Folha de S. Paulo,
20 de
dezembro de 1970
Para
os pobres: a esquerda, esse perigo
Corre
às mil maravilhas abençoada por Deus e apoiada vivamente pelos homens, a
campanha da TFP em favor do Natal dos pobres. E de todos os lados nos
chegam ecos dos mais alentadores acerca da admiração suscitada, pelo
espírito de sacrifício de nossos sócios e militantes. Com efeito, esses
jovens, na sua maioria universitários, secundaristas, comerciários e
operários, se revezam dia a dia, no Viaduto do Chá, consagrando uns suas
férias, outros suas horas de lazer, à dura faina de pedir óbolos para
que os necessitados tenham este ano um Natal mais feliz. Essa árdua
tarefa é realizada gratuitamente, a despeito da canícula e da chuva,
unicamente para servir a um tríplice ideal: Tradição, Família e
Propriedade. Com efeito, a campanha de Natal é uma decorrência lógica
desse lema. Pois a caridade está no núcleo de nossas tradições cristãs.
Está na índole da instituição da família ser um foco de bondade que
extravasa da família que tem posses para a família pobre. E a
propriedade privada nunca se mostra mais simpática do que quando a mão
do que tem se abre espontaneamente para auxiliar o que não tem.
* * *
Não
propriamente disto, entretanto, que vou entreter meus leitores hoje.
Numa época de crises e de convulsões, parecer-me-ia inautêntico que ele
pôde contemplar neste dias, triunfalmente ensolarados, quando viu o
rubro de nossos estandartes flutuar sobre o vale do Anhangabau, quando
contemplou nossos jovens arautos, realçados por suas boinas, suas capas
e seus emblemas, conclamando para a caridade, do alto das pilastras do
Viaduto, a paulicéia operosa. E quando teve a alegria de dizer sim ao
pedido de nossos jovens, dando um óbolo para o Natal dos pobres.
Durante estes dias, continuou desencadeada sobre o mundo a "procella
tenebrarum" (S. Judas, 13), e não é lícito abstrair dela.
Tanto
mais quanto esteve ela presente também no Viaduto. E aí pôs à mostra o
que é - em certo sentido - o mais hediondo de sua fisionomia.
* * *
Como
todos sabem, a campanha foi para os pobres. E dada a alta idoneidade
moral da TFP e da Associação das Damas de Caridade de São Vicente de
Paulo, dúvida não cabe, nem poderia caber, de que os óbolos aos pobres
serão entregues.
Entretanto, das esquerdas, que não cessam de alardear seu interesse
pelos pobres, surgiram elementos que não duvidaram em atacar, baixa e
ferozmente, essa campanha destinada ao bem dos pobres.
De
que forma? Alguns desses inimigos da caridade pertenciam à esquerda
abastada. Com efeito, um certo número de "sapos", teve a triste coragem
de passar por nossos jovens e sussurrar-lhes: "vá trabalhar, vagabundo".
Elementos da esquerda descabelada (muito inimiga de todos os ricos, mas
sempre sincronizada com os "sapos") se entregaram à prática de atos bem
à altura deles, como seja atirar papeis com imundícies nos recipientes
destinados aos óbolos, jogar do alto de arranha-céus, anonimamente,
objetos pesados sobre nossos militantes etc.
Rebaixar-me-ia, e rebaixaria o leitor, se condescendesse em analisar e
qualificar devidamente, segundo a ética cristã, essas diversas
manifestações de um estado de espírito bem conhecido.
* * *
Mas
uma pergunta fica de pé. É mesmo por amor aos pobres, que essa gente
hostiliza o Natal dos pobres?
A
pergunta se impõe. Com efeito, os dias de hoje nos fazem ver, por toda a
parte, o comunismo a atormentar os pobres. No meu último artigo, falei
do fracasso da safra açucareira em Cuba e do conseqüente empobrecimento
da ilha. Há dias, o mundo foi abalado pela notícia do levante dos pobres
nas cidades polonesas de Gdansk, Gdynia e Sopot, indignados com a
carestia. Gdansk é a antiga Dantzig, porto de mar que se tornou dos mais
prósperos da Europa na Idade Média e conservou essa categoria até cair
sob o domínio dos comunistas.
Diante da pobreza de Cuba e dessas cidades polonesas, esses paladinos
dos pobres não têm uma palavra de compaixão.
E
essa atitude não constitui uma exceção. Cito mais alguns exemplos.
Nos
primeiros dias de setembro, o diário dos sindicatos soviéticos chamado "Trud",
publicou uma catilinária contra os "trabalhadores voluntários" (míseros
párias, forçados pelos sovietes ao trabalho gratuito nas fazendas do
Estado, à maneira dos cortadores de cana "voluntários" de Fidel Castro),
porque estes, ao longo de seu trabalho escravo, "roubavam" gêneros para
comer ou para os levar para os seus. Diante deste fato, eu sinto pena. E
estou certo de que o leitor também. Pois, em lugar de se condoer deles,
o "Trud" não lhes poupa os mais duros insultos. E, por certo, muitos
deles estão sofrendo, a estas horas, torturas inexoráveis nas enxovias
siberianas.
A
todos nós - repito - esses coitados causam lástima. Quanto aos "sapos",
e seus desgrenhados correligionários da extrema esquerda, preferem não
falar do caso. E trabalham para que os pobres do mundo inteiro sejam
sujeitos a idêntico regime!
Pergunto: é assim que se ama aos pobres?
* * *
Na
mesma data, publicavam os jornais uma notícia singular. As nações
capitalistas do Mercado Comum Europeu estão obtendo uma tão elevada
produtividade agrícola, que deixa longe a dos países soviéticos. A tal
ponto que a troca de objetos industrializados dos países capitalistas
por produtos agrícolas dos países comunistas se vai tornando inútil e
desinteressante para os primeiros.
O
fato de tal maneira salta aos olhos, que os representantes da Rússia,
Tchecoslováquia, Polônia, Hungria e Bulgária no Conselho do Comércio e
Desenvolvimento da ONU pediram ao secretário geral do referido Conselho
um relatório sobre as chamadas práticas discriminatórias do MCE contra
os países comunistas: manobra visando protelar a ampliação, ao campo
agrícola, do Mercado Comum Europeu, que presentemente só existe para
produtos industriais.
Este
episódio deixa transparecer o contraste impressionante entre a fartura
agrícola dos países que vivem sob o regime da propriedade privada, e a
penúria das nações comunistas.
Sem
embargo do que, os esquerdistas, que se dizem amigos dos pobres, querem
para o Brasil e para o mundo inteiro o regime de geral penúria.
O que
são, à vista disto, esses estranhos amigos dos pobres?
* * *
Para
encerrar, lembremos o dito bem conhecido de Voltaire: "Oh Deus,
livrai-me de meus amigos, que dos meus inimigos liberto-me eu".
Que
Deus livre os pobres dos estranhos amigos da esquerda...