Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 13 de dezembro de 1970

Açúcar amargo, Natal sem luzes

A "Folha de S. Paulo" publicou no dia 9 do corrente, um despacho telegráfico da AFP, proveniente de Havana, contendo várias informações dignas de comentário.

Essas informações se fazem notar pelo que têm de insuspeito. Pois constam, todas, de um discurso proferido há dias por Fidel Castro na Assembléia Plenária dos Trabalhadores de Cuba.

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Cumpre registrar, antes de tudo, a duração da arenga do ditador barbudo: três horas e meia! Imagine-se o leitor na situação de um dos ouvintes. Consegue avaliar o tédio que a interminável arenga lhe causaria?

A pergunta se impõe, tanto mais quanto o tema sobre o qual versou Fidel Castro, durante este longo tempo, foi um só. Tema inesgotável e melancólico por definição, isto é, os problemas internos da ilha.

Outras interrogações, ainda, ocorrem, naturalmente, a propósito de um discurso de tão fenomenal duração. Por exemplo, se o orador conseguiu conservar o auditório numeroso até o fim, e que recurso utilizou para isto.

Talentos oratórios excepcionais? — Se ele os tivesse, a propaganda comunista já os teria alardeado no mundo inteiro. Ademais, Fidel já se têm feito ouvir na televisão internacional sem inspirar a nenhum dos espectadores o desejo de permanecer três horas e meia diante do vídeo a ver sua gesticulação e ouvir seus bramidos.

Como, então reter a massa dos ouvintes? Tanto mais quanto se deve supor que esta tenha sido imensa, uma vez que era uma "assembléia plenária de trabalhadores", reunida em uma ilha onde todo o mundo, queira ou não queira, é trabalhador. Hipnose? — Hipóteses rebuscadas como esta são, de si, pouco verossímeis. Deixemo-la, pois, de lado. O que resta?

A coerção. A vigilância policial assestada implacavelmente sobre quem ousasse sair. O registro ostensivo do nome, da residência e a da profissão de cada trânsfuga, obviamente para a devida comunicação ao chefe de serviço de cada qual. As conseqüentes sanções — transferências arbitrárias, tarefas duras e insalubres, diminuição de salário etc. — aplicadas aos "maus cidadãos" que não quiseram ouvir até o fim a discurseira. Tudo isto sem excluir uma estada mais ou menos longa nas enxovias de "La Cabaña", para quem, além de escapulir, se atrevesse a fazer algum comentário franco sobre a retórica do "chefe". Eis aí o que pode mais facilmente explicar que Fidel tenha tido auditório para seu "show" intérmino.

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A julgar pelo que o ditador disse a seus ouvintes forçados, as suas ambições de chefe de Estado baixaram sensivelmente do ano passado para este. Como todos se lembram, sua meta anterior foi de 10 milhões de toneladas de açúcar. Como ele fracassou rotundamente, baixou o objetivo. E se limitou modestamente a sonhar, para a próxima safra, com apenas 7 milhões de toneladas.

Para que esta produção? Para dar um passo avante no caminho do desenvolvimento? — Não. Confessou ele que Cuba tem um grande déficit comercial, principalmente com a União Soviética, e que estes 7 milhões de toneladas constituem o mínimo indispensável para que tal déficit não aumente.

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É bem compreensível esse déficit de Cuba em relação à Rússia. O regime comunista na pequena ilha é artificial, e se mantém exclusivamente com as "liberalidades" do superpotente "aliado" nórdico.

Boa parte das safras açucareiras se destina, assim, a pagar o Kremlin. E a situação dos trabalhadores de Cuba em relação ao governo russo é de todo parecida com a que a propaganda comunista descreve como sendo a dos trabalhadores sul-americanos em relação aos bancos ianques.

Parecida? — Suponhamos a analogia: quantas e quantas são, entretanto, as diferenças!

Por exemplo, o que pode fazer Cuba no sentido de retificar uma conta cobrada pelo Kremlin, de objetar contra um cálculo, de discutir as condições dos sucessivos empréstimos? Não recebendo senão da Rússia todo o apoio militar que lhe permite ir durando como ditador, desde que Fidel Castro se torne molesto aos soviéticos, cairá inevitavelmente no vácuo, derrubado pelos seus próprios comparsas a um simples aceno de Moscou...

Oh, quão mal empregados são estes 7 milhões de toneladas de açúcar! É o próprio tirano, que se serve do trabalho escravo para pagar as armas com que os mantém na escravidão!

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Para sustentar esta situação — dura para todos e risonha só para si e seus asseclas — Fidel Castro não aponta senão um meio. É espremer ainda mais o operariado. Não consta que ele tenha dito, em sua longa arenga, uma só palavra sobre aumento de salários. Mas é certo que exigiu mais trabalho.

Com efeito, segundo ele, a nova safra precisa ser obtida sem reduzir o esforço levado a cabo nos últimos meses para aumentar a produção de outros artigos exportáveis e sem paralisar o andamento de outros planos de inversão. Para isto, deseja ele reduzir — não se sabe de quanto — a mão de obra empregada na produção açucareira. Ora, como a safra passada foi por volta de 8 milhões de toneladas, e se desviam braços para outros setores, para conseguir uma safra quase igual, alguém tem que trabalhar mais. Quem é, senão o pobre operariado?

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Tudo isto é lamentável. Mostra-nos um pobre povo transformado em rebanho exausto, privado de sua dignidade, de sua liberdade, de seus direitos mais elementares.

Mas isto mesmo nos mostra também outra coisa, que nos diz respeito bem mais de perto. Para apontá-lo, tiro os olhos da infeliz Cuba e os fixo na América Latina.

Como compreender — senão por uma cumplicidade pejada dos mais sombrios prognósticos — que um chefe de Estado como Allende, que anuncia para seu povo um futuro cheio de fartura e liberdade, acabe de restabelecer relações diplomáticas com Cuba, e, não contente com isto, se arvore em campeão da causa de Fidel Castro no continente, tudo fazendo para reintroduzir a republiqueta comunista na OEA? Não sabe Allende que o restabelecimento dos laços da América Latina com Cuba reforçaria inevitavelmente a ditadura neste país? Como, então tomar a sério as tiradas do novo presidente chileno a favor de seu próprio povo, quando se vê cúmplice dos que oprimem povos irmãos?

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Só Allende?

Do continente, retraiamos nossos olhares para dentro de casa...

Sim. E olhemos para todo o conjunto de periferias político-ideológicas equívocas e suspeitas que, à maneira de um cinturão de segurança, rodeia o comunismo caboclo. Falo dos demo-cristãos, dos socialistas, dos progressistas ou que outro nome tenham. Eles, que tanto se revoltam contra qualquer defeito da atual estrutura político-social brasileira, como podem silenciar, e silenciar tão completamente, sobre a situação de Cuba?

Já no ano passado, a propósito do fracasso da safra açucareira de 10 milhões de toneladas, que Fidel vaticinou e não obteve, fiz-lhes — por esta coluna — a mesma interpelação. Se é o zelo pelos pobres, que move todos esses inocentes-úteis do comunismo (duvidosamente inocentes e tão indiscutivelmente úteis), por que não lutam eles pelos pobres de Cuba?

Um silêncio pesado se seguiu à interpelação. Vejamos se, desta vez, os interpelados se movem a uma réplica.

* * *

Fixo agora meus olhos sobre o leitor. Peço-lhe a atenção para estas linhas que encerram o citado noticiário da Folha de S. Paulo: "Declarou também (Fidel Castro) que a safra atual (...) começou com certo atraso, e propôs que, como no ano anterior, sejam prorrogadas para outra época as festas tradicionais de Natal e Ano Novo.

"Ao declarar-se ‘respeitador das tradições’ Fidel Castro entretanto assinalou ‘São muito cristãs, muito belas e muito poéticas, porém constituem um fenômeno subjetivo que nos trouxeram da Europa’".

Assim, para Fidel Castro o Natal não passa de "um fenômeno subjetivo que nos trouxeram da Europa". Este o homem que desceu de Sierra Maestra ostentando um enorme rosário ao pescoço para embair os católicos de seu país. Cuidado, leitor, cuidado. Não dê crédito a alguém só porque se diz católico. Estamos na época da hipocrisia, em que Satanás por vezes se faz sacristão, por vezes padre e... prefiro não continuar.

* * *

Leitor amigo, posso pedir-lhe algo para o Natal? Posso pedir-lhe o presente de uma prece?

Quando rezar ao pé do presépio, ou quando se sentar feliz para a ceia de Natal, lembre-se do Natal negro, sem festas nem luzes, de um povo irmão que nessa mesma noite, a essa mesma hora, está na escuridão, dormindo exausto para retomar no dia imediato a produção do açúcar amargo, resultante do trabalho escravo. Lembre-se de Cuba. Lembre-se também do Natal, cheio de angústias, de tantos chilenos clarividentes, que discernem em Allende o Fidel de seu país. Reze por todos esses infelizes.

E reze pelo Brasil, caro leitor, para que jamais lhe ocorra desgraça igual.


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