. Algumas palavras a respeito do brilhante líder da TFP argentina permitirão ao leitor aquilatar melhor o alcance da missiva.

Cosme Beccar Varela Filho — Cosmin, para a vasta roda dos que o conhecem e admiram — exerce a profissão de advogado num dos maiores escritórios da capital platina, o “Estudio Beccar Varela”, fundado por seu avô.

Desde cedo, Cosmin iniciou sua vida pública nos meios nacionalistas portenhos, tendo fundado, com um valoroso grupo de amigos, a revista “Cruzada”, de inspiração marcadamente católica e tradicionalista. O nacionalismo argentino não satisfez a esse pugilo de jovens, que se destacou então dele, constituindo, no ano de 1967, a TFP argentina. E “Cruzada” passou a se intitular “Tradición, Familia, Propiedad”. Vem daí o florescimento da TFP no país irmão, pela sua expansão não só em Buenos Aires, como em diversas outras cidades.

Ao longo dessa luta, que comportou campanhas memoráveis de âmbito nacional, Cosmin se revelou jornalista de têmpera e conferencista notável. Em seu recente livro “El Nacionalismo, una incógnita en constante evolución” (Ediciones Tradición, Familia, Propiedad, Buenos Aires, 1970, escrito em cooperação com uma valente equipe de investigadores e eruditos) Cosme Beccar Varela Filho se revelou um escritor límpido e atraente, um robusto homem de pensamento, um argumentador com lógica de ferro e um batalhador à altura das melhores tradições de pugnacidade do sangue castelhano que lhe ferve nas veias.

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De Cosme Beccar Varela Filho recebi a seguinte carta, valiosa pelas importantes informações que contém:

“Passando minhas férias nesta laboriosa São Paulo, a qual tanto quero, fui surpreendido pela leitura de uma nota publicada no jornal “O Estado de S. Paulo” do dia 8 do corrente, sob o título “Está dividida a Igreja argentina”. Em tal nota se mencionam algumas opiniões do bispo de La Rioja, Argentina, Mons. Enrique Angelelli, sobre a sociedade Argentina de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, cujo Conselho Nacional tenho a honra de presidir. Penalizou-me ver como o inteligente público paulista está sendo inexatamente informado a esse respeito, e por isso resolvi escrever-lhe esta carta, pedindo a V. Sa. lhe dê publicidade, caso julgue oportuno e conveniente.

“A parte verdadeira da notícia é que a Igreja argentina está dividida. Como católico, sou obrigado — com tristeza imensa — a reconhecê-lo. É fato notório que existe, nos meios católicos de meu país, um movimento chamado “progressista”, profético, igualitário e pró-comunista, que procura, com fraudes, violência, e até com medidas de um certo autoritarismo totalitário — evidenciado quando algum de seus membros consegue apoderar-se de um cargo hierárquico — impor uma “Igreja-Nova”, sobre as ruínas das instituições, leis, doutrinas e costumes da Igreja verdadeira, a Igreja de sempre, a qual denominam, depreciativamente, de “constantiniana”.

“A Igreja é universal, e todos os problemas que a afligem, em qualquer parte do mundo, não são alheios à preocupação de nenhum católico. A esse título, atrevo-me a dizer que o publico brasileiro tem um exemplo notório do que seja esta corrente, chamada “progressista”, no vedetístico d. Helder  Câmara.

“Na Argentina, um dos Helder Câmara que temos o infortúnio de possuir é Mons. Enrique Angelelli, bispo de La Rioja. Diga-se isto para situar o personagem.

“La Rioja é uma das províncias mais tradicionais do Norte argentino, o qual por sua vez é a região mais tradicional do país. Nela pregou aos índio São Francisco Solano, santo missionário da época da colonização, que suavizava a barbárie de seus catecúmenos tocando melodiosamente seu violino...

“Todos os anos, se realiza em La Rioja uma tradicional procissão em honra do patrono da cidade, São Nicolau , bispo de Bari. Há um momento, na celebração, em que a imagem do Santo, carregada piedosamente por homens do povo, se encontra nas ruas com outra procissão, que vem trazendo uma imagem do Menino Jesus vestido de alcaide, título que lhe é reconhecido tradicionalmente pela devoção da população de La Rioja. Ao se dar esse encontro, os portadores da imagem de São Nicolau fazem com que esta se incline em sinal de submissão a Quem é o Soberano do Céu e da Terra. Esses fatos — e outros haveria para mencionar — dão a V. Sa. uma idéia do ambiente tradicionalmente religioso de La Rioja.

“Pois é nessa província que se situa a diocese de Mons. Angelelli! Pode-se imaginar a insatisfação que a atuação desse prelado está produzindo na população.

“Uma caravana da Sociedade Argentina de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, composta por sócios e militantes de três províncias, bem como de Buenos Aires, esteve em La Rioja difundindo um livro que acaba de ser publicado pela Comissão de Estudos da TFP, intitulado “El nacionalismo, una incognita en constante evolución”. Esse livro se destina a denunciar a nocividade do movimento cultural e político argentino chamado “nacionalismo”, que não é senão um fascismo tresnoitado, pronto a servir de instrumento à onda socialista que ameaça lançar-se sobre meu país, como aliás sobre toda a América Latina. Junto com esse livro, vendiam-se exemplares do número de junho-julho de 1969 do jornal “Tradición, Familia, Propiedad”, contendo os artigos das revistas “Approaches”, de Londres e “Ecclesia” de Madrid, respectivamente sobre o IDOC  e os “grupos proféticos”.

“O entusiasmo do povo de La Rioja por essa campanha foi notável. Basta dizer que os propagandistas da TFP recebiam almoço, jantar e até alojamento nas residências de famílias das 23 cidades ou povoados da província — e inclusive da própria capital de La Rioja — que visitaram durante os 45 dias que durou sua permanência lá. Os sócios e militantes da TFP festejaram o Natal com um jantar abundante, todo ele provido espontaneamente pelas famílias riojanas, as quais levaram esses presentes à casa em que se alojavam nossos propagandistas.

“Quem lhe escreve a presente teve a alegria de participar dessa campanha pronunciando uma conferência em La Rioja, à qual assistiu um público que superlotou o salão nobre do Museu Provincial, com capacidade para 300 pessoas sendo ainda numerosas as que, não conseguindo lugar no salão, a ouviram de fora. Segundo os encarregados da guarda do salão, no qual se realizam praticamente todas as conferências dessa cidade, nunca se havia visto ali uma assistência tão numerosa.

“Entre os assistentes se encontravam três agitadores esquerdistas e uns 15 comparsas. Tentaram eles produzir um escândalo, mas o próprio público os fez calar. Retiraram-se dando vivas ao bispo Angelelli e a Perón, e gritando morras à oligarquia.

“Cabe aqui dizer que a conferência foi apenas uma exposição doutrinária sobre o artigo de ‘Ecclesia’, sobre os sacerdotes do Terceiro Mundo — grupo que se declarou oficialmente partidário de um ‘socialismo latino-americano’, e que mal tenta velar sua acentuada inclinação à ação violenta — e sobre o nacionalismo argentino. A exposição tornava claro como todo esse conjunto de atividades representa um grave perigo para a Argentina, muito especialmente no momento em que os 4 mil km de nossa fronteira com o Chile  ficaram permeáveis à penetração comunista, e em que a Bolívia não oferece garantias de ter um política anticomunista, até bem pelo contrário.

“Mons. Angelelli não foi mencionado em momento nenhum. Tampouco se acusou os sacerdotes do Terceiro Mundo de serem comunistas. Não nos consta que não o sejam. Entretanto, não dissemos a respeito de uns e outros o que informa a notícia de ‘O Estado de S. Paulo’.

“Foi Mons. Angelelli que tomou a iniciativa do ataque, assumindo posição contra a caravana da TFP no próprio dia em que ela entrava em La Rioja. O bispo emitiu, na ocasião, um comunicado no qual dizia que a TFP  não falava oficialmente em nome da Igreja. Essa afirmação continha uma insinuação absurda e malévola, pois nunca a TFP havia pretendido tal coisa. A insinuação era útil, entretanto, para o fim de desprestigiar a TFP, dando a entender — falsamente — que esta não é fiel à doutrina católica.

“Apesar de tal comunicado, o apoio do povo riojano à TFP foi quase total. A TFP apresentou ao bispo, de público, uma defesa cortês, mas firme, e aproximadamente 700 riojanos, em 10 dias, aderiram com suas assinaturas ao nosso comunicado. O bispo Angelelli, com todo o seu poder, não teve outro apoio senão do diário esquerdista local, de dois elementos nacionalistas, e de uma associação sem membros — pois só assinaram duas pessoas, as quais, segundo se diz eram seus únicos componentes e jogavam com o nome da entidade.

“Tudo isto me pareceu necessário levar ao conhecimento de V. Sa. por respeito ao público da capital paulista tão mal informado sobre o assunto pela notícia de ‘O Estado de S. Paulo’. E há mais. Pois a própria notícia transcreve, entre aspas, dois supostos parágrafos do discurso de Mons. Angelelli, que estão inexatamente transcritos.

“Primeiramente, diz o ‘Estado’, que o bispo denunciou publicamente o governo ‘por tolerar as atividades da organização ultradireitista denominada ‘Sociedade de Defesa da Tradição, Família e Propriedade — TFP’.

“Segue, junto a esta a versão integral do discurso de Mons. Angelelli, publicada no diário ‘La Unión’, de Catamarca, de 3 do corrente. V. Sa. verá que essa frase não existe. O que, sim, existe, é uma confissão de Mons. Angelelli de haver pedido uma intervenção da força do Estado contra a TFP, e também a ameaça de ‘recorrer ao exercício de um doloroso dever pastoral na aplicação de penas canônicas’ (sic). As penas canônicas sabiamente estabelecidas pela Igreja, não podem  ser aplicadas sem justa causa, a menos que a autoridade exorbite de suas funções. Tal é o caso de que nos ocupamos. As duas atitudes do bispo são reveladoras de uma disposição despótica e violenta contra a TFP. O governo, naturalmente, não o ouviu.

 “Mais adiante, acrescenta o ‘Estado’ que o bispo lamentou fossem perseguidos como criminosos os que reagiram contra ‘a agressão e provocação dessa Sociedade que usa o nome cristão para encobrir seus objetivos escusos’.

“Também não figura essa frase no texto do discurso. Aparece, isso sim, uma defesa dos que ‘reagiram’ contra a TFP . Cabe explicar que essa ‘reação’ consistiu em pôr, certa noite, uma bomba — que não explodiu — sob a ‘perua’ da TFP, e, logo depois, uma segunda bomba incendiária que, esta sim, explodiu, danificando seriamente o veículo usado pela caravana. E acrescenta Mons. Angelelli que a se continuar perseguindo os ‘reaccionadores’ — para não os chamar de ‘reacionários’ — ‘depois lamentar-nos-emos pelo fato de um povo, cansado de não ser ouvido, recorrer à violência!’ (sic).

“O curioso é que o discurso do bispo tem como ‘lema’ as seguintes palavras, com as quais termina: ‘Todo homem é meu irmão’. Seria preciso talvez acrescentar: ‘menos os da TFP, e os que com esta simpatizam’...

“Em todo caso, o progressismo e o fascismo nacionalista encontraram em Mons. Angelelli um bom servidor já que a necessidade da TFP de se defender de seus ataques — pessoais ou através de seu clero e outros íntimos — desviou um tanto a tônica principal da campanha. Para não falar do proveito que a atitude do bispo representa para o comunismo, que é o único a sair ganhando com as campanhas de desprestigio intentadas contra a TFP. Esta, aliás, apesar de tudo — digo-o para consolo e alegria dos bons — continua crescendo na Argentina.

“Com todo o meu afeto e estima, despeço-me rogando que faça chegar minhas saudações à heróica e benquista TFP brasileira, cujo Conselho Nacional tão dignamente V. Sa. preside”.


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