Folha de S. Paulo,
12 de
abril de 1970
Dialogando com os N-A-N-E e com os sapos
Os
N-A-N-E, sobre os quais escrevi
em
meu último artigo, não terão gostado da afirmação de que o
problema-chave do mundo contemporâneo é a crise interna da Igreja. Com
efeito, habituados - pelo próprio fato de "nada terem aprendido nem nada
esquecido" - a considerar todas as coisas sob o ângulo dos velhos
princípios laicos, terão achado que aquela minha afirmação só é
admissível a partir do ponto de vista da TFP.
Acontece, entretanto, que certas grandes verdades são como as montanhas
muito altas: podem ser percebidas por observadores situados em pontos de
observação muito diversos. Não é de espantar, portanto, que, apreciando
há poucos dias o panorama mundial de uma ordem de considerações muito
diversas da nossa, o colunista da seção Notas e Informações de "O
Estado de São Paulo" tenha escrito esta lúcida afirmação: "Não fazemos
segredo de nossa convicção de que, por sua própria natureza, a Igreja é
não só a instituição mais indicada mas até a única em condições de poder
apontar o rumo seguro à humanidade em uma hora de tão grave
desorientamento." Daí se deduz logicamente que as crises e vacilações na
Igreja são o que pode haver de mais catastrófico em nossa época.
Quem
sabe se esta citação ajuda algum N-A-N-E a abrir os olhos...
* * *
Em
parte, a posição supremamente importante da Igreja na crise hodierna –
dizemo-lo a título de complemento do último artigo - decorre do fato de
que nossa época é bem mais religiosa e tradicionalista do que muita
gente imagina. E esta afirmação vale mais ainda para o "renouveau" do
espirito religioso e tradicionalista entre os jovens, do que para o que
resta de tradição e Fé entre as pessoas de idade madura.
Segundo li há dias em um jornal, um inquérito levado a cabo pelo "Paris
Match" revelou que a maior parte da juventude francesa é de tendência
"conservadora e tradicionalista". Consultados por volta de mil jovens
entre 15 e 23 anos, a nítida maioria deles crê, por exemplo, em Deus, é
favorável ao casamento e não à união livre, e quer ter filhos.
Talvez mais emocionante é outra notícia, esta vinda da Rússia. Segundo
ela, a geração de idade madura (precisamente aquela em que mais
numerosos são os N-A-N-E) é a que menos se faz representar nas igrejas.
Oitenta por cento dos que as freqüentam são avós, e 20%... são netos,
isto é, jovens em que renasce a Fé abandonada pelos pais. E esta
primavera floresce em pleno inverno soviético!
Assim, erram os N-A-N-E ao se imaginarem realmente afinados com os dias
que correm. A época é bem diversa do que imaginam.
Tal
observação, em nossos tempos sacudidos por uma frenética propaganda "aggiornamentista",
se reveste de incontestável importância.
* * *
Tudo
isto posto, natural é que todos os sintomas de desorientação nos meios
católicos preocupem altamente a qualquer observador imparcial.
O
leitor não estranhará, assim, que eu trate mais uma vez do progressismo,
esta febre que põe em desvario importantíssimos setores da Igreja.
Tenho
em mãos um panfleto de propaganda comunista - de miserável apresentação
gráfica - feito naturalmente para atiçar a luta de classes entre nós.
Nesse papel, para quem apelam os comunistas em busca de apoio?
Evidentemente, para os setores nos quais têm trabalhado; isto é, além
dos "camponeses e operários" (que fazem parte de todos os chavões), os
"estudantes, intelectuais e clero progressista". Há, pois, um clero do
qual os comunistas nada esperam: é o não progressista. E há outro Clero
no qual depositam suas esperanças: é o progressista. Em outros termos, a
área de influência do comunismo na Igreja é, no dizer dos próprios
comunistas, a área progressista.
O que
há de mais claro? Nada.
* * *
E, de
outro lado, nada conheço de mais obscuro do que a impunidade, dentro da
Igreja, do comuno-progressista pe. Comblin.
O
glorioso abaixo-assinado, no qual 1.600.368 brasileiros pediram a Paulo
VI medidas contra a infiltração comunista no clero, tornou célebre o pe.
Comblin, apresentado - e documentadamente - na histórica mensagem, como
o protótipo do subversivo.
Pois
saibam todos os leitores que o agitador belga, comodamente domiciliado
na arquidiocese de Recife, continua a desenvolver, sem qualquer sanção
eclesiástica, as suas atividades e, segundo informação que há pouco me
foi dada, acaba de fazer pregações em várias (ou todas, a noticia não
era bem completa) as dioceses do Piauí.
O
informante é bom. Será exata a notícia? Aqui fica um apelo a que alguém
a desminta, se não for. Como me aliviaria tal desmentido! Pois não é um
pesadelo contemplar esta aberrante impunidade na Igreja de Deus?
* * *
Estes
pobres padres, estas infelizes freiras que se lançam nas águas revoltas
do progressismo, não se comovem quando se lhes prova que atuam contra a
Igreja e a pátria. Impressioná-los-á saber que lutam contra si próprios?
O
prof. James T. Nix, da Universidade de Lusiana (EUA), estudou o estado
de saúde de 100 mil religiosas que viviam segundo as regras em vigor
antes do tufão progressista. E concluiu que a longevidade média entre
elas (76 anos) era superior à longevidade comum naquele país (65 anos),
precisamente em razão das condições de existência criadas para as
freiras pelas regras tradicionais.
É
este monumento de desvelo pelas condições morais e físicas da religiosa,
que o progressismo ataca com todo o vigor...
* * *
E por
fim uma notícia que, embora sem relação próxima com problemas
religiosos, não podemos deixar de comentar.
Apesar de conturbada por uma violenta crise econômica, os soviéticos -
segundo recente artigo do "Pravda" - se jactam de estar atraindo para o
campo de suas relações comerciais a América Latina, com o confessado
intuito de afastar parcialmente dos EUA.
Acrescenta o "Pravda" que Moscou, além de vantagens comerciais,
proporciona às nações deste hemisfério que com ela comerciam uma
vantagem política. É que, por ordem do Kremlin, Fidel Castro cessa de
promover desordens em tais nações.
Depois, com um cinismo pouco comum até em comunistas, o "Pravda" explica
qual o proveito do comunismo em atrair assim os países
latino-americanos. É suscitar nestes uma onda antiimperialista que torne
depois inevitável a implantação do regime comunista.
Há
quem sustente que as relações comerciais com as nações comunistas se
cingem ao mero campo econômico, e em nada favorecem à causa comunista. E
não há argumento que os convençam do contrário. São os "sapos".
Convencê-los-á a cínica confissão do próprio "Pravda"? Não creio. Pois
mudar as opiniões de um "sapo" é mais difícil que destruir à picareta o
Pão de Açúcar.
* * *
E,
com isto, o presente artigo, que tantas coisas diz para persuadir o
N-A-N-E, termina com uma argumentação destinada aos "sapos". Não para os
convencer, mas para mostrar ao leitor quanto eles estão errados...